Infraero é uma Petrobras que não deu certo

A concessão dos maiores aeroportos do país mostra que o governo brasileiro perdeu a oportunidade de transformar a Infraero numa espécie de Petrobras da aviação civil, defende o professor da COPPE/UFRJ, Elton Fernandes, que estuda o setor desde a década de 1980.

Atualmente a empresa pública de aviação civil administra os 67 principais aeroportos do país, respondendo por 95% do tráfego aéreo civil. Mas, como apontou o Instituto de Pesquisa Economica e Aplicada/IPEA, no início do ano, a Infraero não foi capaz de aumentar seus investimentos em infraestrutura para acompanhar o crescimento da demanda de passageiros, de cerca de 10% ao ano, desde 2003. O resultado disso é que somente 3 dos 20 principais aeroportos brasileiros se encontram em situação adequada, sendo que Congonhas, Guarulhos (São Paulo) e Brasília, estão em situação crítica, trabalhando acima de suas capacidades de operação.

Para acelerar as obras no setor o governo iniciou ano passado um processo de concessão de aeroportos, começando pelo de São Gonçalo do Amarante, do Rio Grande do Norte. Até janeiro de 2012, os aeroportos de São Paulo, Guarulhos, Viracopos, em Campinas, e de Brasília deverão ser leiloados no modelo de participação mista – a iniciativa privada ficará com, no mínimo, 51% da administração do aeroporto, enquanto a Infraero com até 49%.

Com os recursos recebidos das concessionárias o governo espera abastecer o Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), criado pela Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, afim de garantir investimentos para o setor. Para Elton, esse cenário mostra que o futuro da Infraero será o de apenas gerir os aeroportos de interesse social “ou seja, que não se auto-sustentam sem recursos públicos”.

Acompanhe a entrevista.

Brasilianas.org – Conseguiremos oferecer infraestrutura adequada para responder a pressão de viagens durante a Copa do Mundo, em 2014?
Elton Fernandes – O estudo do IPEA [divulgado em abril de 2011, que conclui que obras de 9 dos 13 principais aeroportos do país não estarão concluídas a tempo, para atender o fluxo de viagens previsto durante a Copa do Mundo de 2014] estava considerando o papel da Infraero. Agora estamos em vias de licitar três dos maiores aeroportos do país: Guarulhos e Viracopos, em São Paulo, e o aeroporto de Brasília. Isso muda o cenário definitivamente. Mas, é claro, isso vai depender de como serão feitos os contratos, se o governo vai querer que as obras sejam feitas como ele planejou, ou se os novos gestores terão que desenvolver as soluções que acharem convenientes.

E quanto ao modelo de licitação estudado pela Secretaria da Aviação Civil (SAC), no qual a iniciativa privada detém 51% do capital dos aeroportos, ficando 49% com a Infraero – mesmo modelo de capital misto de estatais como Petrobras e Eletrobras?
Acho um pouco complexo esse mecanismo porque uma das críticas feitas no setor é que a Infraero teve um processo de evolução política e ideológica que comprometeu sua gestão, que não favoreceu o planejamento do sistema. Logo, a continuidade da participação da Infraero nesses aeroportos pode até comprometer um pouco a ideia do governo de melhorar a competitividade na aviação civil.

É bom destacar que o governo, na verdade, resolveu sair do setor ao começar o processo de concessão de aeroportos. Um processo que, a meu ver, não tem mais volta. Não vamos discutir aqui se esse caminho é ou não o melhor. O governo teve oportunidade suficiente, e tempo, de transformar a Infraero numa espécie de Petrobras do setor da aviação civil. Primeiro, porque ele tinha uma situação de monopólio de um mercado de relativo poder aquisitivo.  O barateamento atual foi fruto de um processo de evolução tecnológica de novos equipamentos que tornaram o custo do assento/quilômetro mais barato, assim, viabilizando o transporte para uma camada maior da população.

Em resumo, o governo sempre teve isso à mão, mas não conseguiu ser eficiente e tornou a Infraero uma empresa de viés político. Hoje, existem os aeroportos de interesse social, ou seja, que não se auto-sustentam sem recursos públicos. Então vejo que o destino da Infraero será gerir esses aeroportos e deixar os que são mais eficientes economicamente para a iniciativa privada.

O que você está dizendo, então, é que antes até de pensar na criação da SAC o governo deveria ter realizado um choque de gestão na Infraero?
Sim. Recentemente tivemos o caso da Varig, uma empresa com um corpo técnico da melhor qualidade e uma gestão desastrosa, que levou àquele colapso. Todo o mundo que conheceu a aviação tinha o maior apreço pelo corpo técnico operacional da Varig. E de certa forma, se olharmos para a Infraero, veremos que estamos nessa mesma situação, um corpo técnico operacional de excelente qualidade, e uma gestão ineficiente e cheia de vícios políticos. A Petrobras também é sujeita ao TCU (Tribunal de Contas da União), assim como as empresas elétricas e todo o setor público. Então, eu acho que não se justifica a falta de ação por causa da aplicação, por exemplo, da lei nº 8.666 [norma federal que institui o regime de licitações e de contratos públicos de prestação de serviços, criticada por muitos pela forma de aplicação burocrática].

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, está retomando a ideia de construir um terceiro aeroporto em São Paulo. Isso é necessário?
Isso será complicado. Imagine que o empresariado privado vai lá, faz seus estudos de demanda, aí o governo vai lá e constrói outro aeroporto e desarticula tudo. Portanto, com um terceiro aeroporto o valor dos outros dois cairia violentamente. Acho que se o governo decidir desenvolver até o máximo de suas capacidades de sítio, realmente Guarulhos e Viracoposs vão conseguir atender a demanda para os próximos 25 anos, quando poderá articular algo novo.

Sabemos que a infraestrutura de aeroportos não é o único problema. Há também a questão do controle do espaço aéreo. Como vê essa questão?
Como os aeroportos estão numa situação limitante operacional, não pressionam muito o controle do espaço aéreo. Atualmente, temos uma concentração entre o Rio e São Paulo, mas trabalhamos com um espaçamento de 7 milhas, enquanto a média de espaçamento entre uma nave e outra no mundo é de 3 milhas.

Por outro lado, o mundo todo está se modernizando e o Brasil terá que acompanhar esse desenvolvimento para que as empresa internacionais consigam operar no país. Agora tem o CNS-ATM, uma navegação por satélite que está sendo implantada no Brasil, pelo Ministério da Defesa. Trata-se da transição do monitoramento por radar para o sistema por satélite, que muda o conceito e aumenta bastante a capacidade do espaço aéreo. [CNS-ATM: vem sendo aplicado em âmbito mundial e une conceitos e sistemas de comunicação aeronáutica, navegação aérea, vigilância e gerenciamento de tráfego aéreo através da aplicação em grade escala de satélites].

E quando aumentarmos a infraestrutura dos nossos aeroportos?
Essa é a questão. A questão da integração urbana sempre foi mal tratada no Brasil. Mas isso não é um problema exclusivo de aeroporto. A área de Guarulhos, por exemplo, foi invadida com aval da prefeitura, o que  dificulta hoje a construção da terceira pista. O governo, mesmo, fez um planejamento rodoviário ao redor do aeroporto de Campinas e meio que restringiu a expansão dele, com estradas que passam na cabeceira das pistas, que atraíram a ocupação residencial ao lado do aeroporto.

Assim, o aeroporto de Guarulhos tem, hoje, 250 mil movimentos, nas duas pistas. Para você chegar a essa capacidade que a Infraero está dizendo, de 52 milhões de passageiros/ano, isso daí já se supõe um movimento de mais de 400 mil poucos e decolagens. Logo, será necessário aumentar a capacidade de controle no ar, também. Então, aí você supõe que duas pistas em Guarulhos já não seriam mais suficientes, por isso imagino que a Infraero esteja considerando a construção da terceira pista, o que é um problema na região.

Outra questão pouco discutida atualmente é a acessibilidade, algo fundamental para um pólo gerador de viagens. O aeroporto de Atenas, por exemplo, que é longe da cidade, está ligado a trens e grandes vias rodoviárias. Ele está dentro da malha urbana. Imagine quando tivermos 50 milhões de passageiros em Guarulhos, todo mundo irá chegar e sair de carro? Haja estacionamento!

A Copa, no final das contas, é um problema muito pequeno para a nossa questão aeroportuária. A Copa foi um catalisador da discussão, e não o real problema. Porque durante os jogos se criam esquemas especiais de funcionamento que vão muito bem. Chegar até Guarulhos é cada vez mais um inferno. Se Viracopos crescer muito, possivelmente também será ruim, porque não temos transportes de massa confiáveis ligados a esses aeroportos.

Tendo em vista a falta de planejamento histórico, é positivo, então, que o país receba os jogos da Copa do Mundo justamente para reavaliar o setor de transportes?
Espero que sim. Mas, por exemplo, a Infraero recalculou a capacidade dos aeroportos, em 2010, e não ficou muito claro como isso foi feito. Na metodologia antiga nós tínhamos, nos 15 aeroportos que vão atender a Copa, um déficit de cerca de 11 milhões de passageiros. Na nova metodologia, em 2010, passamos a ter um superávit de capacidade de 34 milhões de passageiros. Tudo isso por uma mudança de metodologia de cálculo.

Nos cálculos para 2014, na metodologia antiga, as obras não iriam atender a demanda. Com a metodologia nova acrescentamos em cerca de 100 milhões a capacidade ociosa. Portanto, não existe mais problema em aeroportos nenhum na nova metodologia. Ou seja, se forem realizadas todas as obras vamos atender toda a demanda e ainda teremos mais a capacidade de 100 milhões extras.

Quais são as diferenças fundamentais entre uma metodologia e outra?  
Não sei a metodologia, tem que perguntar para eles, porque não a divulgaram, apenas informaram que há uma nova metodologia. Inclusive a metodologia corrigiu o problema do passado, se em 2010 havia congestionamento nos aeroportos, você está muito enganado, não existia mais, conforme a nova metodologia, naquela época havia capacidade suficiente. Pela antiga metodologia nós tínhamos, em Guarulhos, um déficit de capacidade de 31%; na nova metodologia, em 2010, passamos a ter um déficit de só 8%. Em Brasília, com a antiga metodologia, tínhamos no cálculo de capacidade um déficit de 41%, em 2010, com a nova metodologia o déficit é de 1%.

Por exemplo, nós vínhamos falando que a demanda seria maior, de 183 milhões de passageiros, aí a Infraero corrigiu a sua previsão e mudou a metodologia de cálculo de capacidade. A empresa aumentou a demanda, e a somatória dos aeroportos, 15, nas previsões da Infraero do início do ano, era de 141 milhões de passageiros para 2014. Hoje a previsão de demanda é a mesma que a nossa, de 183 milhões de passageiros – aumento de 41 milhões. Só que a previsão de capacidade deles, que era de 178 milhões de passageiros, na soma da capacidade dos aeroportos, agora é de 282 milhões de passageiros. Logo, a expectativa de capacidade ociosa para 2014 é de 35%, acima até do que é recomendado pela IATA – Associação Internacional dos Transportes Aéreos – de 20%.

Foto: Arquivos COPPE/UFRJ

Redação

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