Politicamente correto. Woke. Identitarista. Por Gunter Zibell

Quando alguém diz que propaganda nazista ou supremacista deve ser banida está ancorado no Paradoxo da Tolerância, redigido em 1945

Politicamente correto. Woke. Identitarista. Por Gunter Zibell

(A mesma música em seis versões. Escolha uma para ouvir enquanto lê!)

Não precisamos complicar coisas que são simples. Por partes.

“Politicamente Correto” é basicamente uma tendência difusa, que não é reivindicada por grupos ou pessoas, de que pessoas percebam a importância de respeitar os direitos dos outros, mesmo que não sejam obrigadas por lei a isso. É como a antiga frase “A liberdade de uns termina quando começa o direito dos outros”, atribuída a Herbert Spencer (1820-1903).

O poema de Ana Mari é representativo desse “Espírito do Tempo”, crescentemente apoiado pela opinião pública, mídias de massa, indústria do entretenimento, partidos e corporações empresariais (ESG), o que pode causar ciúmes em quem ocupa espaços de poder (econômico ou político):

“Woke” significa desperto ou atento, e seu uso para ativismo social começou na primeira metade do século XX por ativistas contra segregação. O termo foi resgatado pelo Black Lives Matter por volta de 2020 para questionar a violência policial com viés racista (problemão nos EUA e no Brasil e possivelmente em outros países com racismo estrutural). Os Republicanos nos EUA, para atrair votos de conservadores e supremacistas, passaram a chamar qualquer militância por Direitos Humanos de woke. Mas 56% dos americanos vêem ‘woke’ como algo legítimo e positivo, versus apenas 39% (em geral pessoas conservadoras) que acham negativo. Alguns grupos de pessoas woke: feministas trans inclusivas, feministas pelo direito de decidir, transativistas, militantes do movimento negro, militantes por direitos humanos e civis em geral. Ambientalistas, indigenistas (defensores dos direitos de povos originários) e defensores dos direitos animais também são woke, mas não estão representando a si mesmos.

https://www.usatoday.com/…/gop-war-woke…/11417394002/

Algumas hashtags populares: #StayWoke#timesup#metoo#itgetsbetter#blacklivesmatter#womenlifefreedom

“Identitários” são os grupos sócio-demográficos desfavorecidos pelos preconceitos estruturais (telhados de vidro). Podem ser pessoas queer (LGBT+), mulheres, pessoas não-brancas, imigrantes, idosos, pessoas com deficiência, neuroatípicos, pessoas com crenças minoritárias (no Ocidente, não-cristãos), etc. No Ocidente (Oceania, Américas, Europa) são de 60 a 80% das pessoas (excluindo as sobreposições), portanto não se trata apenas de minorias, mas de vulneráveis. Quem é socialmente privilegiado por origem, etnia ou gênero pode constituir uma identidade também, mas não é objeto de opressão e por isso não devemos confundir com o uso europeu para a palavra identitário (que na Europa é muito usada como marcador para regionalistas ou xenófobos).

“Identitaristas” não é um termo ainda bem definido. Eu uso para destacar, dentre os identitários, aqueles que percebem a importância da atuação política para superar o conjunto de preconceitos e opressões. Pode haver filiação ideológica (frequentemente de centro-esquerda para questões raciais ou de origem), mas isso não é obrigatório. Para questões de gênero, que permeiam todas as classes sociais, pode haver ativistas por quase todo o espectro partidário (embora seja incomum na extrema-direita, onde a atuação de feministas pode parecer contraditória).

O “Paradoxo da Tolerância” (na imagem) mais ou menos dá uma base teórica para as lutas por direitos humanos em geral, mas, em particular, contextualiza a discussão sobre liberdade de expressão. (E essa liberdade é importante justamente para as minorias de pensamento ou de condição, sem poder ou sem apoio da maioria.) Quando alguém diz que propaganda nazista ou supremacista deve ser banida está ancorado no Paradoxo da Tolerância, redigido em 1945, 3 anos antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10.12.1948).

https://pt.wikipedia.org/wiki/Paradoxo_da_tolerância#:~:text=O%20Paradoxo%20da%20tolerância%20é,leva%20ao%20desaparecimento%20da%20tolerância.

A Lei Nacional Antipreconceitos parece-me também inspirada no Paradoxo da Tolerância. Post meu de 15.11.2012:

https://jornalggn.com.br/…/a-lei-nacional…/

“Guerras Culturais” é um termo guardachuva cunhado pela direita dos EUA para motivar os eleitores conservadores. Jornalistas, políticos e outros influenciadores (geralmente, mas não exclusivamente) desse campo usam para criar um clima artificial de confronto, mas, na verdade, trata-se apenas da resistência deles para discutir Teoria Racial Crítica, reformulação das polícias, casamento igualitário, direitos humanos para pessoas trans, direitos reprodutivos e despenalização de substâncias.

Nesse processo são também cunhados vários termos-espantalho, como “Cultura do Cancelamento”, “Social Justice Warriors”, “Snowflakes” (floquinhos), “Lacração”, “Marxismo Cultural”, “Racismo Reverso”, “Globalismo”, “Pinkwashing”, etc. Quem observa no tempo nota que em vários casos são a mesma coisa, apenas tentativas de reavivar a narrativa com nomes novos para velhos fantasmas. A função desse recurso retórico é a autovitimização, ou seja, criar nos leitores ou espectadores a falsa impressão de que quem nega direitos para minorias ou vulneráveis estaria de algum modo sendo a parte ameaçada, perseguida ou censurada.

Nestes tempos de fake news essa estratégia frequentemente cola (ou é popular) porque as pessoas ainda não formaram o hábito de fazer a crítica do que recebem em redes sociais. Não verificam como pares na mídia ou academia avaliam os discursos. E também porque não estão dispostas a questionar se o conceito exposto/recebido coincide com suas esperanças.

Mas é fácil fazer um teste rápido. Quando alguém se referir pejorativamente a algo vindo de militância social podemos fazer algumas perguntas simples: “Quem falou ou fez isso?” “A pessoa é realmente representiva de seu grupo?” “Isso é ilegal ou causa dano?” “Isso prejudica algum direito humano ou civil?” “Alguém foi processado por isso?” “A demanda da pessoa ou da ONG é válida?” “Você está criticando apenas por gosto ou para defender um privilégio?” “Quem teria interesse em que a norma não mude?”.

(Obs.: criar espantalho é uma técnica de comunicação que consiste em pegar alguma parte do discurso do antagonista, que potencialmente (mas não necessariamente) seria negativa ou impopular, e, ao modo de uma caricatura, atribuí-la ao todo desse discurso. https://pt.wikipedia.org/wiki/Falácia_do_espantalho )

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Redação

1 Comentário

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  1. Caro Gunter. Que bom vê-lo de volta com uma excelente compilação e explicação de termos e ‘expressões espantalho’ cunhadas pela extrema direita. Recentemente eu estava fazendo reflexão bastante similar. Termos como: “ideologia de gênero”, “feminazi”, “kit gay”, “esquerda caviar”, “cristofobia”, etc. servem apenas para dar um verniz supostamente intelectual ao vazio mental proveniente da direita. Na falta de argumentos consistentes, lançam mão de “marcas”, registradas ou não. O objetivo parece ser o de partir para o ataque na suposição de que “a melhor defesa é o ataque”. Acredito que isso é uma confissão da fraqueza intelectual na qual se encontram.

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