Fake News em Harvard: “uma mentira mil vezes clicada pode virar verdade na internet”

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Em artigo no Estadão deste sábado (20), Sergio Augusto aborda a crise enfrentada pelo professor de Harvard Steven Pinker, após ele ter participado de um evento na universidade cuja gravação viralizou na internet. O motivo? Pinker ele fazia boas referências a pessoas de alto nível intelectual que circulam, nas redes, em grupos de direita.
 
O conteúdo do vídeo foi usado como trunfo por sites extremistas e, como ninguém das esquerdas teve a iniciativa de ver a gravação na íntegra para desconstruir as manipulações, Pinker acabou virando alvo de fake news.
 
Apesar disso, o intelectual continua apostando, como em suas obras, que a sociedade está caminhando para a pacificação. Em tom sarcástico, Augusto sugere que os anjos do mal devem estar se refugiando na internet.
 
Por Sergio Augusto
 
Anjos do Mal
 
No Estadão
 
Na segunda semana de janeiro, um vídeo com Steven Pinker causou rebuliço na internet. 
 
Psicólogo, linguista, neurocientista e professor em Harvard, Pinker tornou-se um dos mais conhecidos vulgarizadores da ciência e um dos mais respeitados intelectuais públicos do Ocidente. Nascido no Canadá e naturalizado americano, produz livros de montão: Do Que É Feito o Pensamento, Como a Mente Funciona e Os Anjos Bons da Nossa Natureza, os mais lidos aqui. Não escondo que foi sua militância em defesa dos animais que me levou à leitura de seus ensaios na New York Review of Books.
 
Ao rebuliço:
 
No tal vídeo, gravado dois meses antes durante um evento organizado pela Harvard e a revista eletrônica britânica Spiked, Pinker aludia às pessoas inteligentes, de bom nível intelectual e bambas na internet que gravitam na extrema-direita. Viralizou instantaneamente. A direita delirou e soltou fogos; as esquerdas espumaram.
 
O site neonazista Daily Stormer estampou um artigo, perversamente intitulado Professor judeu de Harvard admite que a extrema-direita tem razão em tudo. No Twitter, uma postagem do autodenominado “RightWing Rabble-Rouser” (Demagogo de direita) Alex Witoslawski infeccionou a rede de retuítes solidários, um deles timbrado pelo líder dos supremacistas brancos, Richard Spencer. 
 
“Pinker, queridinho dos supremacistas, devolveu a deferência”, detonou o jornalista da esquerda alternativa Ben Norton. O biólogo e blogueiro de tendência liberal PZ Myers repisou a atoarda: Pinker seria um cupincha dos reacionários.
 
Ponto para a extrema-direita. Pretendia indispor Pinker com seus aliados naturais (liberais, progressistas e quem mais abomine o que lá chamam de alt-right), e conseguiu. E conseguiu porque, conforme revelou Jesse Singal, do New York Times, Norton, Myers e outros “aliados naturais” de Pinker não assistiram ao vídeo completo, e atentamente, até fim. Caíram como patinhos na trampa do inimigo.
 
Pinker de fato destacou a existência de intelectuais de direita inteligentes e diligentes nas mídias sociais, mas em momento algum disse concordar com eles. Ao contrário, lamentou que muitos deles se utilizem das redes sociais para, sem o menor pudor, manipular informações, disseminar notícias falsas (vulgo “fake news”) e fomentar preconceitos racistas, xenófobos e homofóbicos. Nunca poderia imaginar que estivesse ele próprio protagonizando mais um caso de manipulação – e das mais grosseiras. Este é o novo padrão. O truísmo de Goebbels atualizado à era digital: uma mentira mil vezes clicada pode virar verdade na internet.
 
Para executar o grosso desse serviço sujo, entregue à anonímia de robôs digitais (ou bots), emprega-se um exército de trombadinhas virtuais, em geral moleques fissurados em esporte e videogames que criam falsos perfis nas redes sociais, utilizando imagens de pessoas surrupiadas a esmo do Instagram e fontes que tais – e, covardemente ocultos atrás deles, agridem, espalham boatos, difamam, invadem contas alheias e cometem as mais inomináveis ignomínias.
 
Com todo tipo de objetivo. Desde picaretagens como aquela falsa ONG para ajudar crianças subnutridas da Venezuela, criada pelo gaúcho Jonatan Diniz no fim do ano passado, a crimes de falsidade ideológica ou que outro nome tenha o que um casal protegido por pseudônimos (um deles escancarado, Ampulhetadeagua) cometeu com o ator Selton Mello, invadindo sua página no Facebook e no Instagram para xingá-lo de pedófilo, misógino e machista. Há dias uma atriz trans de reality shows, conhecida como Rebekah Shelton, cortou um dobrado para desmentir sua morte, espalhada na internet por alguém que invadira sua conta numa rede social.
 
O tom veemente e agressivo das postagens é uma bandeira. Nomes visivelmente falsos e avatar capcioso (uma figura desenhada em computador, personagem de quadrinhos, celebridade do show business ou escudo de algum time de futebol) são indícios quase infalíveis de logro. Os mais despudorados ilustram os perfis com fotos de casais (sorridentes, não raro numa praia) e, para aumentar-lhes a credibilidade, pespegam-lhes atributos supostamente virtuosos mas na verdade profundamente farisaicos. 
 
Aprendi a me proteger desses visigodos no Twitter (não frequento o Facebook nem o showroom de narcisistas em que se transformou o Instagram) da seguinte maneira: ao menor sinal de suspeita, vai-se à página do intruso, para tirar uma chinfra de suas postagens e examinar-lhe o currículo e o número de seguidores (os bots mais fuleiros, até porque forjados aos borbotões, não possuem mais de meia dúzia, provavelmente falsos), aplicando-lhe em seguida um purificante bloqueio. 
 
Se dependesse da vontade de Lúcia Guimarães, o inventor do botão “mute” ganharia o Nobel da Paz. Bem o merece. Mas sou mais o botão “block”, a pena capital, a ultima ratio, o Detefon do Twitter. Há que se fazer justiça com os próprios dígitos nas redes sociais, sem o risco de um habeas corpus concedido por Gilmar Mendes; em nossas contas nós somos o Supremo Tribunal. O “mute” é um cala-boca, um xô!, um repelão virtual. O bloqueio é a defenestração inapelável.
 
Em seu livro mais polêmico, Os Anjos Bons da Nossa Natureza, traduzido pela Cia. das Letras, Pinker defende a tese de que, apesar das impressões em contrário, a humanidade estaria se tornando cada vez mais pacífica. Com tantas evidências corroborando as impressões, chego a desconfiar que os anjos maus da nossa natureza não só existem como se refugiaram na internet.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

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  1. So pra constar: Nao vai passar em branco

    Quanto ao showroom dos narcisistas, a primeira vez que vi meu sobrinho, ele apareceu com uma patota de 3 admiradores, nao entrou na festa nem conversou com ninguem dela, ficou la fora no portao I tempo inteiro, e furou TODOS is baloes das criancas que estavam os levando pra casa;  a segunda vez o sequito de admiradores era de 5, aprontou uma puta cachorrada no aniversario da minha mae uma hora da manha que voces nem imaginam;  a terceira vez esse filho da puta entrou no instagram da minha filha porque alguem tinha mencionado algum “Ivan” na Australia e ele queria ter certeza de falar pra minha filha que o pai dela era louco.

    E minha memoria eh muito, muito longa.

    Muito.

  2. (pior que ainda teve o

    (pior que ainda teve o incidente do sushi que ja nao vai dar pra contar…  Alguem aqui tem um sobrinho mais narcisista?  E mais anal?  Eita menino odioso, puta que pariu!)

  3. ….
    … Esses pseudos-intelectuais ficam deslumbrados com sua celebridade, ficam realizando palestras para divulgar seus livros e difundir suas ideias rasas acabam por falar além e viram um comum, sujeitos a todo tipo de mentira, mas isto não passa do resultado daquilo que eles vendem.

  4. Como detectar um perlfil falso de bot ou robô

    Perfil fake de bots ou robôs são facilmente detectados: geralmente o perfil tem data de criação recente, a foto de um pai com a famiiia ou escudo de um time, faz alusão à religião ou futebol, poucas postagens e poucos seguidores (no máximo 30), na maioria das vezes, zero.

    Como são robôs não debatem. Geralmente contestam em uma única resposta, pois são acionados por palavra-padrão e, dificicilmente replicam a resposta. Abusam do artificio de utilização de memes, as respostas são escatológicas ou sexualmente agresivas propositadamente para intimidar (principalmente quando as são mulheres).

    É INACREDITÁVEL como tem gente que responde a comentários de robôs ou bots em redes sociais sem perceber quem são! No site do 247 acontece muito pois não tem controle moderador.

  5. O que o Steve Pinker disse

    O que o Steve Pinker disse realmente indica que ele aprova a alt-right. Afinal de contas, pessoas inteligentes compreendem melhor a realidade. Mesmo por que ele é um critico da cencura que ocorre atualmente sobre discussões e estudos sobre diferenças inatas que ocorrem entre os genêros e diferentes raças. 

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