Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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O golpe desenhará seus limites, por Ion de Andrade

O golpe desenhará seus limites

por Ion de Andrade

Como qualquer fato histórico o golpe terá tido um começo um meio e um fim. No futuro os historiadores poderão mapear o momento em que começou a declinar em definitivo com o ressurgimento irresistível da democracia.

Porém mais importante do que essa análise retrospectiva da história, a ser feita no futuro, é a leitura do presente, porque da percepção dos contextos evolutivos do movimento golpista e de quando começará a adernar, e vai, poderemos contribuir para apressar o seu fim.

É evidente que há flutuações conjunturais capazes de simular um declínio que pode vir a ser revertido depois, porém é importante estarmos atentos para a exaustão histórica do fenômeno, o que a produz no contexto mais imediato e de que forma podemos interferir para apressar a seu declínio.

Do ponto de vista latino-americano as eleições em Honduras, que se soldaram por uma vitória da esquerda e a do Chile, trouxeram, (independentemente de não sabermos precisamente como será resolvida a crise hondurenha), resultados bem diferentes daqueles expressos nas recentes eleições argentinas onde Macri venceu. A isso se agrega o sucesso do governo Maduro em estabilizar politicamente a Venezuela após vitória eleitoral indiscutível do Chavismo.

Para além da América Latina, o desgaste interno de Trump com a questão da interferência da Rússia nas eleições americanas e a dificuldade dos Estados Unidos em dobrar a coluna da Coréia do Norte parecem fazer ver que o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel foi um desses golpes publicitários executados como cortina de fumaça para turvar a percepção de um cenário muito problemático. O tônus e a credibilidade do Poder americano são cruciais para a engrenagem que mantem internacionalmente a direita na dianteira.

Internamente as resistências da Justiça do Trabalho em aplicar a Reforma Trabalhista e as dificuldades do governo ilegítimo de aprovar a Reforma Previdenciária se somam a um desgaste gigantesco do Poder Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Os índices de rejeição de Sérgio Moro atingem máximos, superando, numa curva ascendente a rejeição de Lula, que é hoje a menor desde o início dos ataques a ele e recua a cada pesquisa.

Ora, esse cenário de instabilidade para o qual contribuiu a luta interna da base de apoio ao golpe, como ilustra a ação de Janot contra Temer cujo propósito republicano era o de evitar que uma desafeta sua chegasse à Procuradoria Geral da República, ou a que desmoralizou definitivamente Aécio Neves, mostrou à nação que a “intervenção” militar era o Plano B da continuidade do arbítrio.

De fato, o general Mourão, porta voz dessa corrente, veio a público para, em alto e bom som advertir a sociedade de que uma intervenção militar estava em preparo e seria executada. Entretanto e referido general foi afastado do posto de Secretário de Economia e Finanças do Exército, passando a assumir funções aparentemente de menor prestígio. Isso significa que o componente civil do golpismo pode ter deixado de contar com a retaguarda de um Plano B de governo pela força das armas.

Então o cenário parece reunir os seguintes elementos: (1) um contexto latino-americano desfavorável aos golpistas, onde as democracias parecem ganhar novo fôlego, diferenciando-se do que ocorreu há apenas um par de meses na Argentina; (2) um contexto internacional de crise do poder militar americano e de profunda crise institucional nos Estados Unidos, (3) um cenário local de desmoralização completa do presidente ilegítimo, de incapacidade de impor a Reforma Trabalhista à Justiça do Trabalho e de aparentes dificuldades para aprovar uma Reforma Previdenciária execrada pela sociedade. A tudo isso se acrescenta (4) um fortalecimento sustentável da candidatura do presiedente Lula, que se tornou, apesar de tudo o que foi feito contra ele, o candidato mais forte para as eleições presidenciais de 2018. Isso significa também que (5) o poder de fogo da grande mídia alcançou o seu limite e que a população já não acredita mais em nenhuma palavra do que diz. A vitória moral de Lula, aliás, é a ruína dos jornalões numa contenda mais assimétrica do que a mítica luta de Davi contra Golias.

A recomposição de uma atitude republicana pelas Forças Armadas que parecem sinalizar claramente que não compactuam com as teses intervencionistas, faz do binômio Ministério Público/Judiciário a única nota destoante desse contexto de enfraquecimento do arbítrio em todas essas frentes. A falta de iniciativas do Ministério Público em investigar as denúncias de Tacla Durán à CPMI da JBS e o adiamento de um posicionamento firme contra as conduções coercitivas perpetradas pela Polícia Federal ao arrepio da lei, nos mantém prsioneiros do desrespeito à Constituição e aos direitos e prerrogativas individuais, o que envenena a sociedade e nos converte, pela mão do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal numa República Bananeira. Esse é certamente um flanco importante a ser trabalhado pelos democratas.

Entretanto, é nesses momentos que podem emergir as ações mais brutais, como as que marcaram a comunidade universtária da UFMG. Elas têm o propósito de devolver a iniciativa ao campo reacionário e a golpear o moral dos que aspiram à democracia. Estejamos atentos a isso para que iniciativas dessa ordem não tenham o poder de nos instabilizar.

Seja como for, cedo ou tarde, o espectro de maldades perpetradas pelo golpe será desenhado com contornos que nos permitirão saber até onde conseguiu ir e quais foram os seus limites definitivos.

Quando esse momento chegar será a nossa vez de jogar no ataque.

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

8 Comentários

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  1. Risível

    “Nossa vez de jogar no ataque”? “Nossa” quem, cara-pálida?

    “Nossa” do povo que vai pra rua bater panelas contra a corrupção e tolera o governo do Temer?

    “Nossa” do anti-petismo (antes anti-comunismo)?

    O argumento do Ion falha num ponto: de que o golpe foi do governo.  Ele não foi do governo! Foi da população!

    Nem o golpe de 1964 teria ido pra frente sem o apoio da população.

    O Brasil não é uma nação! É um amontoado de gente que se acha um maior que o outro.

    É o país em que os funcionários da adminstração de uma indústria se acham superiores aos “peões” do chão da fábrica e, por isso, merecedores do privilégio de entrar 1/2 hora mais tarde.

    Não tem “nossa vez”. O que tem é a conveniência da Casa Grande.

    A foto do Herzog foi publicada porquê? Porque a Folha era democrática? Claro que não! A foto foi publicada porque os EUA não tinham mais interesse em manter a ditadura.

    Pessoal, esquece! Sua vida de brasileiro vai ser sempre esse lixo! Seus filhos brasileiros vão viver essa vida lixo de ter direitos ameaçados o tempo todo.  De ter que sustentar a “elite” judiciária com salários de 100.000…

    Faça um favor a seus netos e filhos não nascidos: caiam fora desse país! Isso aqui não tem mais jeito! A hora é agora enquanto nos aceitam pra serviços mais qualificados.  Daqui a um tempo, vamos entrar no rol de Uganda e só vamos trabalhar de garçon.

    1. O golpe foi de quem mesmo ?

      Da população ? Faz me rir, em sua inocência ! Desconhece o papel da mídia , do STF , do Cunha em sua presidência da Câmara, e dos traíras ? Pobre de vc e da manada da classe média, dos latifundiários que morrem de medo dos “comedores de criancinhas ” e de quem pode lhes ” roubar” um campo de futebol, das suas “terrinhas ” tão duramente  conquistadas !  Quando queimam a enormidade de florestas, para uso próprio, e ainda recebem de todos os governos, perdão de suas dívidas . Quando roubam a terra indígena e quilombolas, na ânsia de mais e mais riquezas !E os nossos pobres banqueirinhos, que financiam toda a corrupção e jamais se preocupam com alguma medida contra eles, pois aqui o dinheiro tem a capacidade de voar para terras longínquas, sem necessidade dos 3 bancos que nos impingem a maior taxa de juros do planeta!

      O país tem dono, capatazes e mais modernamente “escravos”a fim de evitar que o sonho Americano nunca morra ! $$$$$.

      Ai ! chega, pois não gosto muito de ladaínhas ! Foi somente um desabafo !!!

      1. É só um troll Lenita Nem ele acredita no q diz, tá aqui p/ isso

        Vc nao leu a matéria sobre os milhoes que Aécio gastou com trolls de internet? Nao é só ele, há uma estratégia de disseminaçao de discursos que interessam à Direita. Muitas vezes se fingindo de gente de esquerda, mas apenas p/ criar emoçoes rasas e diminuir o impacto de denúncias feitas numa matéria. Responder é necessário sim, por causa dos outros leitores, mas nao perca sua calma por causa desses lixos.

          1. É natural, Lenita. Mas é preciso combater os discursos deles

            Que nao sao deles, sao encomendados, e há estrategistas por trás. O que vc fez. Só nao se deve é perder a calma, porque acaba nos fazendo mal, e nao a eles. Eles sao como marionetes, bonecos de ventrílogos. Sao de mau caráter, claro, para aceitar fazer um trabalho desses, mas o que importa é desfazer os discursos, nao a eles propriamente.

            Um grande abraço

  2. Os ecologistas são mais

    Os ecologistas são mais inteligentes que todos os golpistas!

    Os ecologistas já entenderam que suprimindo uma espécie cria-se um desequilibrio que poderá comprometer todo ecossistema!

    Vão acabar com o trabalhador e com o aposentado, que é o fim da vida do trabalhador!

    Querem maior produtividade e por isso inventaram o trabalho temporário?

    Querem consumidores de alta renda por isso vão reduzir vagas nas universidades públicas?

    Querem ativar o consumo por isso criaram a PEC 55?

    Haverá fuga de mestres e doutores que tenham reais condições de produzir pesquisa!

    O ambiente de negócios no Brasil passa por corrupção em todos os níveis – empresas sairão do Brasil para nossos vizinhos para não se submeterem a extorção que vai explodir!

    A politica será um lugar comum sem limites!

    Não haverá projetos publicos que avancem, pois os funcionários publicos que ordenam despesas podem ser criminalizados em caso de corrupção!

     

  3. No futuro…

    No futuro…

    Até hoje boa parte da população acredita (porque os cínicos de sempre propagam) que em 64 depuseram um Presidente constitucional, fazendeiro para “restabelecer” a Democracia contra o “comunismo internacional”; que suspenderam o habeas corpus para “garantir” a liberdade; que achataram o salário “pro bem” do trabalhador…

    No futuro…

    A “Universidade”, como um todo, eu acuso, com raríssimas exceções – raríssimas mesmo -, assistiu “bestializada” ao golpe de 2016 (que vinha sendo telegrafado desde 2012).

    Só acordou no dia seguinte à sessão da Camara.

    Alguns ainda faziam elucubrações sobre o Senado!

    No futuro…

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