Lynch compara governo Bolsonaro ao do presidente Hermes, por querer castrar STF

O Cientista político explica como o projeto de castração do STF caiu no esquecimento e o que deve acontecer com o projeto de emenda constitucional atual

Foto: Marcello Casal/STF

por Christian Lynch

Centrão elabora PEC para anular decisões não unânimes do Supremo. É inacreditável, mas os governistas de hoje só repetem um precedente de seus bisavôs, em uma situação quase idêntica de um governo muito semelhante ao de Bolsonaro.

Em 1910-1914, houve o governo eleito mais parecido com o de Bolsonaro, que foi o do marechal Hermes. Surgido da eleição mais polarizada que a República tivera, ela marcara o retorno do Exército como protagonista política e a reorganização dos partidos em situação e oposição.

O governo Hermes foi um desastre total desde o início, marcado pelo desastre econômico, massacre e deportação de opositores, o arbítrio militar na administração, com derrubada de governadores da oposição, inépcia governamental.

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O governo enfrentou a oposição liberal civilista comandada por Rui Barbosa com apoio de jornais da oposição. Hermes seguidamente perseguiu essa imprensa e decretou estado de sítio sem causa, para reprimir a oposição e tentar chegar ao fim do próprio desgoverno.

Além da oposição de Rui e dos governadores que buscou substituir por militares, Hermes encontrou no STF sua principal pedra no sapato institucional. O Tribunal mais de uma vez o contrariou em questões políticas, levando o presidente a DESCUMPRIR acórdãos daquele tribunal.

Apoiado por sua base governista formada de militares e políticos conservadores chefiados por Pinheiro Machado (o dono do centrão da época), Hermes resistia ao STF alegando – adivinhem – que as decisões do tribunal eram inconstitucionais e violavam a autonomia do executivo.

Os governistas no Congresso diziam que as decisões do STF, inspiradas por Rui e capitaneadas pelo ministro Pedro Lessa, eram “ativistas”, eram “politização da justiça”, violando a separação de poderes que garantia autonomia do congresso e do governo na repressão e no desgoverno.

Em 1914, para intimidar o STF, o líder do governo no senado, João Luiz Alves, elaborou um projeto instituindo a tutela do Legislativo sobre o Judiciário. As decisões declaratórias de inconstitucionalidade do STF poderiam ser anuladas pelo Senado!

Ou seja, exatamente o que o Centrão está fazendo hoje.

O projeto absurdo e – este sim – contrário à separação dos poderes foi atacado por Rui Barbosa em discurso de posse na presidência do IAB, intitulado “O papel do STF na Constituição”. Ali ele o denunciou como um monstrengo que o próprio STF poderia derrubar como inconstitucional.

Ruy escreveu: “A investida reacionária da nulificação da justiça, que se esboça no grandioso projeto de castração do Supremo Tribunal Federal, tem por grito de guerra, conclamado em brados trovejantes, a necessidade, cuja impressão abrasa os peitos à generosa coorte, de pôr trancas ao edifício republicano contra a ditadura judiciária. É a ditadura dos tribunais a que enfia de terror as boas almas dos nossos puritanos. Santa gente! Que afinado que lhes vai nos lábios, onde se tem achado escusas para todas as ditaduras da força, esse escarcéu contra a ditadura da justiça! Os tribunais não usam espadas. Os tribunais não dispõem do Tesouro. Os tribunais não nomeiam funcionários. Os tribunais não es- colhem deputados e senadores. Os tribunais não fazem ministros, não distribuem candidaturas, não elegem e deselegem presidentes. Os tribunais não comandam milícias, exércitos e esquadras. Mas, é dos tribunais que se temem e tremem os sacerdotes da imaculabilidade republicana. Com os governos, isso agora é outra coisa. Das suas ditaduras não se arreceia a democracia brasileira. Ninguém aqui se importa com as ditaduras presidenciais. Ninguém se assusta com as ditaduras militares. Ninguém se inquieta com as candidaturas caudilhescas. Ninguém se acautela, se defende, se bate contra as ditaduras do Poder Executivo”.

E a respeito do projeto do centrão, Rui escreveu: “Não se conhece, por toda a superfície do globo civilizado, nação nenhuma, em cuja legislação penetrasse a ideia, que só ao demônio da política brasileira podia ocorrer, de criar fora da justiça, e incumbir à política uma corregedoria, para julgar e punir as supostas culpas do tribunal supremo no entendimento das leis (…). Um regímen que desse a um tribunal a incumbência de negar validade às leis inconstitucionais, e, ao mesmo tempo, reconhecesse ao corpo legislativo o direito de proceder contra as sentenças desse Tribunal, considerando-as como atentados contra a legislatura, seria a vesânia organizada. (…) A política brasileira fez do Congresso Nacional um laboratório de atentados e o homizio dos crimes do Poder Executivo.

Verificado isso, os reivindicadores da própria irresponsabilidade e os acobertadores da irresponsabilidade presidencial arvoram-se a si mesmos em aplicado res de uma responsabilidade judiciária até agora ignota, destinada a emancipá-los da justiça”

Como terminou a história? As forças políticas abandonaram a polarização e afastaram os militares. Elegeram um terceiro, Venceslau Brás, espécie de Pacheco da época, que restabeleceu a antiga rotina institucional.

Em suma, com o fim do governo Hermes, o projeto de castração do STF caiu no esquecimento. E será provavelmente o que acontecerá com esse teratológico projeto de emenda constitucional atual, proposto pelos hermistas de hoje.

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