Star Trek, 49 anos produzindo sentidos

Não me passou despercebida a data de 08/09/2009, data em que foram comemorados os 49 anos do lançamento da série Star Trek (Jornada nas Estrelas). A série original estreou na NBC em 8 de setembro de 1966 e desde então tem conquistado uma legião de fãs, tendo dado origem a vários filmes e outras séries televisivas https://pt.wikipedia.org/wiki/Star_Trek.

Minha geração cresceu vendo referida série. Primeiro em preto e branco na primeira metade da década de 1970 e depois em cores. Não me considero um grande fã da série, mas adquiri a lata com a toda a série original assim que a mesma foi lançada em DVD. Ontem, em homenagem à data, escolhi um episódio ao acaso e o assisti para comemorar a data.

O episódio que revi foi Mirror Mirror (O reflexo no espelho) que foi ao ar em 06 de outubro de 1967. O mesmo pode ser encontrado facilmente na internet http://www.dailymotion.com/video/x27zlrg_jornada-nas-estrelas-serie-classica-t2e33-o-reflexo-no-espelho-dublado_shortfilms. Em razão de um fenômeno natural incomum o capitão Kirk, o doutor MacCoy, Uhura e Scotty são transportados para uma outra nave Enterprise que existe num universo paralelo e seus duplos deste mesmo universo paralelo são transportados para a verdadeira Enterprise. Os duplos são rapidamente identificados e presos. No universo paralelo os heróis conseguem dissimular e fazem o que é necessário para voltar ao seu próprio universo.

O universo paralelo é diametralmente oposto ao universo em que os verdadeiros capitão Kirk, doutor MacCoy, Uhura e Scotty existem. Um império que usa a violência para conquistar o que deseja ocupa o lugar da federação benevolente que negocia regras justas para ter acesso aos recursos energéticos do planeta dos halkans. Na Enterprise-paralela os oficiais não são promovidos por tempo de serviço e mérito e sim mediante assassinatos. Naquele universo dominado pela bestialidade e pelo crime o único tripulante da nave capaz de preservar alguma coerência é o vulcano Spock, que como seu duplo cultiva a lógica e procura se ater aos fatos.

Mirror Mirror demonstra como num universo a lógica de Spock é capaz de identificar, isolar e neutralizar a selvageria dos duplos bárbaros do capitão Kirk, doutor MacCoy, Uhura e Scotty assim como no universo paralelo ela é capaz de reconhecer o erro e trabalhar em favor da restauração da harmonia. Kirk sugere ao lógico Spock-paralelo que conquiste o comando da Enterprise no seu universo, dando a entender que onde a bestialidade é a regra o predomínio lógica pode ser uma virtude.

O capítulo contém algumas discrepâncias. A principal delas é a natureza descartável dos tripulantes subalternos, fato comum aos dois universos. Durante o episódio nenhum oficial da Enterprise-paralela é morto ao tentar eliminar Kirk. A separação entre os dois universos, portanto, não é absoluta. Há pontos de contato, pois a hierarquia que predomina em ambos. A piadinha no final do episódio é uma das melhores da série.

Apesar do fim da Guerra Fria, o episódio Mirror Mirror da série Star Trek ainda é capaz de despertar interesse e produzir sentidos. Os conflitos EUA x Rússia e EUA x China podem ser interpretados à luz deste episódio, mas hoje os EUA se parecem mais com o universo paralelo do que com o universo habitado pelos verdadeiros capitão Kirk, doutor MacCoy, Uhura e Scotty. O imperialismo irritante e violento dos norte-americanos é um fato tão evidente que nem precisa ser objeto de muita discussão.

Com base em mentiras repetidas à exaustão, Bush Jr. invadiu o Iraque e o Afeganistão causando centenas de milhares de vítimas. Obama usou a CIA para virar o Oriente Médio e o norte da África de pernas para o ar, fomentando terrorismo, golpes de estado, guerras civis e sofrimentos sem fim que agora produzem uma avalanche de refugiados na Europa. A bestialidade se tornou a regra da política externa dos EUA, país que tudo faz para ter acesso ao petróleo, para se apropriar da renda do petróleo e para vender armamentos aos seus amedrontados aliados no Oriente Médio. A federação benevolente norte-americana não existe e talvez nunca tenha existido.

Mirror Mirror também pode ser útil para entender a realidade brasileira neste momento de crise forjada por uma imprensa que pretende dominar a política nacional atacando diariamente o PT e protegendo descaradamente os mafiosos do PSDB denunciados pelo MPF. No imaginário dos barões da mídia e dos seus “canetas” só existe a realidade que eles criam. A mídia tudo faz para dividir o Brasil em dois grandes grupos: os que se beneficiam da produção e difusão de propaganda disfarçada de notícia e aqueles que consomem ingenuamente esta realidade paralela em que crime se torna virtude, em que o derrotado pode tomar posse e em que a soberania popular pode ser tripudiada mediante a disseminação do ódio e do anti-petismo. No limite, a imprensa parece desejar a construção de um Estado-paralelo comandado por bandidos que consigam se impor ao conjunto da população para eliminar política e fisicamente todos os líderes petistas e seus eleitores.

Neste momento a propaganda como realidade paralela procura transformar o entreguismo de José Serra em patriotismo, a desonestidade de Aloysio Nunes em fato irrelevante que não precisa ser noticiado e a incompetência de Geraldo Alckmin em virtude incontestável. As represas paulistas estão vazias, mas não faltará água. Em São Paulo tudo vai bem no pior dos mundos. E se houver desabastecimento (e um consequente tombo na economia) a culpa será da natureza, não dos tucanos que distribuíram os lucros da Sabesp na Bolsa de New York e deixaram de diversificar a captação de água e de aumentar os reservatórios que abastecem a capital sudestina nas duas últimas décadas. Todo espelho pode ser quebrado. A realidade existe e se impõe apesar do seu reflexo distorcido. Espelho espelho meu, quem é menos tucano e treker do que eu?