Michel Aires
Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.
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A narrativa bolsonarista nessas eleições, por Michel Aires de Souza Dias

Narrativa do atual governo precisa criar falsa consciência da realidade para convencer indivíduos sobre seu projeto de poder

Foto: Tania Rego/Agência Brasil

Por Michel Aires de Souza Dias[1]

Nessas eleições há duas narrativas, a primeira é fundamentada nos verdadeiros interesses da população: na igualdade de condições e oportunidades, no combate à pobreza e à fome, na justiça social, no respeito à diversidade e no fortalecimento da democracia. A segunda é  uma falsa narrativa, pois é ideológica, antidemocrática, neofascista, fundamentada em uma falsa representação da realidade, cujo objetivo é a manipulação psicológica das massas.

A direita neoliberal representada hoje pelo governo Bolsonaro não possui uma narrativa que contemple os interesses da população.  Ela precisa criar uma ilusão na cabeça das pessoas para levar a cabo sua política excludente. Ela precisa criar uma falsa consciência da realidade para convencer os indivíduos de seu projeto de poder.

Incapaz de oferecer um projeto de nação, a narrativa bolsonarista se fundamenta no ódio, no maniqueísmo, na luta do bem contra o mal. É um tipo de discurso que mistura  messianismo, anticomunismo, guerra cultural e militarização da sociedade.

 Todo cidadão médio instruído sabe que, historicamente,  as políticas neoliberais sempre foram devastadoras para a classe trabalhadora e para os mais pobres. Desde a sua origem, o Estado neoliberal reduziu seu papel na economia e os investimentos nas políticas públicas. O resultado disso foi o fim da proteção social que o trabalhador tinha até então no Estado de bem-estar social.

Com uma maior precarização do trabalho, devido a reestruturação produtiva, o indivíduo teve que encarar sozinho o desemprego, o subemprego,  as grandes exigências de qualificação e a grande concorrência do mercado de trabalho. Houve também uma enorme concentração de renda; aumento da fome e da miséria; diminuição dos gastos públicos com saúde e educação;  acirramento das lutas sociais e intensa repressão aos movimentos populares.

Como é impossível a direita neoliberal convencer a população com argumentos racionais, uma vez que sua política econômica destrói os direitos sociais, precariza as relações de trabalho e aumenta as desigualdades, então sua ação se volta a manipulação psicológica. O neoliberalismo mobiliza processos irracionais, afetivos e inconscientes, guiando os indivíduos para  seus fins políticos e econômicos.

Como afirma Safatle (2020), a ideia de que o neoliberalismo não intervém na sociedade é totalmente falsa. De fato, não se trata mais da intervenção na esfera da coordenação da atividade econômica. Se trata muito mais de uma intervenção direta nas configurações dos conflitos e na estrutura psíquica dos indivíduos. Nesse sentido, o neoliberalismo é mais do que um modelo econômico, ele é uma engenharia do social.

O que caracteriza a dominação neoliberal é que ela cria uma  atmosfera de agressividade irracional, ao mobilizar processos psicológicos e afetivos. O grande objetivo é canalizar as frustrações dos indivíduos, causadas por uma realidade injusta e excludente, para fins políticos. Os neoliberais  manipulam os impulsos afetivos e agressivos para  atacar toda política ou discurso contrárias às políticas neoliberais.   

Não é casual que todo bolsonarista está sempre cheio de ódio e agressividade. Nesses últimos anos,  vimos  uma ofensiva ideológica da extrema direita contra o Bolsa família,  contra as cotas nas universidades, contra os movimentos populares do sem-teto e dos sem-terra, contra os homossexuais, contra a “ideologia” de gênero, contra professores acusados de doutrinação, contra os museus de arte, contra a lei Rouanet, contra a cultura e, ultimamente, contra as vacinas e as ciências.

A personalidade Bolsonarista, semiformada culturalmente, em vez de atacar uma sociedade fria, injusta e violenta, canaliza seu ódio para a Democracia. O problema é que essa violência muitas vezes é canalizada para os mais oprimidos e frágeis na hierarquia social: os pobres, os sem-teto, os homossexuais, os nordestinos e os precarizados.  

Em uma sociedade cada vez mais globalizada e administrada pelo capital, a ofensiva neoliberal de produzir tensões pela manipulação psicológica das massas rendeu frutos. Vimos uma onda conservadora pelo mundo nos últimos anos.

Tornou-se comum a subida ao poder de governos com tendências autoritárias, tais como Donald Trump (EUA), Recip Erdogan (Turquia), Viktor Orban (Hungria), Duterte (Filipinas), Modi (India). Todos eles com um discurso conservador, contrário aos direitos humanos, que despreza a democracia e ataca as minorias.

Com as políticas neoliberais se corrobora as teses de dominação e organização das massas feitas por Foucault (sociedade disciplinar), Deleuze (sociedade do controle), Gramsci (hegemonia cultural), Althusser (aparelhos ideológicos do Estado), Adorno (sociedade disciplinar).

Hoje, uma grande parcela da população possui uma personalidade conservadora e autoritária, pois esse caráter é estimulado  por diversos canais como a televisão, os jornais, a internet e as redes sociais. Para o sociólogo Octavio Ianni, o neoliberalismo não é apenas uma doutrina socioeconômica que preconiza os antigos valores do liberalismo clássico, mas ele representa, antes de tudo, formas de socialização que “implica a crescente administração das atividades e ideias de indivíduos e coletividades” (IANNI, 1998, p. 112).

Nesse sentido, o neoliberalismo retoma as ideologias e as práticas nazifascistas, que produz tensões, contradições e o ódio de classe, com o objetivo de condicionar a dinâmica da economia e da reprodução ampliada do capital: “Essa tem sido e continua ser a fábrica de tensões, fragmentações e contradições, na qual se produzem e reproduzem os grupos e as classes subalternas, as subclasses, o desemprego estrutural, o pauperismo e a lumpenização. Daí as reivindicações, os protestos e as lutas sociais, com frequência mesclados de etnicismo, xenofobias, racismo, sexismo, fundamentalismo e outras expressões das desigualdades sociais multiplicadas pelo mundo afora”  (IANNI, 1998, p. 113).

É comum vermos líderes políticos neoliberais afirmarem o seu compromisso com os valores democráticos, com os direitos constitucionais e com o livre mercado. Contudo, na prática o que vemos é o autoritarismo ao se retirar direitos sociais, ao se acabar com políticas públicas, ao se excluir as minorias do debate público. Nesse sentido, o neoliberalismo é excludente e autoritário,  “a verdade é que sua ‘religião’ é o nazifascismo” (IANNI, 1998, p. 114).

Para Ianni (1998), o nazifascismo aparece como um produto extremo e exacerbado das mesmas relações de poder características da sociedade mundial administrada em moldes neoliberais. Desse modo, o neoliberalismo produz as desigualdades, as tensões e as contradições que atravessam as sociedades contemporâneas. 

Referências

IANNI, Octávio. Neoliberalismo e nazifascismo. Crítica Marxista, São Paulo,  nº7, p. 112-121, 1998.

SAFATLE, Vladimir; JUNIOR,  Nelson da Silva; DUNKER,  Christian Dunker (orgs.). Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte, Autêntica, 2020.


[1] Michel Aires de Souza Dias é Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP)

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Michel Aires

Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.

3 Comentários

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  1. Gostei muito do artigo do Professor Doutor Michel que traz clareza aos que querem identificar as reais intenções deste governo bolsonarista.

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