Qual a identidade entre os países do BRICS?

Os países do BRICS acabam de oficializar o seu novo Banco de Desenvolvimento, galgando mais um degrau importante no processo de institucionalização do Bloco.

Antiga pergunta volta a ser formulada. Quais são as identidades destes países que permitiriam fazer do BRICS uma realidade e não uma fantasia política?

A mesma pergunta era feita à época em que os países do terceiro mundo se articulavam no cenário mundial. Penso que o Bloco BRICS é uma continuação daquele movimento e por isto mesmo as questões colocadas continuam as mesmas.

O movimento terceiromundista se caracterizava por colocar lado a lado dezenas de países subdesenvolvidos ou em vias de crescimento, em luta contra os países capitalistas centrais (USA, Europa e Japão) que colocavam obstáculos ao seu desenvolvimento e consequente independência política. Eram países que não eram convidados para se sentarem à mesa do banquete. Deveriam se resignar com seu papel subalterno e com os restos do banquete tratarem de fazer sua própria festa.

Com o fim da Guerra Fria, grande justificativa para manter uma economia baseada em grandes orçamentos de guerra, e à medida que estes países centrais entraram em um processo de perda de dinamismo econômico e de influência política no cenário mundial, vários países periféricos puderam tomar um atalho para o seu desenvolvimento independente. Entre eles destacam-se exatamente os atuais membros do BRICS. Este processo de independência foi acelerado com a recente crise financeira.

Na última década, grandes esforços permitiram que este países superassem, ou resolvessem parcialmente e em graus diferentes, seus problemas. Contudo não está garantido que este processo de desenvolvimento possa continuar e eles possam vir a se sentar à mesa do banquete. A consolidação do Bloco do BRICS, neste aspecto ocupa papel importante.

O que mais confere identidade aos integrantes do BRICS são sua História recente, seus problemas sociais, econômicos e políticos. Com exceção da Rússia, todos possuem um alto grau de desigualdade social e precisam, para criarem uma sociedade democrática estável, incluir no mercado de trabalho e de consumo milhões de cidadãos. Ao mesmo tempo, suas carências tecnológicas, ao criarem assimetrias nas trocas comerciais, dificultam seu processo de desenvolvimento e integração ao clube dos países ricos, que não estão dispostos a fornecerem facilmente esta tecnologia.

A China, como o carro chefe do Bloco, poderia ou poderá ser tentada com uma cooptação, mas ela própria tem suas dúvidas sobre se valeria a pena aceitar, pois para isto haveriam exigências que colocariam em risco sua própria identidade e unidade como país. Apesar do grande avanço econômico obtido nos últimos anos, a China ainda tem cerca de 800 milhões de habitantes, mais da metade de sua população, fora do mercado formal de consumo conhecido como classe média. Qualquer afrouxamento das regras econômicas, políticas e sociais aplicadas atualmente, poderá mergulhar este país numa imensa convulsão social, o que , em muitas regiões tomaria a forma de fortes movimentos pela independência (Tibet, Xinxiang, Mongolia Interior, Taiwan, Hong Kong, entre outros).

A Rússia, apesar de não apresentar problemas sérios de desigualdade social e haver atingido um avançado grau de desenvolvimento tecnológico, também enfrenta o desafio de construir uma sociedade democrática estável. Ela tem como principal problema o seu isolamento político no cenário internacional. Tendo saído de um Estado fortemente centralizado, este país vem sendo permanentemente ameaçado por movimentos separatistas e por seus antigos rivais da Guerra Fria. Este isolamento foi severamente acrescido nos últimos anos devido às sanções econômicas a que foi submetido. Para a Rússia, o Bloco dos BRICS funciona como um canal de respiração vital e sua participação tem interesse eminentemente estratégico, na medida que lhe permitirá a transição para uma sociedade democrática, dentro de seu ritmo e respeitando seus condicionantes internos.

Como continuação do movimento terceiromundista, o BRICS terá um papel relevante de garantista dos processos democráticos, permitindo que outros países tenham seus próprios processos e ritmos de crescimento, sem as imposições políticas, econômicas e ideológicas aplicadas pelos países capitalistas centrais.

A consolidação do BRICS como um Bloco Internacional é claramente um desafio e uma dificuldade para os países centrais, principalmente sua potência dominante, os Estados Unidos. Estes estão atentos aos movimentos neste tabuleiro mundial, e começaram a mudar seus lances. Isto pode ser observado em sua recente posição perante Cuba e sua reiterada disposição em trazer o Brasil para mais perto de sua influência.

As trocas e parcerias comerciais internas ao Bloco podem não ser uma solução econômica definitiva e auto suficiente, mas representam um importante apoio mútuo para o desenvolvimento na medida que sejam trocas não submetidas a condicionantes ideológicos.

Não interessa ao Brasil e a nenhum dos membros do BRICS recusar relações com os países capitalistas centrais, mas usá-las em favor de seus objetivos estratégicos nacionais, não permitindo o retorno à submissão do passado. Neste sentido o BRICS tem futuro garantido como um grupo capaz de afiançar seus membros no processo de inserção independente no cenário mundial. Mais do que isto, sendo formado por países que exercem claras lideranças continentais e regionais, o Bloco dos BRICS poderá ser um fiador do desenvolvimento pacífico, solidário, igual e combinado dos antigos países terceiromundistas, colocando um limite ao poder dos países capitalistas centrais.

Recentemente a mudança de governo na Índia representou um teste importante à consolidação do BRICS. Apesar das eleições terem provocado mudanças políticas internas, não houve mudanças em relação à inserção ao Bloco. As elites dominantes da Índia, um país recém liberto do Império Britânico, parece que foram capazes de compreender a importância do Bloco em seu processo de desenvolvimento independente.

O que se pergunta é se no Brasil também acontecerá o mesmo que na Índia. Qual a garantia que temos de que prováveis mudanças políticas internas não significarão um retorno à política de submissão e dependência que tanto mal nos causaram? Considerando as recentes atuações da presente oposição, parece que não estamos nada bem. Talvez o mais importante papel político neste momento, além do apoio ao atual governo contra os retrocessos, será trabalhar para a consolidação de uma oposição que defenda nossos interesses nacionais acima dos interesses dos grupos econômicos em luta.

Enfim, parece-me que a identidade entre os países do BRICS é o contraponto que fazem à identidade entre os países capitalistas ricos.

Redação

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