Pescadoras e pescadores levam desespero da fome à Assembleia Legislativa e ao Palácio do Governo

A categoria, que há décadas luta por direitos, está no limite da fome e da espera

Pescadoras e pescadores levam desespero da fome à Assembleia Legislativa e ao Palácio do Governo. | Foto: Raíssa Ebrahim/MZ Conteúdo

do Marco Zero Conteúdo 

Pescadoras e pescadores levam desespero da fome à Assembleia Legislativa e ao Palácio do Governo

por Raíssa Ebrahim

“Ninguém quer comprar nosso pescado, como sobreviveremos?”, questiona a faixa do Movimento dos Pescadores. O pior é que, sem ter o que comer, porque não há renda, as famílias que foram expostas ao petróleo continuam se alimentando do que pescam num cenário de insegurança alimentar sem que haja sequer um monitoramento de saúde pública coletiva.

“Não estamos vendendo nada. Já está faltando pão na mesa e estamos consumindo peixe, marisco e crustáceo que sabemos que estão envenenados, mas não vamos passar fome. Não estamos aqui pedindo favor, não somos coitadinhas nem coitadinhos. Pedimos direitos. Vamos fazer esse governo ver que o povo unido jamais será vencido”, comentou Joana Mousinho, de Itapissuma, representando a Articulação Nacional das Pescadoras.

Entre a pauta de reivindicação (veja a lista completa mais abaixo), ela exigiu respostas para duas perguntas essenciais: por que o governo estadual não decretou situação de emergência e por que pescadoras e pescadores não foram chamados para compor o Comitê de Crise do Litoral de Pernambuco. “Nós queremos as respostas da Secretaria de Meio Ambiente porque o que vemos aqui são os governos federal e estadual omissos”, questionou Joana.

O jogo de empurra do Governo do Estado

O secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, José Bertotti, não compareceu à audiência porque, segundo sua assessoria de imprensa, o convite chegou muito em cima da hora, na segunda (2) pela manhã. Quem representou a pasta foi a secretária-executiva, Inamara Melo. Ela alegou que a decretação de emergência foi amplamente discutida, assim como os impactos econômicos e as repercussões da medida, e disse que não havia segurança da chegada de recursos caso a emergência fosse decretada. “Toda a cadeia seria impactada e quem iria sofrer seriam os que têm menos dinheiro”, argumentou.

A defesa do executivo estadual foi dizer que cobrou a ativação do Plano Nacional de Contingência desde o início, que vem alertando o governo federal sobre a insuficiência do auxílio anunciado e já dialogou com representantes no Congresso para acelerar emendas à MP. Segundo Inamara, o Governo de Pernambuco já tem em mãos um cadastro de cerca de 11 mil pescadoras e pescadores, feito por colônias e associações. A fala de Inamara foi duramente criticada, inclusive com o argumento, por parte de pescadoras e pescadores, de que o lobby do turismo falou mais alto.

“Independente se o governo vai ou não decretar situação de emergência para afetar a economia pesqueira, ela já está afetada, ela estagnou, está bloqueada e afetada diretamente pelo vazamento do petróleo”, explicou o professor e pesquisador do Departamento de Sociologia da UFPE Cristiano Ramalho. “A economia parou em muitos municípios, então não é uma justificativa plausível do ponto de vista científico”, retrucou. Cristiano apresentou números que comprovam a situação, com base num estudo realizado entre 24 de outubro e 16 de novembro.

4 de outubro e 16 de novembro.

Os dados mostram que a economia pesqueira parou, em áreas atingidas ou não, especialmente para produtos como marisco, sururu, ostra e caranguejo. O impacto foi de, no mínimo, 90% no período levantado. Famílias deixaram de ir para a maré e até produtos pescados em alto mar sofreram impacto de mais de 70%. Nem a venda do salmão, importado do Chile, escapou, teve queda entre 50% e 60%.

Recentemente uma pesquisa feita na Ilha de Deus, um dos 10 territórios pesqueiros do Recife, mostrou que somente lá a pesca movimenta por ano R$ 2,4 milhões. “Se isso não é um dado importante para a economia, então eu não sei o que é importante. Ninguém vai para Porto de Galinhas comer uma picanha ou para Itapissuma comer um churrasco. A economia da pesca move outros setores, incluindo hotelaria, turismo e comércio informal”, ironizou Rodrigo Lima, biólogo da Ação Comunitária Caranguejo Uçá, da Ilha de Deus.

Pescadoras e pescadores exigem respostas concretas
Coletiva de imprensa para anunciar primeiros resultados das análises de pescados de Pernambuco (crédito: Edilson Júnior/SDA)

Mobilizada em busca de respostas concretas, o movimento pesqueiro marchou até o Palácio do Campo das Princesas ao final da audiência para entregar a pauta de reivindicações e ser atendida na busca de soluções. O mandato coletivo das Juntas (Psol), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Alepe, junto com uma comissão de pescadoras e pescadores foram recebidas pelo secretário-executivo da Casa Civil, Eduardo Figueiredo, o assessor da pasta Antônio Limeira e o secretário-executivo de Desenvolvimento Agrário, Diego Pessoa.

Numa reunião difícil e sem avanços, em que a postura estadual seguiu responsabilizando o Governo Federal, foram entregues a relatoria e as pautas da categoria. Uma nova reunião ficou agendada para o dia 12 de dezembro na esperança de que o governo apresente respostas concretas para cada item pedido.

Confira a pauta completa:

  • Decretar situação de emergência com base nos riscos ambientais, econômicos e à saúde ocupacional e à segurança alimentar de centenas de pescadores e pescadoras artesanais do Pernambuco, bem como dos consumidores do pescado;
  • Adotar medidas urgentes no âmbito da saúde dos pescadores e marisqueiras, além de voluntários e crianças que entraram em contato com o Petróleo;
  • Adotar medidas de monitoramento e ações de reparação dos impactos socioambientais;
  • Mensurar, a partir das competências estabelecidas para o Comitê Gestor da Pesca Artesanal – CGPesca – SEMAS/PE, os impactos econômicos do incidente de derramamento de Petróleo na cadeia produtiva da pesca artesanal do estado de Pernambuco;
  • Mensurar ainda, em nível de CGPesca, os impactos socioeconômicos nas atividades de comercialização de pescados das comunidade pesqueiras nos municípios que não receberam diretamente o petróleo;
  • Estabelecer benefício emergencial ante a situação de vulnerabilidade econômica vivenciada pelos pescadores e pescadoras artesanais após o derramamento de petróleo, especialmente as mulheres pescadoras e os/as jovens que tem na pesca sua principal atividade produtiva, posto que grande parte destes não são beneficiários da recente medida adotada pelo Governo Federal através da MP 908/2019 ;
  • Criar e garantir funcionamento do Comitê Permanente de Monitoramento e Ações Estratégica para enfrentamento dos riscos decorrentes do Derramamento de Petróleo no Estado do Pernambuco ;
  • Garantir a participação dos pescadores e pescadoras artesanais no Comitê de Crise do Litoral do Pernambuco para a questão do derramamento do petróleo, bem como em todos os Comitês que tratem da questão no âmbito do Estado do Pernambuco.
Resultado da análise de pescados e frutos do mar

O Governo de Pernambuco, por meio do secretário de Desenvolvimento Agrário, Dilson Peixoto, divulgou hoje os primeiros resultados das análises de pescados e frutos do mar feitas numa parceria com a UFRPE e a PUC Rio. Duas espécies de peixes apresentaram níveis de toxicidade equivalente em benzo[a]pireno superiores aos determinados pela Anvisa: uma amostra de xaréu e uma amostra de sapuruna, ambas coletadas nas proximidades da Ilha de Itamaracá.

Até o momento, foram analisadas 55 amostras das 94 enviadas contemplando 13 espécies de peixes, duas espécies de camarão, além de mariscos, ostras e sururus. Os peixes vieram de cinco localidades do litoral do estado: Cabo de Santo Agostinho, Canal de Santa Cruz, Ilha de Itamaracá, Sirinhaém e Tamandaré.

Na avaliação do agente pastoral Severino Santos Bill, é preciso ainda aguardar o restante das análises de outros tipos de peixes, de siris e caranguejos. As duas espécies de peixes reprovadas são de baixo poder comercial e andam em grandes cardumes. Além disso, a maior parte dos peixes divulgados nessa primeira leva são de hábitos em mar aberto, e não em áreas estuarinas e de recifes, a exemplo do budião, muito consumido por comunidades pesqueiras entre Sirinhaém e São José da Coroa Grande.

Segundo a professora do Departamento de Biologia da UFRPE, Karine Magalhães, que vem coordenando a equipe técnica do grupo de trabalho, serão realizadas novas coletas nas proximidades da Ilha de Itamaracá, local onde foram pescadas as espécies reprovadas. “Como essas áreas apresentavam manchas visíveis de óleo na época da coleta, essa contaminação pode ter sido pontual. Nesse caso, a indicação é voltar a essas localidades, coletar novas amostras para realizar novas análises e avaliar a evolução do quadro”, destacou em nota enviada pela secretaria.

Atualização

A Secretaria de Desenvolvimento Agrário enviou uma nota de esclarecimento nesta quarta (4) em que diz não haver “qualquer relação entre a declaração de estado de emergência e o pagamento de auxílios pecuniários aos pescadores e pescadoras prejudicados pela crise do óleo”. Como exemplo, cita os Estados da Bahia e de Sergipe, onde o estado de emergência foi decretado, mas a situação dos pescadores é a mesma de Pernambuco.

Confira a nota na íntegra:

A Secretaria de Desenvolvimento Agrário de Estado esclarece que não há qualquer relação entre a declaração de estado de emergência e o pagamento de auxílios pecuniários aos pescadores e pescadoras prejudicados pela crise do óleo. Tanto que nos Estados da Bahia e Sergipe, onde o estado de emergência foi decretado, a situação dos pescadores é a mesma que em Pernambuco.

 Segundo a legislação vigente, toda a regulamentação da atividade pesqueira é atribuição exclusiva da União e, em casos de acidente, o que rege as ações emergenciais a serem adotadas é o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas (PNC), cujo acionamento é, igualmente, de responsabilidade exclusiva do Governo Federal.

Entre as ações previstas no PNC, estão desde ações de controle e mitigação dos danos ao Meio Ambiente ao pagamento de auxílios aos pescadores, segundo descritos nos parágrafos primeiro e segundo do Artigo 27 do PNC:

“§ 1º Os custos referentes à requisição dos bens e serviços a que se refere o caput, apurados pelo Coordenador Operacional, serão ressarcidos integralmente pelo poluidor.”

“§ 2º Enquanto não identificado o poluidor, os custos relativos às atividades de resposta e mitigação serão cobertos pelo Poder Executivo Federal.”

Mesmo com o Plano Nacional de Contingência determinando a responsabilidade objetiva do Governo Federal, o Governo de Pernambuco vem trabalhando desde o início dessa crise para minimizar os efeitos do desastre ambiental que atingiu o Estado, assumindo ações importantes como:

 1 – A destinação adequada das mais de quatro toneladas de óleo recolhidas nas praias

 2 – Sobrevoos diários para localização das manchas de óleo

 3 – Utilização de embarcações para recolhimento do óleo ainda em alto-mar

 4 – Distribuição de EPIs e apoio às Defesas Civis municipais

 5 – Análise da qualidade da água das praias atingidas

 6 – Análise da segurança alimentar dos pescados do nosso litoral

 7 – Criação de um edital, no valor de R$ 2,4 milhões, para financiar estudos a respeito dos efeitos da contaminação do óleo a curto, médio e longo prazos

 8 – Solicitação formal ao Ministério da Agricultura para ações de amparo aos pescadores prejudicados

 9 – Apoio à ação parlamentar para que o cadastro dos beneficiados pelo Auxílio Emergencial Pecuniário seja ampliado

 10 – Instalação de barreiras na entrada dos estuários e rios para impedir a entrada das manchas de óleo

 Além da participação nas ações na força-tarefa federal para acompanhamento e monitoramento da crise provocada pelo derramamento de óleo

Marco Zero Conteúdo ouviu o Conselho Pastoral dos Pescadores para saber qual a avaliação que fazem sobre a nota. Severino Bill contesta dizendo que “o secretário esqueceu da existência da Politica Estadual da Pesca Artesanal (Lei 15590/2015), quando o estado toma para si a responsabilidade de fazer a gestão, promovendo o ordenamento, o fomento e a fiscalização da pesca artesanal, com o objetivo de alcançar, de forma sustentável, o desenvolvimento socioeconômico, cultural e profissional dos que a exercem, de suas comunidades tradicionais, bem como a conservação e a recuperação dos ecossistemas aquáticos”. E questiona: “Onde fica o papel do Estado neste momento atual, diante da política estadual da pesca artesanal versus o derramamento de petróleo?”

Redação

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