“Perseguição de Lula é outra fase do golpe”, diz Dilma ao Página12

Em entrevista ao jornal argentino, ex-presidente defendeu que perseguições políticas de líderes populares na América Latina corroem a democracia (Foto Agência Brasil)
 
dilma_foto_marcelo_camargo_da_agencia_brasil.jpg
 
Página12 
 
“A perseguição a Lula é outra fase entre as fases do golpe”
 
De BrasiliaPor Dario Pignotti
 
O centro de gravidade da política brasileira foi transferido para Porto Alegre, onde quarta-feira (24) um tribunal de apelação julgará Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a 9 anos e meio de prisão pelo juiz do caso Lava Jato, Sergio Moro .
 
A partir daquela capital do sul, que aguarda a chegada de caravanas de petistas e camponeses sem terra, a ex-presidente Dilma Rousseff concedeu uma entrevista ao jornal  PáginaI12 em que lastimou a “perseguição judicial” contra o seu correligionário que inscreveu dentro “das fases do golpe dado contra mim há dois anos”.
 
Rousseff possivelmente será uma das palestrantes na vigília que antecede a audiência judicial, que será transmitida ao vivo nas redes sociais. Fora do prédio que abriga o Tribunal Regional Federal 4 (TRF-4) está sendo organizado um cerco policial apoiado por tropas de policiais federais. Havia mesmo uma ordem oficial para o envio das Forças Armadas, mas, felizmente, não prosperou. Essas medidas restritivas do direito de protesto ocorrem antes do surgimento de uma série de manifestações em apoio ao líder do PT e à proliferação de pichações com o slogan “Lula é inocente”, aparecendo em vários capitais. O surgimento da oposição é um fato da situação atual, destaca Dilma, para quem “a luta pela democracia” será realizada dentro e fora dos tribunais judiciais.
 
“Nesta hora, a vida quer é coragem”, se entusiasma durante a entrevista ao telefone. Essa frase citada por Rousseff é a mesma que dá título de uma biografia em que o autor analisa a sua participação na resistência armada à ditadura, os três anos de prisão no início dos anos 70 e sua chegada à Presidência em 2011.
 
– Você falou de um golpe contínuo, que começou com o fim do seu governo, em 2016. O processo na quarta-feira é o último desses estágios?
 
-Não, os responsáveis ​​pelo golpe estão preparando outros … Mas antes de falar sobre isso, deixe-me explicar o o que essa fase no TRF-4 terá. O objetivo deste processo, sem qualquer apoio, sem evidência, totalmente inconsistente, é prevenir a candidatura de Lula. É por isso que ele está convocando uma audiência em uma data incomum, como 24 de janeiro, quando essas atividades não ocorrem no Judiciário. Eles estão tentando acelerar, pensando nas eleições de outubro, e é por isso que o período entre a publicação da sentença de Moro (em julho) e essa revisão foi encurtado. Os golpistas enfrentam uma verdadeira encruzilhada: eles precisam ganhar em outubro para dar legitimidade ao seu projeto político, mas não podem fazê-lo porque esse projeto possui uma grande pedra insuperável. Essa pedra chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. Em todos os levantamentos, aparece como o favorito, com 40%. Ele tem mais do dobro do seu principal concorrente (o jubilado militar Jair Bolsonaro) e está crescendo. Já existem sondas que o projetam como vencedor até o primeiro turno. É apontador em todas as faixas etárias e em todas as regiões do país. Na quarta-feira, eles tentarão derrubar essa pedra, e eles não conseguirão (…) Seria melhor se eles entendessem que Lula representa o povo brasileiro e que ele está determinado a avançar. Ele já disse que morto ou vivo, absolvido ou condenado, preso ou libertado, ele irá contestar as eleições.
 
– Provavelmente seria condenado. Você compartilha essa previsão?
 
– O que pode acontecer? Por um lado, os três juízes do TRF-4 podem decidir condená-lo, e se esse resultado fosse alcançado, isso agravaria a perseguição em uma nova fase de “lei” (guerra judicial), procurando destruí-la, usando instrumentos legais para atingir os objetivos políticos. Há também a hipótese da absolvição, uma hipótese muito difícil, mesmo porque um dos magistrados já se pronunciou implicando sua posição contra Lula (o instrutor do caso, João Pedro Gebran). Em suma, há toda uma gama de probabilidades, também a de um voto condenatório de 2 a 1. Quero dizer que não só para Lula, mas para o Brasil seria muito bom se o tribunal reconhecesse sua inocência. Seria bom para as instituições, principalmente para o Judiciário. Deve entender-se que a inocência de Lula não significaria automaticamente o seu triunfo nas eleições. As eleições são conquistadas com os votos e não com uma decisão judicial. Dois meses atrás eu estava na Argentina, com a presidente Cristina (Kirchner), e estamos falando de “lei”. Até onde sabemos, ela também é vítima de perseguição inquisitorial por meio de acusações judiciais. 
 
Este é um processo de alcance regional, também sofreu o presidente (Fernando) Lugo no Paraguai. Eu acredito que devemos ter uma posição muito clara diante disso, porque não podemos esquecer quantos latino-americanos caíram na luta contra as ditaduras, não podemos consentir que, através dessa “lei”, nossas democracias sejam corroídas.
 
– Se a sentença fosse por dois votos a favor, isso permitiria mais recursos.
 
– Compreendo que isso é assim, mas independente de qual for o resultado apresentaremos todos os possíveis apelos. Enquanto isso, Lula continuará visitando o país com suas caravanas (ele já fez três com muito sucesso no ano passado no interior do país), e continuaremos trabalhando com a agenda recém criada “Comités para a Defesa da Democracia”, que tiveram um resultado muito positivo. Nosso plano de mobilização não está esgotado em um ato. Nesta quarta-feira haverá um encontro importante [da caravana], mas estamos em mobilização permanente.
 
-Você destacar que podem determinar a prisão de Lula?
 
– Eles não são loucos … Eles são conservadores, reacionários, repressivos, mas não correrão risco de encarcerar Lula para transformá-lo em herói. Além disso, com que justificação irão detê-lo? Eles não podem afirmar que têm dificuldade em encontrá-lo porque ele é um homem público. Parece-me que para eles seria muito difícil detê-lo, já que a eventual decisão na quarta-feira não esgotará os casos de recurso. Realmente descarto essa possibilidade.
 
– O PT trabalha com um Plano B [na eleição] diante da hipótese de que Lula não se apresentar?
 
– Não temos o Plano B. O que temos é o Plano Lula, não há outro candidato, isso significa que vamos mantê-lo independente da acusação. Essa decisão política é irreversível, é a resposta para os conspiradores golpistas que querem tirá-lo de qualquer forma das eleições. E eles estabeleceram uma armadilha induzindo-nos a escolher um candidato alternativo em caso de convicção. Se nós, o PT, escolhemos um candidato B, estaríamos legitimando que Lula pode ser removido da campanha … Nós não endossaremos seu jogo sujo …!
 
– Algo parecido aconteceu em seu último ano de governo, quando eles pediram a sua renúncia.
 
– Essa analogia é apropriada, porque quando eles me pediram para renunciar à Presidência, o que eles estavam procurando era facilitar o caminho para o impeachment. Não aceitamos deixar o governo apesar das fortes pressões que sofremos. Então, quando entenderam que não iria renunciar, eles recomendaram que não fossemos ao Senado para fazer nossa defesa final. Eles disseram que minha presença no Congresso seria terrível … A verdade é que eles não queriam que denunciássemos o golpe. Finalmente fui ao Senado e denunciei.
 
– Você compararia essas mobilizações com aqueles que exigiam eleições diretas já nos últimos anos da ditadura?
 
– De alguma forma, sim, mas não bem, porque na luta por eleições diretas, que de fato foi a bandeira principal durante a transição para a democracia, em um momento em que tudo tinha que ser reconstruído, começou do zero. Naquela época, não tivemos um legado para apresentar às pessoas (…) Diferente do que acontece agora, quando temos o legado deixado pelos nossos governos …
 
Salvador da pátria
 
Ontem o ex-presidente Fernando Collor de Mello anunciou sua pré-candidatura, postulando-se como uma oferta “de centro”, depois de vários que até agora não prosperaram. Em 1989, Collor derrotou Lula na segunda rodada, depois de ser fabricado como candidato pela rede Globo, que o apresentou como uma espécie de “salvador da pátria”. Nos últimos meses, essa mesma empresa de notícias e entretenimento tentou nomear um animador de um programa juvenil, Luciano Huck, uma proposta que finalmente naufragou. Também se apresentou como presidenciável o empresário e ex-apresentador de reality show João Doria, atual prefeito de São Paulo, mas também não conseguiu arrebatar intenções de votos de Lula.
 
Dilma Rousseff falou sobre os riscos que envolvem tais pessoas de fora da política, dentre os quais incluiu, implicitamente, o militar deputado e aposentado Jair Bolsonaro, que se consolidou como o segundo candidato com maior aprovação, registrando entre 15 e 18 pontos de intenção de voto.
 
– No Brasil, você pode sugerir outro “salvador da pátria”?
 
– É algo a que devemos estar atentos. Devemos considerar uma série de circunstâncias estruturais que estão ocorrendo, como a financeirização acelerada, que é realmente o verdadeiro rosto do neoliberalismo, que consiste no primado das atividades financeiras sobre produtivas. Há uma drenagem de recursos que leva a uma brutal concentração de riqueza e renda, e com eles um agravamento das desigualdades, aumento do desemprego, criando um ambiente onde os que justificam a mitigação da democracia surgem. É dessa forma que se facilita a a aparição de “salvadores da pátria”, defensores de posições intolerantes e de restrições às liberdades. São personagens como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
 
– Você falou antes das futuras fases do golpe. O que eles seriam?
 
– Bem … O que está em andamento agora é impedir a candidatura de Lula, que seria invencível para eles. Outra é a consolidação da regressão que será herdada do golpe, como o congelamento de vinte anos de gastos públicos aprovados como uma reforma constitucional logo após o impeachment.
 
Seu objetivo é dar continuidade à agenda atual, a de retirar o Estado como indutor do crescimento econômico e como agente que trabalha para reduzir as desigualdades, isto é, um Estado mínimo, com redução praticamente zero dos investimentos, juntamente com a redução de soberania e abertura indiscriminada. Eles estão vendendo o país através da entrega da Petrobras, que já vendeu vários campos, ao tentar vender a Eletrobras e estão acabando com os investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é o banco estatal responsável por financiamento de longo prazo. Muitas vezes não se conhece fora do Brasil a magnitude de BNDES, que tem um portfólio de investimentos semelhante ao Banco Mundial. O que eles estão fazendo com os Bndes é outra demonstração da posição servil diante do capital internacional. Mas esse projeto é inviável, é ingovernável para o país.
Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Recado?

    Se, como disse o Deputado Wadih Damous, a humilhação a qual foi submetido o ex-governador Sérgio Cabral foi um recado para Lula, tenho a impressão que o tiro poderá sair pela culatra.

    Imaginem a repercussão internacional de uma foto semelhante na qual no lugar de Cabral quem aparece é o Lula. 

    Sustentar toda a farsa do golpe por muito mais tempo somente será possível por um endurecimento a níveis pouco vistos nos últimos tempos.

    Acho que os golpistas imaginam que basta impor o choque e pavor (“shock & awe”) em nível nacional para se sustentarem no poder. Acredito que as coisas não se passarão assim tão fáceis.  Internacionalmente os golpistas não terão sossego. Mesmo o governo norte-americano, talvez originalmente na origem do golpe, tal como em 1964, terá dificuldades em sustentar publicamente seus prepostos. Talvez, inicialmente, ainda durante a administração Trump, não tenham escrúpulos em assumir seu apoio. Mas depois o escândalo será muito difícil de abafar.

    Algo tal como ocorreu com a subida de Jimmy Carter ao poder. E o governo Trump já tem data para terminar.

    Entretanto, os tempos hoje são diferentes. Tanto que os métodos golpistas também são. O golpe, hoje, independe do governo a ser eleito em 2018. O estado policial que presenciamos não é sustentado pelo atual governo fraco de Temer. Este quase caiu, em maio deste ano e também é refém das falanges golpistas. O golpe não se encerrará se Lula, o PT ou a esquerda vencerem as eleições.

    Os golpistas responsáveis pelo estado policial e que hoje detêm o poder encontram-se, supostamente, protegidos nas sombras das togas. Mas estas também se encontram esgarçadas.

    Se forem inteligentes não cometerão o erro de publicamente expor Lula a fotografias e a situações humilhantes.

    Com ou sem a humilhação pública de Lula, a história não terminará com uma condenação ou eventual prisão de Lula. O mais provável é que ela esteja apenas começando.

    A previsão é a de que teremos tempos muito instáveis pela frente.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador