A morte do Siqueira e a modernidade gasosa, por Rômulo Moreira

Que me perdoem os que perderam seu tempo discutindo se o Siqueira morreu ou não morreu, se mora em São Paulo, em Porto Alegre ou na Europa, mas isso é de uma baboseira e de uma inutilidade tamanha

O jurista Pedro Serrano durante entrevista a Luis Nassif, na TVGGN

A morte do Siqueira e a modernidade gasosa

Por Rômulo de Andrade Moreira[1]

Interrupção, incoerência, surpresa são as condições comuns de nossa vida. Elas se tornaram mesmo necessidades reais para muitas pessoas, cujas mentes deixaram de ser alimentadas… por outra coisa que não mudanças repentinas e estímulos constantemente renovados… Não podemos mais tolerar o que dura. Não sabemos mais fazer com que o tédio dê frutos.” (Paul Valéry)[2]

Nesses últimos dias, a morte (ou a não morte) do Coronel Siqueira alvoroçou o noticiário e tomou conta das redes sociais, com direito a live, carta, matérias, furos, barrigadas, tuítes, etc, algo como se fora importante e comovente…

Incrível a que ponto chegou a mediocrização da nossa modernidade gasosa, parafraseando aqui Bauman.

Muito mais do que líquida, e ainda fluida, a modernidade tornou-se gasosa, mas daqueles gases que mal cheiram, um fluido infinitamente compressível (como os gases), cujo volume é o do recipiente que o contém, neste caso, a modernidade gasosa.

Ou seria mesmo importante saber se o Coronel Siqueira morreu, ou mesmo sequer se ele existiu? Ou onde reside?

Num tempo de tanto sofrimento para o mundo, abatido pela pandemia, e prestes a viver uma nova onda da Covid-19, ou já vivendo; num tempo de tanta desigualdade (em que muitos têm vacina de sobra e outros muito mais não têm) e de tanto desgoverno, será que teria algum cabimento – sob qualquer ponto de vista – estarmos agora lamentando (ou não) a morte de um perfil no Twitter, que nem sequer se sabe verdadeiro, mas tão somente pode ser obra de um divertido sujeito que não tem muito o que fazer na vida?

Que me perdoem os que perderam seu tempo discutindo se o Siqueira morreu ou não morreu, se mora em São Paulo, em Porto Alegre ou na Europa, mas isso é de uma baboseira e de uma inutilidade tamanha, que mostra bem o quanto cheira mal a nossa modernidade, mais do líquida, gasosa…

Enfim, poderíamos aprender com Maffei, e perguntarmo-nos por que nós homens comuns, que recebemos da evolução um dom especial, um grande cérebro que pode pensar, falar e escutar, por que não usá-lo? Por que ainda continuamos como Sísifo, que se vê obrigado a recomeçar todos os dias o esforço da subida sem esperança?[3]


[1] Por Rômulo de Andrade Moreira, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS.

[2] BAUMAN, Sygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 7.

[3] MAFFEI, Lamberto. Elogio da Rebeldia. Lisboa: Edições 70, 2020, p. 130.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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  1. Como quase tudo de tornou tóxico no Brasil, como a imprensa, a tv aberta e paga, a mídia, as igrejas, os streamings, ou 90% daquilo que se conhece ou era conhecido como comunicação, um perfil como o coronel siqueira é coisa rara
    E a raridade é sempre disputada

  2. Sólido, líquido, gasoso mas tem os cremosos tbm. Para mim, incompreenção da realidade é dizer q Cel Siqueira significa somente obra de um sujeito divertido q não tem mais o q fazer.

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