O ódio, o mercado e a política, por Alexandre Coslei

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O ódio, o mercado e a política

por Alexandre Coslei

O ódio político, a tal polarização visível nas Redes virtuais, é o fruto verde e azedo que brota da desigualdade social cada vez mais aviltante (algo que não é exclusividade do Brasil). Essa fúria busca o alvo em evidência, é como um vira-lata hidrófobo que morde a canela mais próxima, mais provocante. Geralmente, quem lança a carniça aos cachorros é a nossa mídia monolítica, reforçada por um Judiciário que hoje constitui um partido informal sustentando os artífices do neoliberalismo. Judiciário que movimenta uma tendenciosa cruzada contra a corrupção ao mesmo tempo que ignora os princípios básicos da moralidade pública, quando esses atingem seus interesses.

O socialismo brasileiro sempre existiu, mas é um privilégio dos banqueiros, das iniciativas assistenciais para o grande capital, manifesta-se também nas isenções fiscais e no tratamento diferenciado que o Estado concede às corporações de alto porte econômico. É o comunismo de mercado, se apoia no Estado, vive de seus instrumentos, de suas benesses, mas defende o Estado mínimo para a massa desfavorecida da população. Para os pobres e até mesmo para uma parte da classe média o Estado mínimo já é realidade há tempos, não podem contar com a saúde pública, com projetos sociais eficientes e amplos contra a fome, não se ouve mais falar em programas relevantes de moradia popular, a educação pública deteriora-se a largos galopes, a miséria derrama-se pelas calçadas como erva daninha se espalhando num terreno baldio. Estado mínimo que se reflete nas novas multinacionais como o Uber, que taxam prestadores de serviço sem oferecer nenhuma ferramenta concreta de produção. É o sepultamento da mais-valia. Desde o final de 2016, após a destituição da presidente Dilma, o que ouvimos diariamente são discursos sobre corte de gastos sociais e arrocho sobre a renda do trabalhador.

EFEITO COLATERAL

Num contraponto ao Lula, nome que se prenuncia vitorioso em todas as pesquisas de opinião, há um pré-candidato bélico e ultraliberal que cresce atuando como catalisador da irracionalidade, do ódio por tudo, ódio fundamentalista que ama unicamente o ódio. Repulsa contra comunistas, gays, feministas, prostitutas, humanistas e programas sociais que amenizem a pobreza do país. Seus seguidores justificam assassinatos de representantes progressistas com teorias estapafúrdias, apoiam atentados a políticos da esquerda e consideram que a execução de seres humanos é um mal necessário quando atende aos anseios de extermínio em nome da própria segurança. O tal candidato, cujo nome não pronunciaremos, consegue congregar membros da classe média, assalariados de baixa renda e inclusive mulheres que relevam seu discurso misógino. Não é impulsionado somente pelo ódio coletivo, mas pela falta de senso crítico de cidadãos com conhecimento histórico distorcido, educação frágil, tudo isso alimentado pela mídia dos barões. Evitam termos como direita e esquerda porque são rótulos que distinguem posições ideológicas que eles preferem não assumir abertamente.

Interesses estrangeiros fragilizaram o nosso equilíbrio político, criaram um vácuo onde não conseguiram imprimir o representante de uma nova ordem, consagraram um reles desejo de vingança personificado num ogro que nutre desprezo pela democracia. O caos induzido interessa como desestabilizador político, abre espaço para o total domínio das instituições pelo mercado financeiro e viabiliza as pretensões de recolonização econômica. O que não interessa ao mercado é o imprevisível e o nosso amanhã está se tornando uma névoa insondável.

SEMENTES DO FASCISMO

Agora, os cães ladram e tentam evitar que a caravana passe. Perderam o pudor, arrancaram a focinheira. Os cães ousam novamente contra a democracia. Os nostálgicos de 1964 voltam à carga na onda high-tech do século 21. A barbárie medievalista demonstra que é atemporal e reúne em torno de si não só as mentes ignorantes: há professores, profissionais liberais, juízes, desembargadores, policiais e militares cogitando que serão beneficiados pelo radicalismo baseado na desumanização da sociedade. O Brasil não é uma nação que produz bons leitores, não cultiva pensamento próprio, compra-se qualquer ideia fácil em promoção nos telejornais da TV. Aqui, as universidades não criam ativistas de causas fecundas, mas produzem uma nobreza diplomada que em sua maior parte regurgita inércia e egoísmo. Não à toa, foi um operário o único capaz de mover a estrutura petrificada da nossa pirâmide feudal.

As feras ensandecidas desqualificam Cuba, mas não se dão conta que nosso país continental é mais miserável do que uma ilha comunista esmagada há décadas pelo embargo comercial dos EUA, que mesmo assim nos supera de longe nas áreas de saúde e educação. Cuba, com todas as limitações impostas pelo imperialismo americano, dá ao mundo escritores geniais como Leonardo Padura. Para nós, resta a estupidez ruminante de um sistema acadêmico, público e privado, que forma cidadãos intelectualmente deficitários, que lança à arena caboclos esnobes que se imaginam arianos e só enxergam o universo através do próprio umbigo.

Óbvio que o Estado brasileiro é inchado, funciona como círculo burocrático servindo de ponte para um emprego estável aos cidadãos da classe média e da elite bem nutrida. Em certos órgãos públicos, raríssimos são os negros e indivíduos de origem humilde que conseguem penetrar. Inegável que uma parte do funcionalismo público se comporta como casta intocável e muitas vezes ineficiente. Transformar o Estado é necessário, acabar com sua função mediadora jamais. Como impor a ideia de Estado mínimo num país de miseráveis como o Brasil? Como não direcionar e fortalecer o Estado nas ações que possam curar a convulsão que vivemos? A elite empresarial e as velhas altas castas do poder querem o Estado em benefício próprio, como financiador de suas riquezas, como provedor de sua existência rentista. Enxergam o Estado como arma de extermínio social para conter a violência crescente e a luta por direitos. Repudiam o Estado regulatório que protege e ampara o cidadão.

No meio de um país que se racha em cicatrizes reabertas pelo fascismo desavergonhado, muitos dos nossos assustados aprendizes do pior capitalismo, os que reverenciaram o pato da Fiesp, estão fugindo em autoexílio para a paradisíaca Portugal socialista. Enfrentando as bestas ficam os justos. Os justos lutam, os justos solidarizam-se, os justos gritam: Não passarão!

Alexandre Coslei é jornalista
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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