Um Sistema Imunológico Treinado Para Matar O Câncer

 

The New York Times

Publicado em: 12 de setembro de 2011
FILADÉLFIA – Há um ano atrás, quando a quimioterapia parou de funcionar contra sua leucemia, William Ludwig se inscreveu para ser o primeiro paciente tratado em uma arrojada experiência da Universidade da Pensilvânia. Ludwig, 65, um agente penitenciário aposentado de Bridgeton, NJ, sentiu que sua vida se acabava e pensou que não tinha nada a perder.
Os médicos removeram um bilhão de suas células T – um tipo de glóbulo branco que combate vírus e tumores – e enxertou-lhes novos genes que programariam as células para atacar seu câncer. Em seguida, as células alteradas foram gotejadas de volta nas veias de Ludwig.

No início, nada aconteceu. Mas depois de 10 dias, o desespero tomou conta do seu quarto de hospital. Ele começou a tremer com calafrios. Sua temperatura disparou para cima. Sua pressão arterial despencou. Ele tornou-se tão mal que os médicos o levaram para a UTI e alertaram que ele poderia morrer. Sua família se reuniu no hospital, temendo o pior. Algumas semanas mais tarde, as febres tinham ido embora. E junto foi-se a leucemia.

Não havia nenhum vestígio disso em qualquer lugar – nenhuma célula leucêmica no sangue ou na medula óssea, não mais linfonodos em sua tomografia computadorizada. Os médicos calcularam que o tratamento matara um pouco mais de um quilo de células cancerosas.

Um ano depois, Ludwig ainda está em remissão completa. Antes, havia dias em que ele mal conseguia sair da cama, agora, ele joga golfe e até limpa o quintal.

“Eu consegui minha vida de volta”, disse ele.

Os médicos não alegaram que ele esteja curado – é muito cedo para dizer isso – e também não declararam vitória sobre a leucemia com base nesta experiência, que envolveu apenas três pacientes. A pesquisa, dizem eles, tem um longo caminho a percorrer, o tratamento ainda é experimental, não está disponível fora dos laboratórios.

Mas os cientistas disseram que o tratamento que ajudou Ludwig, descrito recentemente em The New England Journal of Medicine e Science Translational Medicine, pode significar um marco na longa luta para desenvolver terapias genéticas eficazes contra o câncer. E não apenas para pacientes com leucemia: outros tipos de câncer também podem ser vulneráveis ​​a este novo avanço – que emprega o HIV-1 inativo, o vírus causador da Aids, para transportar até às células-T do paciente os genes que combatem o câncer . Em resumo, a equipe está usando a terapia genética para realizar algo que os pesquisadores esperam fazer há décadas: treinar o próprio sistema imunológico de uma pessoa para matar suas células cancerosas.

Dois outros pacientes foram submetidos ao tratamento experimental. Um teve uma recuperação parcial: sua doença diminuiu, mas não desapareceu completamente. Outro teve uma recuperação completa. Todos os três tiveram leucemia linfocítica crônica avançada e esgotaram a opção da quimioterapia. Geralmente, a única esperança de cura em tais casos é um transplante de medula óssea, mas esses pacientes não eram candidatos para isso.

O Dr. Carl June, que liderou a pesquisa e dirige a medicina translacional no Centro Abramson de Câncer da Universidade da Pensilvânia, disse que ele e seus colegas, o Dr. David L. Porter, Bruce Levine e Michael Kalos, ainda estão um pouco assustados com os resultados. Eles tinham esperança de ver algum benefício, mas não ousavam sonhar com a completa e prolongada recuperação. De fato, quando Ludwig começou a ter febres, os médicos não perceberam de início, que aquilo era um sinal de que as suas células T haviam se engajado em uma furiosa batalha contra seu câncer.

Outros especialistas na área disseram que os resultados foram um grande avanço.
“É um grande trabalho”, disse o Dr. Walter J. Urba da Providence Cancer Center e Earle A. Chiles Research Institute in Portland, Ore. Ele considera as recuperações dos pacientes marcantes, emocionantes e significativas. “Eu me sinto muito positivo sobre esta nova tecnologia. Conceitualmente, é muito, muito grande”.

Dr. Urba informou imaginar que tal progresso acabará sendo usado contra outros tipos de câncer, além da leucemia e linfoma. Mas advertiu: “Para os pacientes de hoje, ainda não chegamos lá”. E acrescentou a ressalva do costume científico: Para serem considerados válidos, os resultados devem ser repetidos em mais pacientes, e por outras equipes de pesquisas.

O Dr. Carl June chamou as técnicas utilizadas de “uma colheita das informações oriundas da revolução da biologia molecular ao longo das últimas duas décadas”.

Acertando na Mega Sena Acumulada da Genética.

Para fazer com que as células T procurem e destrua o câncer, os pesquisadores devem equipá-las para fazer várias tarefas: reconhecer o câncer, atacá-lo, multiplicar e viver dentro do paciente. Vários grupos de pesquisa têm tentado fazer isso, mas as células-T que engenharam não puderam realizar todas as tarefas. Como resultado, a capacidade das células em combater tumores, geralmente, tem sido temporário.

A equipe da Universidade da Pensilvânia parece ter atingido todas as metas de uma só vez. Dentro dos pacientes, as células-T modificadas pelos pesquisadores multiplicaram-se por 1.000  e depois por 10.000 o número infundido, eliminou o câncer e então gradualmente diminuiu, deixando uma população de células como “memória”, que se necessário, podem novamente proliferar rapidamente.

Os pesquisadores disseram que não tinham certeza de qual das partes de sua estratégia realizou o trabalho – técnicas especiais de cultivo das células, o uso do HIV-1 para carregar os novos genes até as células-T, ou as partes específicas do DNA que eles selecionaram para reprogramar as células-T.

O conceito de modificar as células T geneticamente foi, inicialmente, desenvolvido na década de 1980 pelo Dr. Zelig Eshhar no Instituto Weizmann de Ciência em Rehovot, Israel. Isso envolve a adição de seqüências de genes a partir de fontes diferentes para permitir que as células-T produzam o que os pesquisadores chamam de receptores quiméricos de antígeno, ou CARs – complexos de proteínas que transformam as células em, nas palavras do Dr. June, “Serial Killers”.

A doença de Ludwig, leucemia linfocítica crônica é câncer das células B, a parte do sistema imunológico que normalmente produz anticorpos para combater a infecção. Todas as células B, saudáveis ou leucêmicas, têm em sua superfície uma proteína chamada CD19. Para tratar pacientes com a doença, os pesquisadores esperavam reprogramar as células T para encontrar as CD19 e atacar as células B que as transportam.

Mas quais sequências de genes devem ser usadas para reprogramar as células-T, a partir de quais fontes? E como inseri-las?

Vários grupos de pesquisa têm utilizado diferentes métodos. Os vírus são muitas vezes utilizados como transportadores (ou vetores) para inserir DNA em outras células, porque esse tipo de sabotagem genética é exatamente o que os vírus normalmente se especializaram em fazer. Para modificar as células-T de seus pacientes, o Dr. June e seus colegas tentaram uma tática ousada: eles usaram uma forma inativada de HIV-1. Eles são os primeiros a usar HIV-1 como o vetor em terapia gênica para pacientes com câncer (o vírus tem sido utilizado em outras doenças).

O vírus da Aids é um vetor natural para este tipo de tratamento, Dr. June disse, porque ele evoluiu para invadir as células-T. A idéia de colocar um tipo de vírus da Aids em pessoas, soa um pouco assustador, ele reconheceu, mas o vírus utilizado por sua equipe foi “estripado” e não era mais nocivo. Outros pesquisadores haviam alterado e desabilitado o vírus através da adição de DNA de seres humanos, ratos e vacas, e de um vírus que infecta as marmotas e de outro que infecta as vacas. Cada partícula foi escolhida por uma característica particular, todas colocadas juntas em um vetor que o Dr. June chamou de “uma solução tipo maquina Rube Goldberg*” e “verdadeiramente um zoológico” *(inventor de maquinas complicadas). “Assim utilizamos a capacidade do H.I.V. para infectar as células, mas não para se reproduzir”, disse ele.

Para administrar o tratamento, os pesquisadores coletaram o maior número possível de células-T dos pacientes, passando o seu sangue através de uma máquina que removia as células e devolvia os demais componentes do sangue de volta às veias dos pacientes. As células T foram expostas ao vetor, que as transformou geneticamente, e, em seguida, foram congeladas. Enquanto isso, os pacientes receberam quimioterapia para esgotar qualquer restante das células T, porque essas nativas que restaram poderiam impedir o crescimento das alteradas. Finalmente, as células-T foram reintroduzidas no paciente.

Então, o Dr. June disse, “O paciente se torna um bioreator”, enquanto as células-T se proliferam, esparramando um produto químico chamado citoquina que causa febre, calafrios, fadiga e outros sintomas semelhantes à gripe.

O tratamento eliminou todas as células B do paciente, tanto as saudáveis ​​como as leucêmicas, e continuará fazendo enquanto as novas células T persistirem no corpo, o que pode ser para sempre (seria o ideal, para evitar a leucemia). A falta das células B significa que os pacientes podem ficar vulneráveis ​​à infecção, e eles vão precisar infusões periódicas de uma substância chamada imunoglobulina intravenosa para protegê-los.

Até agora, a falta de células B não tem causado problemas para Ludwig. Ele recebe as infusões com frequência de alguns meses. Ele já recebia antes mesmo do tratamento experimental, porque a leucemia já havia tirado de combate suas células B saudáveis.

Uma coisa que não está claro é porque o paciente 1 e o paciente 3 tiveram recuperações completas, e o paciente 2 não. Os pesquisadores calculam que, quando o paciente 2 desenvolveu calafrios e febre, foi tratado com esteróides em outro hospital, e a droga pode ter interrompido a atividade das células-T. Mas eles não têm certeza. Também pode ser que sua doença era muito mais grave.

Os pesquisadores escreveram um artigo científico completo sobre o paciente 3, que foi publicado no The New England Journal of Medicine. Como os outros pacientes, ele também teve febre e passou mal, mas a reação levou mais tempo para começar e ele também desenvolveu problemas nos rins e no fígado – um sinal da síndrome de lise tumoral, uma condição que ocorre quando um grande número de células cancerosas morre e vira entulho, que podem obstruir os rins. Foi aplicado drogas para prevenir danos nos rins. Ele teve uma remissão completa.

O que o artigo do jornal não mencionou foi que o paciente 3 quase não recebeu o tratamento.
Por causa de sua doença e alguns problemas de produção, disseram os pesquisadores, eles não poderiam produzir na redondeza, tantas células T alteradas para ele como tinham para os outros dois pacientes – apenas 14 milhões (“uma dose de rato”, disse Dr. Porter), contra 1 bilhão para o Ludwig e 580 milhões para o paciente 2. Após debaterem, eles decidiram tratá-lo de qualquer maneira.

O paciente 3 recusou de ser entrevistado, mas ele escreveu anonimamente sobre sua experiência para o site da Universidade da Pensilvânia. Quando desenvolveu calafrios e febre, ele disse: “Eu tinha certeza que a guerra começara – Eu tinha certeza que as células C.L.L. estavam morrendo”.

Ele escreveu que foi um cientista, e quando ele era jovem sonhava que um dia faria uma descoberta que iria beneficiar a humanidade. Mas, concluiu, “Eu nunca imaginei que seria parte do experimento”.

Quando Dr. Porter contou ao paciente 3 que ele estava curado, ambos tiveram lágrimas nos olhos.

Os Pacientes Não Estão Isentos de Perigos

Embora sejam promissoras, as novas técnicas desenvolvidas pelos pesquisadores da Universidade da Pensilvânia não são isentas de perigo para os pacientes. As células T engenhadas atacaram os tecidos saudáveis ​​em pacientes de outros centros. Tal reação matou uma mulher de 39 anos com câncer de cólon avançado em um estudo do Instituto Nacional do Câncer, os pesquisadores reportaram no ano passado na revista Molecular Therapy.

Ela apresentou problemas respiratórios graves, 15 minutos após ter recebido as células-T, tendo que colocar um respirador artificial e morreu alguns dias depois. Aparentemente, uma proteína alvo nas células do câncer também estava presente em seus pulmões, e as células-T se instalaram nele.

Pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer em Nova York também relataram uma morte no ano passado, em uma experiência de células T para a leucemia (também publicado em Terapia Molecular). Uma autópsia revelou que o paciente aparentemente morreu de septicemia, não pelas células-T, mas como ele morreu apenas quatro dias após a infusão, os pesquisadores disseram ter considerado o tratamento um possível fator.

O Dr. June disse que sua equipe espera usar as células-T contra tumores sólidos, incluindo alguns que são muito difíceis de tratar, como o mesotelioma e câncer do ovário e do pâncreas. Mas possíveis reações adversas são uma preocupação real, disse ele, observando que uma das proteínas alvos nas células do tumor também é encontrada nas membranas que revestem o tórax e o abdômen. Os ataques das células T- pode causar inflamação grave nessas membranas e simular o Lupo, uma doença grave auto-imune.

Mesmo que se as células-T não atingirem alvos inocentes, ainda há riscos. Elas liberam proteínas que podem causar uma “tempestade de citocinas” – febre alta, inflamação, inchaço e pressão sanguínea perigosamente baixa – o que pode ser fatal. Ou, se o tratamento rapidamente matar bilhões de células cancerosas, os detritos podem danificar os rins e causar outros problemas.

Mesmo que o novo tratamento com células T prove que funciona, a indústria de medicamentos será necessária para a produção em massa. Mas o Dr. June disse que a pesquisa está sendo feito apenas em universidades, e não em empresas farmacêuticas. Para a indústria farmacêutica ter interesse, disse ele, terá que haver uma prova esmagadora de que esse tratamento é muito melhor do que os já existentes.

“Eu acho que eles vão disputar esse produto”, disse ele. “Meu desafio agora é fazer isso em um conjunto maior de pacientes com randomização, e mostrar que temos os mesmos efeitos.”
Ludwig disse que quando entrou na experiência, ele não tinha mais opção. De fato, Dr. June disse que Ludwig estava “quase morto” da leucemia, e o esforço para tratá-lo era uma “Ave Maria”.

Ludwig disse: “Não me lembro de ninguém dizendo que ia ser uma remissão. Eu não acho que eles estavam sonhando nessa extensão”.

A experiência foi a fase 1 do estudo, o que significa que seu principal objetivo era descobrir se o tratamento é seguro, e em que dose. Claro, médicos e pacientes sempre esperam que haja algum benefício, mas esse não era o objetivo oficial.

Ludwig pensava que se a experiência lhe desse um ano ou seis meses, valeria a pena a aposta. Mas mesmo que o estudo não o ajudasse, ele sentia que ainda seria interessante poder ajudar o estudo.

Quando a febre bateu, ele não tinha nenhuma idéia de que aquele poderia ser um bom sinal. Em vez disso, ele assumiu que o tratamento não estava funcionando. Mas algumas semanas mais tarde, ele contou que seu oncologista, Dr. Alison Loren, lhe disse: “Não podemos encontrar qualquer tipo de câncer na sua medula óssea”.

Relembrando o momento, Ludwig fez uma pausa e disse: “Eu tenho arrepios só de dizer essas palavras.”

“Eu me sinto maravilhosamente bem”, disse Ludwig durante uma entrevista recente.”Eu percorri 18 buracos no campo de golfe, esta manhã.”

Antes do estudo, ele estava fraco, sofria repetidas crises de pneumonia e estava definhando. Agora, ele é cheio de energia. Ganhou 20 kilos. Ele e sua esposa compraram um motorhome, em que viajam com seu neto e sobrinho. “Eu me sinto normal, como eu era 10 anos antes de ser diagnosticado”, disse Ludwig. “Este ensaio clínico salvou minha vida.”

Dr. Loren disse em uma entrevista: “Eu odeio dizer isso dessa maneira dramática, mas eu realmente penso que isso salvou sua vida.”

Ludwig contou que o Dr. Loren disse a ele e sua esposa algo que ele considerou muito profundo: ‘Nós não sabemos quanto tempo isso vai durar. Aproveite cada dia”,  Ludwig lembrou.

“Isso é o que temos feito desde então.”

Veja mais no link: http://www.nytimes.com/2011/09/13/health/13gene.html?_r=1&pagewanted=all&src=ISMR_HP_LO_MST_FB 

Redação

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