Vim, Vi, Venci e Fugi, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Vim, Vi, Venci e Fugi

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Quando era jovem trabalhei numa metalúrgica que tinha quatro seguranças, que vou aqui chamar de Vim, Vi, Venci e Fugi.

Vim era um nordestino boa praça que cuidava da entrada dos empregados. Um verdadeiro cão de guarda dos cartões e do relógio de ponto. Geralmente era alegre, mas tendia a ser um pouco autoritário com os operários menos qualificados. Quando bebia uma pinga no botequim ao lado da fábrica, Vim ficava valente. Qualquer coisa o fazia levar a mão ao revolver. Então eu corria a chamar o chefe da segurança, a única pessoa capaz de acalmar o cabra antes dele meter bala nas ventas de alguém por qualquer agravo imaginário.

Vi era um negro sorridente que cuidava da portaria do prédio administrativo da empresa. Ele não usava o revolver da empresa, preferia usar o 38 cano longo niquelado que orgulhosamente portava onde quer que fosse. Vi tinha uma mania terrível. De vez em quando ele fazia roleta russa com seu revolver. Se alguém estivesse desatento ele fazia roleta russa nessa pessoa e ria até se fartar quando a vítima quase morria de susto. Eu suspeitava que ele usava uma munição da qual havia retirado a pólvora, mas o diabo é que a mesma nunca picotava a espoleta quando ele fazia roleta  russa.

Venci era o vigilante da noite. Ele tinha cor de cera, trabalhava usando um revolver e uma espingarda calibre 22 com pente e ferrolho. Quase toda semana o relatório dele acusava 2 ou 3 disparos da espingarda em pessoas que tinham tentado invadir e roubar a fábrica. Ninguém brincava com aquele homem sisudo na presença dele. Mas quando ele não estava fazíamos piadas sobre os fantasmas que ele não tinha conseguido matar e que retornavam para assombrar ele de vez em quando.

Fugi cobria o horário de almoço de Vim na portaria dos empregados e o de Vi na portaria dos escritórios. Ele também cobria as folgas de Venci a noite. O restante da jornada dele ele era cumprida na portaria da administração. Alto e bonitão, Fugi vivia na pindaíba, pois não recebia nem ½ do salário. Quase tudo que ele ganhava virava pensão alimentícia dos filhos que ele havia tido, três cada um de uma mãe diferente. Um quarto filho estava por vir quando ele separou da última mulher.

Quatro homens, quatro universos distintos. Vim, Vi, Venci e Fugi representam perfeitamente o Brasil em que fomos obrigados a viver em virtude das brincadeiras de Aécio Neves.

O golpe de 2016 deixou alguns, como Bolsonaro e seus seguidores, totalmente embriagados. Ao menor agravo real ou imaginário eles seguram suas pistolas no Facebook e prometem meter bala nas ventas dos seus inimigos. A Polícia Federal deve começar a fazer o papel do chefe da segurança daquela empresa em que eu trabalhei. Caso contrário eles vão começar a matar e a morrer de verdade.

O submarino nuclear da Marinha afundou antes de ser concluído. O MPF quer derrubar os caças da Aeronáutica com munição processual explosiva. Sem dúvida em algum momento os procuradores começarão a colocar areia nos motores dos novos tanques do Exército. Como Vi, as Forças Armadas fazem roleta russa com munição viva desde que a Lava Jato enveredou pela política e resultou num golpe de estado que vai desarmar o Brasil.

A imprensa segue tentando matar Lula. Mas o desgraçado não morre. Ele renasce cada vez mais popular e próximo da presidência para o desespero dos jornalistas. Como Venci, os inimigos de Lula não conseguem entender uma verdade essencial: é impossível matar um fantasma a tiros.

Os empresários que apoiaram o golpe e que em troca ganharam uma depressão econômica são duplos de Fugi. Eles ficaram na pindaíba. A paternidade do golpe não pode ser negada e cobrará uma pensão alimentícia terrível dos empresários. Além das dívidas que tinham verão outra nascer e crescer sem ter condições de arcar com todos seus compromissos. Eles são gostosões, mas ser gostosão não é tudo. Previdência e camisinha ajudariam Fugi antes que ele efetivamente tivesse que fugir dos filhos que ele mesmo fez.

Vim, Vi, Venci e Fugi pensavam que eram essenciais para o funcionamento da fábrica. Todavia, a metalúrgica funcionava perfeitamente apesar da existência deles. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

8 Comentários

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  1. Caramba Fábio! A leitura foi
    Caramba Fábio! A leitura foi muito agradável e legal,valeu,pelo q vc escrevia aqui nunca imaginei q poderia colocar um artigo tão sensível e conclusivo

  2. Boa Fábio, sempre em conexão

    Boa Fábio, sempre em conexão com  realidade do país. A maior roleta russa é a da banca. Essa pode explodir a fábrica.

  3. Excelente crônica

    Excelente crônica, uma metáfora perfeita para certos tipos e atitudes que já estamos fartos de tanto ver por aí.

  4. Excelente

    Excelente metáfora pois o Brasil de hoje não é diferente de um chão de fábrica: bonita e moderna em aparência, explosiva e arcaica por dentro.

    1. Pois é Brnca, ainda que

      Pois é Brnca, ainda que metaforizando e surfando na doce onda soprada pelo Fábio, cheguei a enxergar o seu “chão de fábrica” cheio de estrelas, tal qual o descrito por Orestes Barbosa.

      Orlando

      Minha vida era um palco iluminado
      Eu vivia vestido de dourado
      Palhaço das perdidas ilusões
      Cheio dos guizos falsos da alegria
      Andei cantando a minha fantasia
      Entre as palmas febris dos corações

      Meu barracão no morro do Salgueiro
      Tinha o cantar alegre de um viveiro
      Foste a sonoridade que acabou
      E hoje, quando do sol, a claridade
      Forra o meu barracão, sinto saudade
      Da mulher pomba-rola que voou

      Nossas roupas comuns dependuradas
      Na corda, qual bandeiras agitadas
      Pareciam um estranho festival
      Festa dos nossos trapos coloridos
      A mostrar que nos morros mal vestidos
      É sempre feriado nacional

      A porta do barraco era sem trinco
      Mas a lua, furando o nosso zinco
      Salpicava de estrelas nosso chão
      Tu pisavas nos astros, distraída
      Sem saber que a ventura desta vida
      É a cabrocha, o luar e o violão

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