Gilmar Mendes e a síndrome de Estocolmo invertida, por Juan Arias

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Juan Arias, articulista do El País, se pergunta o que acontece com Gilmar Mendes, magistrado do Supremo Tribunal Federal. E não só ele. A pergunta ecoa nas ruas, nos meios dos profissionais de saúde e dos magistrados.

Mas Arias especula que talvez o mal seja que o acomete a síndrome de Estocolmo invertida e, diferente da direta que cria uma estranha identificação do sequestrado com o sequestrador, o magistrado se compadece dos condenados, sofre em vê-los na prisão.

Mas sem vivas ao magistrado, já que ele parece não se identificar com todas as vítimas, mas somente políticos e empresários importantes, que prefere deixá-los longe de sofrer na prisão. No Rio, ele libertou oito importantes presos. E se angustia quando as delações estão na bala da agulha da PGR.

Leia o artigo de Arias a seguir.

do El País

Gilmar Mendes e a síndrome de Estocolmo invertida

O que acontece com o magistrado do Supremo Tribunal Federal? A pergunta é feita por pessoas nas ruas

por Juan Arias

O que acontece com o magistrado do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes? A pergunta é feita por pessoas nas ruas, psicanalistas, bem como por mais de um de seus colegas de toga. Ao saber, por exemplo, que sou jornalista, enquanto esperava um ônibus, um senhor de meia-idade que nem se lembrava muito bem do nome do magistrado me perguntou, sem muita sutileza, o que eu pensava “desse juiz que solta os corruptos importantes, é contra a Lava Jato e defende o trabalho escravo”.

Diante de algumas das atitudes do juiz em relação a seus próprios colegas, ou contra a Procuradoria-Geral, ou diante da superioridade que mostra na hora de opinar, há quem pense que poderia estar sofrendo da síndrome de Hubris, descrita pelo britânico David Owen, que pode afligir aqueles que exercem o poder. Trata-se de “um comportamento irresponsável, próximo à grandiosidade e ao narcisismo”, escreve o psiquiatra espanhol Manuel Franco. Na Grécia Antiga, a deusa Nêmesis era a responsável por punir “os excessos daqueles que sofriam, dentro do poder, de uma complacência pessoal exagerada”.

Não acredito, no entanto, que Gilmar Mendes esteja acometido pela síndrome de Hubris, uma vez que esta normalmente afeta personagens bastante medíocres, que precisam se revestir até mesmo dos atributos divinos para compensar sua pequenez. O magistrado goza de uma boa biografia profissional e de um conhecimento jurídico inquestionável, a tal ponto que alguns de seus colegas do Supremo o consideravam — ainda hoje? — seu mestre. O que talvez aflija Gilmar Mendes, segundo um psicanalista brasileiro que me pede anonimato, poderia ser a síndrome de Estocolmo, mas invertida. É a síndrome em que geralmente há uma estranha identificação do sequestrado com o sequestrador, da vítima com o verdugo. Só que, no caso do magistrado, essa síndrome ocorre ao contrário. Na metáfora, Gilmar Mendes, que deveria ser o juiz que condena, é quem se sente, por sua vez, identificado e grato aos condenados. Sente pena deles. Sofre em vê-los na prisão.

Mas com uma particularidade: Gilmar Mendes, neste caso, não parece se identificar com todas as vítimas igualmente, e sim apenas com políticos ou empresários importantes, por quem sente tanta compaixão que prefere não os ver sofrer na prisão. Somente no Rio, o juiz libertou oito presos importantes. E sente uma espécie de desassossego sempre que a Procuradoria pede, por exemplo, a prisão de um político. Esta semana, voltou a criticar as delações premiadas, tão temidas pelos corruptos.

O que talvez mais incomode a opinião pública é que Gilmar Mendes não parece sentir essa possível síndrome de Estocolmo invertida em relação aos milhares de presos comuns, os sem história e sem poder, muitos dos quais não só ainda não foram condenados, mas também nem sequer julgados ou interrogados, e que continuam amontoados e esquecidos nas cadeias. Prisões tão violentas e desumanas que José Eduardo Cardozo, então ministro da Justiça de Dilma Rousseff, disse a repórteres que preferia a pena de morte a estar preso em uma delas. Com esses presos comuns, a estranha síndrome de compaixão de Gilmar Mendes parece não funcionar.

Em uma entrevista recente a este jornal, o escritor britânico Salman Rushdie, autor dos famosos e polêmicos Versos Satânicos, afirmou que “somos governados pelo grotesco” e acrescentou que “quando chegamos ao poder, tudo se torna uma caricatura”. Estava se referindo à tendência atual em quase todo o mundo de rejeição à antiga forma de governar. Também seria o caso do Brasil?

Nas ruas, começa a surgir o alerta de que também poderíamos estar vivendo no Brasil esse estado em que se destacam o grotesco e a caricatura. A pergunta é feita por todos aqueles que, vendo como o desconcertante magistrado atua, suspeitam, como o fiel Marcelo na tragédia de Hamlet, a famosa obra de Shakespeare, de que “há algo de podre no Reino da Dinamarca”. Neste caso, onde parece não cheirar rosas seria em Brasília, não só na ágora gritante do Congresso, mas até no templo sagrado dos supremos de toga.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. É um exercício mais que

    É um exercício mais que ocioso esse de ficar inventando “tioria”: é contraproducente; dispersivo; gol contra.

    …”Sindrome de estocolmo invertida”…

    Gilmar Mendes é um politiqueiro comum, vulgar, ordinário. É assim que precisa ser tratado. É impressionante como ele chama os adversários de torpes e ignorantes e ainda assim é tratado como “cavalheiro”.

     

  2. GILMAR MENDES

    Gilmar Mendes é um dos funciionários mais dedicados de quem realmente manda nesse Brasil, então por que tanta teoria fajuta sobre ele? Me estranha muito a postura do GGN sobre o excelentíssimo ministro: Gimar Mendes é um jagunço de quinta, mas este site parece supervalorizá-lo. Por que não tratá-lo com a pequenez que ele merece?

  3. Faltou um Gilmar para defender o PT

    Tanto no mensalao quanto soltando todos os que ficaram presos ate delatar nas masmorras da Farsa a Jato da inquisicao da “Republica” de Curitiba.

  4. O jornalista espanhol não conhece GM, embora tente mostrar isso.

    Que Gilmar Mendes é líder político do PSDB no STF e SEMPRE atuou de forma político-partidária e escancarada, desde quando era AGU e depois numa cadeira do STF, até o mundo mineral sabe. Gilmar Mendes é penalista com faca na mão quando os acusados são integrantes, líderes eou simpatizantes a Esquerda, sobretudo do PT. Com os políticos da direita golpista, oligárquica, escravocrata, plutocrata, cleptocrata, privatista e entreguista, GM é um paizão. Entretanto o jornalista parece não ter percebido que a a perseguição que GM faz aos adversários e inimigos políticos não é para colocá-los em cárceres imundos e insalubres, mas para inviabilizá-los na disputa pelo poder político, que se obtém pelo voto dos eleitores. 

    Em relação à situação carcerária e dos milhares de pobres – quase todos negros ou mestiços – mantidos nas masmorras brasileiras, sem julgamento, Gilmar Mendes foi um dos poucos ministros do STF que demonstrou sensibilidade para essa grave situação e esse  crime de Estado contra cidadãos mantidos encarcerados, sujeitos a violências de todo e tipo e a doenças como  tuberculose; o mutirão carcerário liderado por GM libertou centenas de pessoas que já haviam ficado trancafiadas em celas imundas por período superior ao da pena que deveriam cumprir, caso tivessem sido julgadas. Fica claro, portanto, que Juan Arias se atém apenas ao lado escandaloso e negativo da atuação de GM, que não pode ser confundido com a face humanista que ele já demonstrou possuir. Falo isso como alguém que detesta GM, mas que reconhece nele alquém com conhecimentos jurídicos sólidos e que já os usou de forma humanitária. Esse “lado bom” de GM não compensa o lado mau; mas precisa ser reconhecido.

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