Uma jovem senhora na presidência do Federal Reserve

Jornal GGN –Uma coisa é certa: na casa de Janet Yellen, fala-se muito, exageradamente, sobre economia, do nascer ao por do sol. Não era para menos: a nova presidente do Federal Reserve norte-americano é casada com ninguém menos que o prêmio Nobel da matéria de 2001, George Arthur Akerlof e, com ele, tem dois filhos.

Mas conversas em casa sobre câmbio, taxas e reformas devem diminuir muito: a sucessora de Ben Bernanke terá muito o que dizer (e fazer) ao sentar-se na cadeira mais sedutora (e temida) da economia do planeta.
 
Evaldo Alves, professor da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), acompanhou de perto todo o processo que levou Yellen ao topo da autoridade monetária nos Estados Unidos e conta alguns bastidores – além de fazer suas previsões – do mandato da primeira mulher à frente do Fed, a partir de 1 de fevereiro.
 
O senhor poderia, primeiramente, identificar as diferenças entre o banco central americano e o brasileiro, para nossos leitores? É importante falarmos sobre como funciona essa estrutura, tão diferente da nossa.
 
Nos Estados Unidos, o sistema financeiro e a política monetária são muito diferentes. Aqui, temos um presidente da instituição indicado pelo presidente da república aprovado pelo Senado e o BC funciona como uma autarquia federal. A forma de escolher o executivo é, de fato, nossa única semelhança com eles. A partir daí, muda tudo: os presidentes regionais de cada um dos bancos centrais existentes são bancos, representados por seus executivos, que compraram ações do Fed em seus estados, já que é uma sociedade por ações. 
 
Yellen já pertenceu ao conselho de uma dessas “filiais” do Fed, certo?
 
Ela é competente, experiente e já tinha cargo no Fed antes mesmo da vice-presidência com Bernanke [atuou como membro do Conselho de Governadores do Sistema da Reserva Federal até fevereiro de 1997, quando abandonou o posto de professora da Universidade de Berkeley, em 1994]. Conhece o metiê. Tem ideias próprias, é muito profissional, passou parte da vida dela cuidando disso. Não será nenhuma novidade para ela, que nem se preocupará, nem ficará perplexa com nada do que verá ao sentar-se naquela cadeira.
 
 
Sabemos que Yellen é praticamente uma discípula de Ben Bernanke, o quase ex-presidente do Fed. Podemos esperar algo surpreendente em sua gestão mesmo assim?
 
 
Mais que discípula, ela é uma competente e experiente banqueira, tem ideias próprias, embora todos achem que a linha de comando deverá permanecer a mesma. No entanto, existem algumas diferenças que precisam ser avaliadas.
 
Quais são elas?
 
Bernanke é professor, pesquisador, seu doutorado foi em política monetária. Para estimular a economia americana, desenvolveu e implementou a estratégia pós-crise do governo americano de comprar títulos do tesouro injetando dinheiro em troca de papéis. Com isso, a moeda desvaloriza, os produtos ficam mais baratos e competitivos no mercado internacional, sem precisar aumentar produtividade. Veja: eles nem inventaram a roda, não. O Brasil fez isso nos anos 30 e 50, é um remédio para a economia. Mas como toda medicação, começamos a ter o efeito colateral: a inflação. Yellen assume no momento crucial de retirada desse tratamento para a economia americana adoecida. Ela pode fazer isso brusca ou paulatinamente, mudando os rumos da economia em muitos países, em especial os emergentes. E isso pode criar, de cara, algumas restrições em relação a ela, caso opte por cortar os estímulos de imediato, como primeira decisão de mandato
 
E neste caso, como fica o Brasil?
 
Perderá investidores para eles, claro, já que terão sua moeda valorizada. Nossos produtos terão mais dificuldade lá fora. Mas isso afetará todos os países emergentes? Em termos, pois a China atrelou sua moeda ao dólar e deve sofrer menos, por exemplo. Nós, em compensação, dependemos de insumos importados e vamos sofrer com o câmbio. Em resumo, quanto mais agressiva for esse fim da era de compra de títulos pelo Fed, mais complicado para a nossa economia. E não vamos nos iludir: ela é competente, conhece o mercado, saberá o que está fazendo, mas jamais tomará uma atitude benevolente pensando na economia mundial. Prioridade dela é a recuperação americana.
 
O senhor aposta em quanto tempo para que a Sra. Yellen finalmente encerre a temporada de estímulos à economia americana?
 
Acredito que ela, por não ser nenhuma novata e também não querer prejudicar a indústria americana, não agiria por impulso e esse “remédio” deverá ser retirado, aos poucos, nos próximos seis ou sete meses ainda. Nada muito rápido. Mas veja: a aposta é minha, a caneta é dela.
 
 
Se Yellen é tão competente e experiente, por que o presidente Barack Obama ficou resistente em relação à indicação?
 
Ele queria [Lawrence] Summers, que era bem mais próximo e de sua confiança. Mas por antipatias no congresso e também no senado, Obama percebeu que era melhor optar pela “operadora” Yellen e não causar mal estar para seus aliados e adversários. Ao contrário de Bernanke, que é um acadêmico, e de Summers, quase um relações públicas do presidente.
 
 
Ela deve encontrar resistência dos colegas por ser mulher ou a primeira mulher?
 
Estamos falando da sociedade americana, onde as grandes presidentes de corporações são mulheres, eles se importam com isso muito menos que nós. Podemos inclusive esperar uma mulher já para as próximas eleições à presidência, creio. A disputa lá é setor produtivo, que quer manter o benefício contra o setor monetário, o sexo de quem comanda pouco importa.
 
 
Por que os americanos preferem pessoas mais velhas em cargos de comando como o de Yellen, que tem 67 anos?
 
Nossa cultura local admite pessoas inexperientes, porém jovens, em cargos de liderança. É do brasileiro acreditar na força jovem de trabalho, mesmo que isso custe alguns erros, debates exagerados e até brigas. Lá, o que conta mesmo é a experiência, a vivência, o tempo de envolvimento com o tema e com o setor.
 
Os quase 30 votos que Yellen teve contra sua nomeação podem atrapalhá-la de alguma maneira durante seu mandato?
 
Prefiro falar é dos quase 60 que ela obteve para ser eleita, o que significa uma enorme vitória, no momento em que o congresso americano está dividido por conta da briga de partidos. Ela conseguiu muitos votos de republicanos para chegar onde chegou – o que é um êxito.
 
Redação

1 Comentário

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  1. Que salada!

    “Perderá investidores para eles (EUA), claro, já que terão sua moeda valorizada. Nossos produtos terão mais dificuldade lá fora”

    Uai, mas se o US$ se valorizar os produtores brasileiros vão ter menos (não mais) dificuldade lá fora. Pelo menos é assim que funcionou nos meus 30 anos de vida profissional vendendo produtos industrializados brasileiros mundo afora…

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