O fim de uma era no Oriente Médio

Clique aqui e acesse a versão original do artigo – B.E., Before Egypt. A.E., After Egypt. de Thomas Friedman, publicado no The New York Times

Do Diário do Comércio

Tempestade a caminho de Israel

A revolta popular no Egito infligiu a sensação desorientadora de choque e pavor na alma do establishment de Israel. 

Thomas L. Friedman – 2/2/2011 – 20h41

Encontro-me com um general israelense reformado em um hotel em Tel-Aviv. Assim que me sento, ele começa a conversa dizendo: “Bem, tudo o que pensamos nos últimos trinta anos não é mais relevante”.

Isso resume muito bem a sensação desorientadora de choque e pavor que a revolta popular no Egito infligiu na alma do establishment de Israel. O acordo de paz com um Egito estável foi o fundamento implícito para toda política econômica e geopolítica em Israel nos últimos trinta e cinco anos. E agora essa situação desapareceu. É como se os norte-americanos acordassem repentinamente e vissem o Canadá e o México afundando em tumultos, ambos no mesmo dia.

Tudo”Tudo o que ancorava nosso mundo agora está solto”, observou Mark Heller, um estrategista da Universidade Tel-Aviv. “E isso está ocorrendo no exato momento em que a nuclearização da região paira no ar.”

É uma época perigosa para Israel e sua ansiedade e compreensível. Mas receio que Israel consiga tornar a situação ainda mais perigosa se sucumbir ao argumento – que se escuta atualmente vindo de várias autoridades israelenses importantes – de que os acontecimentos no Egito provam que Israel não pode fazer um acordo de paz duradouro com os palestinos. É errado e arriscado.

Sem dúvida, Hosni Mubarak, aliado há muito tempo de Israel, merece toda a raiva dirigida contra ele. A melhor hora para se tomar uma decisão grande e difícil é quando se está com sua força máxima: pensa-se e age-se mais claramente. Nos últimos vinte anos, Mubarak teve todo o poder que podia desejar para reformar, de verdade, a economia do Egito e montar um centro político legítimo, moderado, para preencher o vazio entre seu Estado autoritário e a Irmandade Muçulmana. Mas Mubarak manteve deliberadamente o vácuo político entre ele e os muçulmanos para que pudesse sempre dizer ao mundo: “Sou eu ou eles”. Agora ele está tentando uma reforma feita em pânico, sem nenhum poder. Tarde demais.

Porém, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, corre o risco de se tornar o Mubarak do processo de paz. Israel nunca teve tanta influência em comparação aos palestinos e nunca teve parceiros palestinos tão responsáveis. Mas Netanyahu encontrou todas as desculpas para não pôr um plano de paz na mesa. Os norte-americanos sabem disso. E graças ao trabalho horrível que faz a TV Al-Jaeera, do Catar, divulgando (fora de contexto) todas as concessões palestinas – para embaraçar a liderança palestina – atualmente está claro para todos o quão longe os palestinos foram.

Não, eu não sei se essa liderança palestina tem a coragem de fechar um acordo. Mas sei disso: Israel tem um interesse irresistível de ir mais um quilômetro à frente para testá-la.

Por quê? Com os líderes do Egito e da Jordânia correndo para reorganizar seus governos, num esforço de se antecipar às ruas, duas coisas podem ser ditas com certeza: aconteça o que acontecer nos dois países árabes que têm acordos de paz com Israel, os secularistas moderados que tinham o monopólio do poder vão ficar mais fracos – e a Irmandade Muçulmana, antes proibida, ficará mais forte. Mas o quanto, continua incerto. 

Assim, é praticamente certo que o próximo governo egípcio não terá a paciência ou o espaço que Mubarak teve para manobrar com Israel. O mesmo acontece com o novo gabinete jordaniano. Não se enganem: o conflito israelense-palestino não tem nada a ver com o surgimento das manifestações no Egito e na Jordânia, mas as relações entre israelenses e palestinos serão impactadas pelos eventos nos dois países.

Se Israel não fizer um esforço concentrado para obter um acordo com os palestinos, o próximo governo egípcio “terá de se distanciar de Israel, porque ele não vai ter a jogada de manter a relação próxima que Mubarak tinha”, afirma Khalil Shikaki, um pesquisador palestino. Com as grandes mudanças políticas na região, diz ele, “se Israel continuar paranoico, messiânico e ganancioso, vai perder todos seus amigos árabes”.

Para falar de uma forma direta, se os israelenses dizem a si mesmos que as manifestações no Egito provam que Israel não pode fazer um acordo de paz com a Autoridade Palestina, então eles vão falar para si mesmos em se tornar um Estado apartheid. Vão falar em absorver permanentemente a Cisjordânia, deixando assim as sementes para uma maioria árabe governada por uma minoria judaica entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão.

O que a confusão no Egito também mostra é o quanto Israel está cercado por uma gigantesca população de jovens árabes que têm vivido à margem da história – isolados das grandes tendências mundiais pelo petróleo e pela autocracia. Mas isso acabou.

“Hoje a legitimidade tem de ser baseada naquilo que você entrega”, explicou-me o primeiro-ministro palestino, Salam Fayyad, num escritório em Ramallah. “Foram-se os dias nos quais se podia dizer: negociem comigo, porque os outros caras são piores”.

Desisti do gabinete de Netanyahu e supliquei aos Estados Unidos que se afastassem dele. Mas isso aconteceu A.E. – Antes do Egito. Hoje acredito que o presidente Barack Obama deve pôr o seu próprio plano de paz na mesa, com as posições israelenses e palestinas, e pedir que os dois lados negociem baseados nele, sem nenhuma pré-condição.
É vital para o futuro de Israel – em um momento em que já existe uma campanha global para deslegitimar o Estado judeu – que ele se desenrole das questões árabes o quanto for possível. Uma enorme tempestade está chegando, Israel. Saia do caminho. 

Thomas L. Friedman é colunista do New York Times e três vezes ganhador do Prêmio Pulitzer
Tradução: Rodrigo Garcia 

Luis Nassif

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