Elas cantam Roberto, o DVD que meu amigo Vinicius me apresentou

Em uma idade em que achei que já havia completado meu estoque de amigos no mundo, ganhei um amigo de 15 anos, o Vinicius.
 
O Vini me fez rever muitos conceitos já consolidados, um dos quais era de que não existia a chamada música de bom gosto, simplesmente porque o gosto depende do grupo, do meio, da comunidade. Desde meus ensaios de crítica musical, no início de carreira, sempre considerei que papel do crítico não é apontar a música de bom ou mau gosto, mas saber explicar as características que fazem com que  determinada música emocione seu público, seja o caipira do interior de Minas, o carioca do morro, o sertanejo do centro-oeste, o brega da periferia.
 
Mas o Vinicius me fez pensar de novo nessa história.
 
Ele tem síndrome de Down e chegou iluminado ao mundo. Graças a ele, lá por volta de 2002 sua mãe Eugenia Gonzaga, procuradora da República,  passou a defender a tese de que toda criança tem direito à educação, e como criança com deficiência continua sendo, criança também tem direito à educação. E o Estado que se vire. Na gestão Fernando Haddad o Estado começou a se virar. Hoje existem 800 mil crianças com deficiência na rede escolar, feito que nem a presidente Dilma Rousseff conhece, caso contrário não teria pressionado senadores a votar em favor do ensino excludente das APAEs no último Plano Nacional da Educação.
 
Pois o Vinicius começou a frequentar meus saraus. De cara, conquistou todas as minhas meninas, das adultas às adolescentes. Nos botecos que frequento, conquistou meus dois amigos mais ranhetas, o Pelão e o Baiano.
 
No primeiro dia de Alemão, Pelão ficou de pé ao lado da mesa, olhando-o com aquele olhar assassino e cofiando as barbas brancas.
 
– Sabe quem eu sou? Sou o Papai Noel.
 
E Vinicius, na bucha:
 
– Não é. É Dom Pedro Segundo.
 
Pelão e Vinicius tornaram-se amigos íntimos desde então.
 
Por um breve período, Vinicius dividiu comigo meu escritório em casa. Levou seu computador e seu estoque de músicas. E me permitiu, dia após dia, entrar em seu mundo, constatar sua gentileza permanente, aquele senso de detalhes de perguntar como foi o dia quando chego, de desejar “bom trabalho” quando saio, que só as pessoas intrinsicamente gentis sabem praticar.
 
E o que o meu amigo Vinicius ouvia? Tudo o que fosse de bom gosto. Ama Elvis Presley, encantou-se com Lou Bega, apaixonou-se por Clara Nunes, emociona-se com as óperas de Mozart e até do Alan Trindade, que é de Guaranésia, pois Vinicius é muito leal às suas raízes.
 
É autor de frases inesquecíveis, como “cantores não podem morrer”, quando sua ídola Amy Winehouse partiu.
 
Ontem insistiu o quanto pôde para que eu fosse assistir com ele o DVD “Elas Cantam Roberto”, um show em que doze cantoras homenageiam Roberto Carlos. Impôs condições: não poderia ligar o iPad para liberar comentários e tinha que parar de pensar em trabalho para poder curtir as músicas.
 
O DVD foi rodando. E o Vinicius sabia de cor cada fala, que ele repetia junto com as cantoras. E agora, paro de falar do Vini, para me concentrar no DVD.
 
Mas que lindeza! Um dos shows históricos do país, com uma seleção de cantoras de primeiríssima, arranjos estupendos e um Teatro Municipal em noite de gala.
 
Vinicius ia me guiando. Agora, a Zizi Possi. Agora, a Luiza Possi, “amiga da sua filha”. Zizi continua soberba e Luiza, uma graça.
 
Todas as  interpretações transcenderam. Provavelmente nunca Wanderléa, Rosemary, Cláudia Leite e Fafá de Belém cantaram tão bonito assim. Assim como Ana Carolina, Daniela Mercury, Marina Lima, Ivete Sangalo, Adriana Calcanhoto, Paula Toller, Fernanda Abreu, Martinalia, Alcione, a boneca Sandy. 
 
Deve ter sido a última interpretação de Hebe Camargo e foi de emocionar. A voz firme, com aquele pequeno trêmulo que imprime uma emoção adicional, Hebe foi rainha, em uma música lindíssima e pouco conhecida. 
 
Marilia Pera transformou sua música em uma encenação de arrebentar, uma de suas maiores interpretações de sua vida, com uma voz que, em atriz, só ouvi em Bibi Ferreira. O Teatro veio abaixo.
 
Quando Nana Caymmi começou a cantar, olhei para o Vini que chorava silenciosamente de emoção. A mãe me contou que toda vez que assiste esse trecho, com Nana, ele chora.
 
Terminei de assistir o DVD balançado, mais ainda por perceber um pouco mais o extraordinário mundo interior de Vinicius, que me ensinou sentencioso: “Músicas fazem chorar”.
 
http://www.youtube.com/playlist?list=PLnoHqjtVdu5fqCtDblSa7bA7wz7R60iGD
Luis Nassif

14 Comentários

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  1. Meu blog História e Legalidade

    Caro Nassif:

    Montei um blog simples no wordpress – estou pedindo sua autorização para publicar suas opiniões lá, é possível?

    Abração

    Pedro Luiz

  2. RCarlos

    Nassif,

    Acabei de ouvir no YouTube, uma beleza.

    Como eu escrevi aqui há anos, quase todos os brasileiros dançaram ou namoraram ao som de uma música de Roberto Carlos, muitos já têm netos ouvindo o mesmo RCarlos, não é pouca coisa.

    RCarlos conseguiu algo bastante difícil no showbiz, ser um sucesso permanente nos seus 50 anos de estrada. 

     

  3. garrote com força

    Com dez aninhos, agora, meu amiguinho da melhor qualidade, desde a mais tenra idade demonstrou um apreço extra-sensorial para as canções.

    Ele dançava bem, bem demais, mas parou, porque diz ter, agora, noção das coisas – uma pena.

    É o reflexo dos cabrestos que são colocados nas crianças e nas pessoas especiais que possuem espíritos libertários dominantes, fortemente arraigado dentro delas.

    São freios mecânicos, ABS outros freios KCTS, que são garroteados sobre quem ensaia desviar da curva padrão do gráfico linear da vida mumificada e politicamente correta, que está, amplamente, disseminada neste mundão velho e sem porteira.

    Lembro da tragédia que representou, pro Menino Maluquinho e pra mim, a morte do grande Michael.

    Ele passava vários dias grudado na TV, acompanhando tudo sobre o ídolo e derramava-se em soluços, de cortar o coração, quando ouvia – sem entender nada – a magistral “Earth Song”.

    [video:http://youtu.be/XAi3VTSdTxU width:600 height:450]

    Entre os clássicos do ídolo mortalecido, ele tinha preferência por “They Don’t Care About Us”.

    [video:http://youtu.be/QNJL6nfu__Q width:600 height:450]

    Mas nada está perdido: hoje, ele continua cantarolando “Menino da Porteira”, “Águas de Março”, a “Canção do Sapo”, do Jackson do Pandeiro, e canções kilométricas do Rap nacional.

    Dias desses, em uma viagem curta – 100 km – botei um som caipira de responsa, da Velhíssima Velha Guarda do Sertão, e o Pestinha prostestou, pois queria ouvir o grandioso Jakson do Pandeiro.

    Por não ter trocado a trilha sonora, furioso, sem elegância, nenhum fair play; sem dó e nem piedade, ele fuzilou:

    – Pô mãe!, esse cara é caipira com força… tira esse som daí, pô!

    Em “Gangnam Style” ele era craque;

    Deus o livre do Axé Universiotário.

     

  4. Sempre fui fã…
    Antes era a

    Sempre fui fã…

    Antes era a maior patrulha porque RC era brega. Tinha que gostar só do Chico e cia (claro que eu tb adorava). Hoje as mesmas pessoas renegam o Chico…se é que é possível…Bem, mas aproveito para passar a dica do programa “Encontros” da Brasil FM todo domingo às 16h. Hoje foi Chico/Gil (são sempre dois) a partir de amanha disponivel podcast. Próximo domingo: Raul Seixas e Rita Lee.

    E parabéns ao Vinicius

  5. Nassif, quantas emoções eu

    Nassif, quantas emoções eu vivi ao ler seu texto e ver essa mulheres lindas a cantar, cada uma no seu tom, cada uma com seu jeito próprio de interpretar as músicas do Rei. Ressalto duas coantoras que me surpreenderam: Hebe Camargo e Wanderleya. Aliás, sobre essa última, penso que tem dado show mais bonito nas suas últimas aparições, como noutro dia no pprograma Altas Horas. Sempre gostei da pessoa dela, nunca da voz. Adorei as duas, e Hebe nos deixou sua apresentação como uma boa lembrança de presença nos palcos por mais de 50 anos. 

    Vinícius, segundo você, é, como todos os seres humanos especiais, especialíssimo. Eu sinto que ao longo da minha vida nunca tive a felicidade de privar da intimidade com um Vinícius. Sempre que vejos essas crianças – são sempre crianças – só enxergo nelas pureza, carinho, e amor. Eu presto atenção nelas, sem ser inoportuna, mas me interessa ver o comportamento delas, que parece ser igual nesses quesitos citados: pureza, carinho e amor. É tudo que falta no mundo, e elas tem de sobra. E se a isso a gente soma a sensibilidade de Vinícius, não tem pra mais ninguém: estamos diante de um ser humano completo. Que maravilha! 

    Vinícius chora com Nana Caymi, com razão, porque essa cantora parece que expõe a alma em cada interpretação. É quase um gênio musical pela garganta privilegiada, um dom divino.

    Todavia, quem me deixou arrepiada foi Marília Pera. Esta fez muito bem estudar canto e expor mais esse predicado ao seu público, há algumas décadas. Vi-a certa vez explicando como trabalhou sua voz. Chegou a me dar uma aula, tanto que ainda hoje quando penso que um agudo não sai, uso uma técnica que ela me ensinou e não faço feio. Enfim, Marília, juntou sua arte teatral com o canto e arrazou. Que Vinícius me desculpe.

    Parabéns Nassif pelo seu novo amigo. Com certeza ele já o fez entender mais a vida, e que essa amizade continue dando frutos como este. 

    E eu, que estava em dúvid sobre alguns presente de Natal, amanhã mesmo vou às lojas para comprar o vídeo e o cd das meninas cantando Roberto Carlos.

    Por fim, se eu pudesse, moveria as mesmas artistas a fazerem o mesmo em homenagem a Erasmo Carlos, pra mim, tão importante quanto Roberto. Erasmo é um verdadero poeta, admirável.

     

     

  6. Olha, não sei como deixaram

    Olha, não sei como deixaram de fora a Maria Bethânia que gravou um album inteiro, o ótimo “As canções que você fez pra mim” só com canções do Roberto.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=jpXFgxUNgZs%5D

     

    Salvou, a bem marromeno  “você é mesmo essa mecha” ,”Desabafo” .

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=jpXFgxUNgZshttps://www.youtube.com/watch?v=0_CfFcTmmUo]

     

    E não teve o que fazer na medonha “Amiga”.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=88VuB1jk49M%5D

     

     

     

  7. Surpresa e satisfação
    Em ler o post!

    Aconteceu uma vez eu atendendo um rapaz com down na minha relojoaria. Fizemos um longo debate à respeito das características dos relógios enfim, ele escolheu não sem antes perguntar o preço, chiar e pedir desconto.
    Ok. Sacou logo o amex e por questões óbvias perguntei se o cartão era dele. Ele afirmou e eu confirmei.
    Fiz a venda.
    Ele , supersatisfeito mas naquela seriedade surpreendente e eu sem me importar com valores, achei que o tinha ajudado a fazer uma boa escolha…
    No dia seguinte, 2 senhores de terno vieram me perguntar se eu havia feito uma venda para um rapaz assim , assim e tals. Naturalmente respondi que sim.
    Um desses senhores tirou da sacolinha o relógio que eu havia vendido exigindo o dinheiro de volta e se identificando como advogado e tals.
    Não me intimidei e perguntei por que mas já desconfiava…
    Ele disse : O sr não percebeu??
    Eu queria escutar mais: – percebeu o quê???
    O dialogo prosseguiu ele tentando meio sem jeito explicar o down do rapaz e que a mãe dele estava exigindo a devolução dos R$100 ou R$ 120 sei lá (que demoraria 40 dias pra cair na conta) e que a coisa poderia engrossar pro meu lado. Diante disso e por educação meio sem paciência, concordei na hora. É claro que não o poupei criticas a eles. Eu disse a eles que o rapaz apresentava grande autonomia, tinha seu proprio amex, escolheu minunciosamente o relógio além de reafirmar sua cidadania.
    E falei na cara dele que ele estava me forçando a discriminá-lo.
    Ele estava a mando da mãe do rapaz. E fez cara de que fazia sentido.
    Toda vez que encontro este advogado ele me comprimenta. O rapaz não mais o vi…

    Eu notei o Vinicius no sarau e até me chamou pra sentar à mesa! Mas eu ja tinha tomado algumas e achei que nao era uma boa idéia ja que o clima tava bem família e estava meio forasteiro. Mas também notei que ele estava feliz com todos o que me deixou mais leve já que havia recusado o convite.
    UM GRANDE ABRAÇO PRA ELE!
    WILL

  8. o garoto Vinicius

    Nassif

     Extremamente sensível o seu texto sobre o Vinicius. E que bom que a mãe dele, pessoa e profissional que muito admiro, o tenha trazido para essa experiência com os seus parceiros musicais.Inclusão é isso:  a convivência em que todos estão juntos e misturados.Às vezes são intituladas de “inclusiva” situações que são justamente o oposto, porque são exclusivas e segregadoras.Será lindo se o Vinicius puder avançar nessa jornada musical tão bem acompanhado. Parabéns a todos vocês  Flávio Scavasin  

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