Pesquisa no Mato Grosso revela impacto do uso de agrotóxicos

Do Sul 21

Água, ar e leite materno contaminado: pesquisa no MT expõe impacto dos agrotóxicos

Marco Weissheimer

As pesquisas sobre o impacto do uso dos agrotóxicos no Brasil ainda são insuficientes para retratar a dimensão de problemas de saúde e ambientais que já são graves e podem piorar ainda mais nos próximos anos. Em março de 2015, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), publicou um artigo que sistematizou pesquisas sobre o potencial cancerígeno de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos realizadas por uma equipe de pesquisadores de 11 países, incluindo o Brasil. Baseada nestas pesquisas, a agência classificou o herbicida glifosato e os inseticidas malationa e diazinona como prováveis agentes carcinogênicos para humanos e os inseticidas tetraclorvinfos e parationa como possíveis agentes carcinogênicos para humanos. Destes, a malationa, a diazinona e o glifosato são amplamente usados no Brasil. Herbicida de amplo espectro, o glifosato é o produto mais usado nas lavouras do Brasil, especialmente em áreas plantadas com soja transgênica.

A partir do levantamento publicado pela Iarc, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) divulgou uma nota oficial este ano chamando a atenção para os riscos que a exposição ao glifosato e a outras substâncias representam para a saúde dos brasileiros. Dentre os efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos, o Inca cita, além do câncer, infertilidade, impotência, abortos, malformações fetais, neurotoxicidade, desregulação hormonal e efeitos sobre o sistema imunológico. O Inca e a Organização Mundial da Saúde estimam que, nos próximos cinco anos, o câncer deve ser a principal causa de mortes no Brasil.

Um monitoramento durante 7 anos em Lucas do Rio Verde

Defensores do uso dos agrotóxicos costumam citar a falta de comprovação científica desses danos. Se é verdade que as pesquisas no Brasil sobre esse tema ainda estão engatinhando, também é verdade que já há estudos localizados que fornecem fortes indícios sobre os riscos e doenças causadas pela contaminação com esses produtos. Uma das mais importantes e rica em dados foi realizada por pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que, entre 2007 a 2014, fizeram um trabalho de monitoramento no município de Lucas do Rio Verde (MT) para avaliar o impacto dos agrotóxicos sobre a saúde humana e o meio ambiente.

Em conjunto com professores e alunos de quatro escolas, localizadas nas áreas urbana e rural, eles avaliaram componentes ambientais, humanos, animais e epidemiológicos relacionados aos riscos dos agrotóxicos. Município com mais de 37 mil habitantes, Lucas do Rio Verde produziu, em 2012, cerca de 420 mil hectares entre soja, milho e algodão e consumiu 5,1 milhões de litros de agrotóxicos, entre herbicidas, inseticidas e fungicidas, nessas lavouras.

Os dados coletados e analisados pelos pesquisadores apontaram uma série de irregularidades e fortes indícios de contaminação humana e ambiental causada pelo uso desenfreado de agrotóxicos. Somente durante o ano de 2010, foi constatada a exposição ambiental/ocupacional/alimentar de 136 litros de agrotóxicos por habitante. Os pesquisadores também registraram pulverizações de agrotóxicos por avião e trator realizadas a menos de 10 metros de fontes de água potável, córregos, de criação de animais e de residências, desrespeitando legislação estadual sobre pulverização aérea e terrestre. Foi verificada ainda a contaminação de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em 83% dos 12 poços de água potável (nas escolas e na cidade), contaminação de 56% das amostras de chuva recolhidas no pátio das escolas e de 25% das amostras de ar, também nos pátios das escolas. Essas amostras foram monitoradas durante dois anos.

Contaminação de 100% das amostras de leite materno

O monitoramento realizado pelos pesquisadores da UFMT e da Fiocruz também apontou a presença de resíduos de vários tipos de agrotóxicos em 88% das amostras de sangue e urina dos professores daquelas escolas. Os níveis de resíduos nos professores que moravam e atuavam na zona rural foi o dobro do verificado nos professores que moravam e atuavam na zona urbana de Lucas do Rio Verde. Além disso, foi constatada a contaminação com resíduos de agrotóxicos (DDE, Endosulfan, Deltametrina e DDT) de 100% das amostras de leite materno de 62 mães que pariram e amamentaram em Lucas do Rio Verde no ano de 2010. Os pesquisadores também encontraram resíduos de vários tipos de agrotóxicos em sedimentos de duas lagoas examinadas.

Segundo o médico Wanderley Pignati, um dos pesquisadores que coordenou o estudo, a realidade que se vê em praticamente todos os 131 municípios de Mato Grosso é a mesma: uma grande infraestrutura logística para garantir a “saúde do agronegócio” e uma estrutura absolutamente deficitária, quando não simplesmente ausente, para monitorar o impacto do uso intensivo de agroquímicos sobre a saúde da população e o meio ambiente. A pesquisa realizada em Lucas do Rio Verde constatou que não estava implantada nos serviços de saúde do município a vigilância em saúde dos trabalhadores e nem a das populações expostas aos agrotóxicos. “Na agricultura, a vigilância se resumia ao uso ‘correto’ de agrotóxicos e ao recolhimento de embalagens vazias sem questionar onde foram parar seus conteúdos”, afirma o resumo executivo do grupo que realizou o monitoramento.

As recomendações dos pesquisadores

Na avaliação de Pignati, o estudo deixou claro que a população do interior de Mato Grosso convive com a poluição por agrotóxicos que provoca doenças e danos ambientais como ocorre na poluição da bacia do Amazonas e do Araguaia, semelhante àquela constatada no Pantanal. Os pesquisadores denunciaram ainda que lideranças sociais, sindicalistas e pesquisadores foram e são “pressionados” por gestores públicos e pelo agronegócio para recuarem com as denúncias e ações no Ministério Público. Além disso, sugeriram um conjunto de medidas urgentes em defesa da saúde da população e do meio ambiente: proibição das pulverizações por avião; proibição do uso no Brasil dos agrotóxicos proibidos na União Europeia; fim dos subsídios a esses venenos; implantação nos municípios dos serviços de vigilância à saúde dos trabalhadores, do ambiente, dos alimentos e dos expostos aos agrotóxicos; implementar a transição para o modelo Agroecológico de agricultura e do Desenvolvimento Sustentável de Vida.

As pesquisas desenvolvidas na UFMT serviram de base também para o movimento popular que denunciou a “chuva” de agrotóxicos que ocorreu sobre a zona urbana de Lucas do Rio Verde. Em 2006 quando os fazendeiros dessecavam soja transgênica para a colheita, utilizando paraquat em pulverizações aéreas, uma nuvem tóxica foi levada pelo vento para a cidade e acabou dessecando milhares de plantas ornamentais, canteiros de plantas medicinais e de hortaliças. Além disso, essa nuvem de veneno provocou um surto de intoxicações agudas em crianças e idosos.

 

As pesquisas de Wanderley Pignati, em parceria com a Fiocruz, serviram como base do documentário “Nuvens de Veneno” (na íntegra, acima), que retrata a realidade vivida pela população que vive no interior do Mato Grosso. O documentário exige algumas das conclusões desse estudo e mostra como a aplicação de agrotóxicos por via aérea ou terrestre atinge, não só as lavouras, mas também casas, escolas e fontes de água que são utilizadas depois para abastecer a população. Para Pignati, os números obtidos neste estudo mostram que o uso dos agrotóxicos na cadeia produtiva do agronegócio contamina a lavoura, o produto, o ambiente, os trabalhadores rurais e a população do entorno. O professor da UFMT segue pesquisando esse tema e está envolvido agora em dois grandes projetos: um que está analisando a presença de resíduos de agrotóxicos nas nascentes do rio Xingú, e outro que investiga a contaminação por agrotóxicos na Chapada de Parecis. A partir destas pesquisas, ficará mais difícil decisões judiciais alegarem ausência de pesquisas e de comprovação científica para embasar posições liberando o uso de agrotóxicos.

 
Redação

6 Comentários

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  1. Uma situação e constetação

    Uma situação e constetação que será acorbertada pelo orgão público e privado por muito tempo ainda. Pois se de um lado é sabido esta situação da utilização do agrotoxico, do outro lado o governo e o agronegócio comemora o crescimento da safra agrícola ano após ano.O NEGÓCIO E O LUCRO FALAM MAIS ALTO. 

  2. Responsabilidade e punição exemplar..
    Conclua-se os estudos, crimibalize-se e punam exemplarmente nos tribunais internacionais, a Monsanto, a Bayer, a Du Pont, a Novartis, a Bunge e etc…
    Não perder tempo no Brasil, porque por aqui, a justiça é cega só pro lado mais fraco!

  3. Quatro anos atrás passei pela

    Quatro anos atrás passei pela estrada que ligava MT ( pela Chapada dos Guimarães) sentido Goiás – de pista simples e estava sendo pulverizada a soja por via aérea. PQP. Irrespirável toda a Serra.

     

  4. O veneno esta na mesa

    O video anexo ao post é ainda mais assustador. A gente ja esta consciente ha algumas décadas de que todo esse veneno usado nas plantações não é inocuo. Agora para suplantar esse estado de coisas, so quando governantes tomarem a decisão de proibir a maioria desses venenos usados hoje. E a pulverização leva esse veneno também para a agua, para o ar e para a pequena cultura sem agro-toxicos. Estamos todos envenenados.

  5. O Brasil tem a terceira maior área agrícola do mundo. . .

    O Brasil tem a terceira maior área agrícola do mundo, em primeiro lugar vem os Estados Unidos, em segundo a China, mas somos o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. É fato sabido que principalmente no tocante ao uso de inseticidas usamos muito mais do que seria recomendado. O ideal seria que os agricultores usassem a técnica  chamada de MIP (Manejo Integrado  de Pragas), que possibilita uma redução muito grande do uso desse tipo de agrotóxico. No Paraná produtores de soja que usaram essa técnica com orientação da EMATER conseguiram reduzir pela metade o número de aplicações de inseticidas, com economia de custos, sem redução da produtividade e ganhos para o meio ambiente. Mas infelizmente essa técnica não tem a mesma força da propaganda das multinacionais de produtos químicos agrícolas.

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