A estabilidade do servidor público não é privilégio, por Renato Souza

A estabilidade do servidor público não é privilégio

por Renato Souza

Tendo em vista o andamento de Projeto de Lei que prevê o fim da estabilidade no serviço público, relatado pelo Senador gaúcho Lasier Martins, convém fazer algumas reflexões sérias a respeito, sobretudo para desfazer certos censos comuns que não condizem com o instituto da estabilidade na grande maioria dos países democráticos.

Em primeiro lugar, cabe afirmar que a estabilidade do servidor público não é nenhum tipo de privilégio decorrente da legislação brasileira, ela é um dos pilares mais importantes das democracias liberais modernas, e existe na maioria dos países democráticos.

E no que consistem as democracias liberais modernas? Consistem em governos formados por representações da sociedade, que concorrem em uma espécie de “mercado de votos”, em eleições livres, das quais participam diferentes forças políticas concorrentes da sociedade. Uma das características das democracias liberais, portanto, é a presença constante do contraditório político ideológico e a possibilidade permanente da alternância de governo a cada eleição.

Daí decorre que um dos fundamentos essenciais a este tipo de democracia, e ao liberalismo político moderno, é o chamado “princípio da separação”: separação entre o público e o privado, e separação entre Estado e Governo. Somente nas democracias liberais isto é essencial, nos regimes autoritários e absolutistas não.

Ao contrário, regimes autoritários se caracterizam exatamente pela inexistência desta separação: governos autoritários se apropriam do Estado, já não havendo distinção entre Estado e Governo, e se apropriam da vida privada dos cidadãos, já não havendo separação entre público e privado. Daí vem o nome “absolutismo”, quando o governo reina absoluto sobre o Estado e sobre a esfera privada, criando domínio sobre todas as dimensões da vida das pessoas.

E o que a estabilidade do servidor público tem a ver com isto?

Ora, servidores públicos são funcionários do Estado, não dos governos (os funcionários dos governos são os chamados “cargos de confiança”). Daí que eles têm de transcender os governos e os interesses políticos, ideológicos e eleitorais que os caracterizam. Eles têm de estar para além dos governos, para manter estável o Estado apesar da transitoriedade dos governos e da possibilidade frequente de alternância político-ideológica destes.

Sem isso, sem um Estado independente dos governos, que mantenha estáveis suas atividades e suas estruturas nas transições entre um governo e outro, as democracias liberais modernas seriam uma verdadeira montanha russa, tão instáveis e incertas quanto inviáveis. Sem estabilidade, cada funcionário público estaria sujeito às disposições políticas, ideológicas e eleitorais dos governos, e já não haveria um Estado estável para preservar o regime democrático e garantir a possibilidade da alternância dos governos.

E mesmo que houvesse eleições livres (o que seria pouco provável, porque o que garante estas eleições são exatamente estruturas do Estado, os tribunais eleitorais, que são independentes dos governos), cada governo montaria um pequeno regime absolutista, até que houvesse um que engolfasse também o sistema eleitoral e se transformasse num absolutismo total. Não haveria chance para a democracia, o absolutismo seria uma questão de tempo.

Muitos diriam, é claro – e o Projeto de Lei prevê isto –, que só seriam demitidos funcionários com desempenho insuficiente, pois a avaliação seria por mérito. Bem, é fácil pensar assim, mas isto indica uma incompreensão das ambiguidades e limitações da avaliação de desempenho no serviço público.

Cada noção de mérito e de desempenho no serviço público está sujeita às mesmas disposições políticas e ideológicas que fazem com que forças concorrentes disputem os governos nas democracias liberais. Portanto, não há, em nenhum canto do serviço público, uma noção de mérito e de desempenho que não implique, também, em controvérsias e disputas políticas. Pense, por exemplo, na educação pública, qual resultado deveríamos buscar, formar cidadão mais conscientes e com bom repertório para serem atuantes na sociedade, ou formar pessoas bem treinadas conforme as demandas do mercado de trabalho? Isto pode implicar em currículos e métodos educacionais totalmente distintos, e eles seriam cruciais para construir os tais indicadores de desempenho e avaliar o mérito docente.

Outra grande controvérsia, que daria em inúmeras e insolúveis disputas, é sobre quem deveria propor estes critérios de avaliação e quem deveria medir o desempenho dos funcionários públicos. Não raramente, esta prerrogativa cairia nas mãos de funcionários dos governos e/ou de agentes públicos alinhados com eles, que tratariam de moldar o Estado conforme os interesses dos governos, rompendo com aquele fundamental “princípio da separação” de que falei acima.

Então, cada um que der uma resposta ou definição afirmativa sobre estas questões práticas da avaliação de desempenho do servidor público, já o estará fazendo segundo certas disposições político ideológicas, e esta é a matéria prima da formação dos governos, não do Estado. Portanto, caso isto venha a acontecer, os critérios de avaliação representarão não um consenso na sociedade ou um novo pacto social sobre a democracia, e sim o poder e a dominação sobre as estruturas do Estado, daquelas forças político ideológicas mais fortes, que se manifestaram na formação dos governos.

Assim começam os regimes absolutistas!

Portanto, a estabilidade dos servidores públicos é um instituto das democracias liberais e pluralistas modernas, e deveria estar sendo defendida por todos aqueles que se dizem liberais. Sem este instituto, este modelo de democracia não seria possível.

E onde os servidores públicos não são estáveis? Bem, nos regimes absolutistas e autoritários. Lá, cada funcionário público é um servidor do Governo, e basta não se alinhar com este para estar na rua.

Redação

29 Comentários

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  1. Servidora

    Servidora pública,aposentada,  quero dizer como se faz uma comissão de sindicância que é  o começo de um processo que pode ou não levar a demissão de um servidor. É muito simples : nomeia-se os alinhados com a chefia. Vale o mesmo para as ”comissões de avaliação”.

  2. Detalhes

    Concordo com a estabilidade, mas…

     

    Como nos outros países, tem uma regra fundamental:

    — Se quer estabilidade, vá para o serviço público;

    — Se quer ficar rico, vá para o setor privado.

     

     — Isso vale para TODOS os cargos públicos de todos os poderes.

     

    — Cargos públicos não tem supersalários nem penduricalhos em países verdadeiramente democráticos.

    1. Concordo,
      Mas os

      Concordo,

      Mas os supersalários estão sempre vinculados ao judiciário e legislativo, e provavelmente estes ficarão de fora da mira. O intuito é inviabilizar completamente qualquer ação direta do executivo. Esse é o sonho dos golpistas, incluso judiciário, um estado com poder executivo exclusivamente repressor, sem nenhum tipo de política de saúde e educação por exemplo.

    1. sou funcionária federal

      sou funcionária federal aposentada. Há mais de 32 anos recolho 12% sobre o salário bruto, integral,  sem nehum teto, a título de contribuição previdenciária. Quanto você acha que deveria ser a minha aposentadoria? igual a de um trabalhador cujo recolhimento é bem inferior, e ainda com teto? Detalhe, mesmo aposentada, ainda sou descontada em 12% sobre o valor da aposentadoria integral, sem nenhum teto. Também acho que o funcionário deveria ter o FGTS, como qualquer trabalhador, o que não ocorre.  

      1. MM

        Intrigante que esse projeto tenha ido parar nas mãos do tal  senador  gaúcho  lasier martins (aquele que encheu a senhora sonsorte sem sorte de bolachas e foi impedido de se aproximar dela após o BO).Jornalista da RBS, sobejamente conhecido.

        Pra essa gente funcionário público é vagabundo.Me lembro duma caricatura deles; um casaco numa cadeira; e  o  dono??

         

    2. Já é assim.

      Para o servidor ganhar mais que o teto tem que contratar o regime complementar.
      Não existe mais aposentadoria acima do teto no serviço público federal desde 2013.

    3. As pessoas se esquecem que o servidor público paga sua previdência baseada no salário quase integral e não no teto base do INSS… isso faz uma diferença e tanto!

  3. Estabilidade e favorecimentos

    Em nome da estabilidade do servidor público, não se deve permitir favorecimentos que engordam seus ganhos. Como diferenças salariais absurdas ou vantagens em forma passagens, auxilio paletó, auxilio moradia, etc.. Discrepâncias visiveis no Judiciário e no Legislativo, por exemplo.  Aposentadorias inchadas  como as de certas universidades públicas, por exemplo, que gastam quase 100% do orçamento só na folha de pagamento de seus fun cionários e professores.. Mas o artigo não faz nenhuma menção a esse quadro lamentável de desigualdades que fere a dignidadedo brasileiro comum.O articulista esqueceu desses privilégios?<>

  4. Estabilidade

    no serviço público nada mais significa do que uma garantia de não se demitido sem uma causa justa e mediante procedimento administrativo em que se garante  o contraditório, ampla defesa e os recursos inerentes.’ As causas que viabilizam a demissão estão previstas em lei. “Ser produtivo” é um dever básico do trabalhador do serviço público e vem encabeçando o rol das obrigações: não trabalhou, cai fora!  

    Conforme bem esclarecido no texto, servidor público não pode ficar à mercê do humor do governo de momento.   

    As mais diversas justificativas para o fim da estabilidade no serviço público – projeto que não vem de hoje – tem um único é tão só objetivo: subjugar o servidor do Estado que, quase sempre, tem uma postura independente em relação ao governante de plantão! 

  5. Menos os de alto escalão

    A estabilidade no emprego público, não deveria ser estendida aos funcionários de alto escalão, como Ministério Público, por exemplo. Pois estes tem poder suficiente para destruir o país, e se ninguém conseguir pará-los antes que o façam, só restarão ruínas.

    Não me digam que um Procurador geral pode sofrer impeachmente, pois este é um processo tão longo e tão raro de acontecer para o caso, que não podemos contar com isto.

    Ao contrário do que o autor do texto diz, nenhum país dá estabilidade de emprego para funcionários públicos de alto escalão, como os EUA pór exemplo, que podem demitir o seu PGR a qualquer momento e nomear outro no lugar, sem precisar dar satisfações a ninguém.  

    Este é o mantra da mídia, que prega a ” autonomia ” dos funcionários públicos, leia-se PGR, Ministério Público, etc. Autonomia significa eles serem subordinados à mídia.

    A mídia também prega a descentralização de poder, para que um governante forte não a impeça de entregar nossas riquezas para os estrangeiros.

    Não por acaso a constituição de 88, que deu tal estabilidade, dificultou ao máximo o Brasil ter crescimento de PIB robusto.

    E para desdizer de vez o autor do post, o melhor governo do Brasil de todos os tempos, foi dom Pedro II ( que era abolicionista ) , que tinha poderes para demitir e nomear conforme achasse necessário, naquela época o Brasil teve um dos govenos mais a favor do povo de todos os tempos,  naquela época o Brasil criou o Banco do Brasil, estradas de ferro, escolas, Universidades, etc. A elite o depôs porque sua filha assinou a Lei Áurea.

  6. Sem estabilidade, o servidor não poderá ser honesto

    Sei o que falo.

    Sem  estabilidade, nenhum servidor conseguirá ser honesto. Se não concordar com fracautruas dos governantes, com certeza, terá um ponta pé  na bunda e sua vida e irá ser demitido. A estabilidade é um entrave ao comando da corrupção. Hoje, o funcionário pode perder a estabilidade se praticar ilícito. Amanhã, será o contrário. Se não concordar com o ilícito, irá para a rua.

    1. Verdade. É só ver os cargos

      Verdade. É só ver os cargos comissionados (CCs), que na maioria das vezes são utilizados como moeda de troca dos favores dos políticos.

  7. É só seguir o conselho do Brizola sobre a Globo

    A maioria das coisas que a Globo, Congresso, Gilmar, MBL, Veja apoiarem são ruins pro país.

    Os indicados políticos (principalmente os chefes) incompetentes ou corruptos são duas, três vezes piores que os “vagabundos” que querem demitir. Mas, não fazem nada pra demiti-los e nem são considerados nesses projetos. 

  8. Mandato
    Minha solução é outra, estabelecer mandatos para concursados, e a cada 4 anos todos (antigos e novos entrantes) refazerem os concursos. Assim haveria chance de alternância

    Digo mais, juiz também. Para fazer concurso para juiz precisaria ter exercido promotoria por 4 anos e para ser promotor, advocacia atuante por 4 anos

    Juiz teria prazo, 1 ano para resolver a causa, outro ano no TJ e um ano final no STJ. Descumpriu, engavetou, não decidiu, perde o emprego. Assim ninguém ficaria 20 anos com nada pendente

    1. Mas pense na seguinte
      Mas pense na seguinte situação: quando o funcionário adquire experiência, logo seria substituído, começando tudo do zero. Se tornaria um trabalho temporário, para o qual não vale apena se dedicar. Seria a ruína dos órgãos públicos, nada funcionaria direito. Os mais qualificados não se interessariam mais pelos cargos públicos e desqualificados tomariam conta, pensando só no próprio umbigo, pensando só em “se dar bem” nesses 4 anos. Nesse caso pode privatizar tudo. Não dá para comparar com cargo eleito, pois estes cargos nunca são técnicos, somente de gestão.

      1. mas se o mandato fosse de 10 anos

        entendo seu questionamento, mas o que se tem hoje é que como o servidor é estável, com salário igual a todos, com base nos cursos e tempo de serviço apenas, sem levar em consideração a produtividade, temos a invenção de um ambiente com base em uma “teoria socialista” que gera incentivo ao não trabalho. “… pra que eu vou me desgastar aqui se o meu colega do lado não faz nada e ganha a mesma coisa que eu…”.
        Neste caso, um “mandato” de 10 anos de estabilidade é muito bem vinda, porque se o servidor é bom no que faz e se mantém atualizado em sua área de atuação, com certeza já tem toda a experiência para revalidar seu posto passando em um teste de conhecimentos, ao mesmo tempo que permite ao serviço público respirar com gente nova com novas motivaçoes e interesses.
        Hoje, o funcionalismo público vive apenas para fazer greve e solicitar aumento salarial que já é em média 70% maior que na iniciativa privada. Pense melhor sobre o assunto.

    2. Insanidade

      O cidadão que fala isso tem esquecido de tomar levomepromazina. Não sou funcionário público, nem pretendo sê-lo, mas o que levou o país a essa situação foi justamente isso o que vc aponta como solução. Se elegibilidade e temporariedade fossem determinísticos pra garantir honestidade e probidade, teríamos os melhores políticos do mundo. Se formos analisar superficialmente, ainda que com todos os problemas, o judiciário brasileiro está muito a frente, no quesito qualitativo, do que qualquer poder preenchido por cargo eletivo.

  9. Fim da mamata

    Servidor público que não produz tem que ser mandado embora sim. O fim da estabilidade é uma tendencia mundial. O autor desse texto errou ao diferenciar servidor do estado ou do governo, no fim das contas da na mesma.

     

    Tem que ser exatamente como na iniciativa privada, muitas regalias no serviço publico, e nos trabalhadores da privados e empresarios temos que pagar o salarios desses servidores metidos e arrogantes sanguessugas. Por isso tem que acabar com o serviço publico e colocar mandato nesses cargos no maximo 4 anos.

     

    Erraram ai acima falando que nos outros paises servidor publico tem estabilidade, grande engano, os paises que servidores tem regalias e estabilidade estao ruins como o Brasil, vide a França, Espanha, Portugal, Grécia o maior exemplo e de onde o Brasil copiou.

     

    A maquina estatal esta muito inchada, muitos serviços poderiam ser informatizados.

     

    No fim das contas todos sairao ganhando e nao apenas os servidores publicos queridinhos.

    1. Esses países estão ruins por

      Esses países estão ruins por conta da crise de 2008. É só olhar a o histórico da relação PIB/dívida pública. Ou seja, o que você falou não tem fundamento nenhum, até porque em um dos países que você mencionou (Grécia) não há estabilidade para servidores. Procure se informar melhor…

  10. Quero que essa lei venha
    Quero que essa lei venha valer para os cargos polititos. Onde o povo anualmente possa avaliar e demitir os politicos corruptos.Duvido que eles aprovassem essa proposta.

  11. Privílégios

    Quando uma classe em igualdade de condições   tem vantagens  em relação a outras , isso não é direito , é privilégio .

    Essa farra  da estabilidade no funcionlismo público  ,é o que grande cãncer do páis .

    1. concordo, e já é assim, 

      concordo, e já é assim,  “classe em igualdade de condições”  TODOS que passam em um concurso e cumprem as outras exigências do CF/88 .  Não qq um. 

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