A Política Nacional de Recursos Hídricos

Dia Mundial da Água: Consórcios devem ser ampliados

Por Bruno de Pierro
Da Agência Dinheiro Vivo 

Após a divulgação, ontem à tarde, do Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água, segundo o qual mais da metade dos municípios brasileiros podem sofrer de déficit no abastecimento em 2015, caso não se invista R$ 22 bilhões na produção de água, o Brasilianas.org conversou com o superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), Ney Maranhão, um dos responsáveis pela coordenação do extenso levantamento.

Diante do quadro apresentado no estudo, que pode ser consultado aqui, levante-se o debate sobre a efetividade da Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei nº 9.433 (conhecida por “lei das águas”) em 1997. A medida foi baseada no modelo francês e permite a gestão participativa e descentralizada dos recursos hídricos. A lei, que completou 14 anos em janeiro, também estabelece mecanismos de pagamento e a criação de bacias hidrográficas, cuja cobrança pelo uso das águas é feito por comitês, alguns deles interestaduais.

Com o alerta da ANA, o passo seguinte é consolidar as cobranças, integrar os responsáveis pela produção de água no país e fortalecer os comitês técnicos. Na entrevista, Ney Maranhão explica as bases do atlas e quais os principais problemas que devem ser enfrentados. Acompanhe.

Brasilianas.org – O problema do desabastecimento, anunciado esta semana, é de falta de água ou de distribuição?

Ney Maranhão – O problema não é falta de água. O atlas se preocupou exatamente com essa pergunta. Pode existir uma situação em que não tenhamos água para poder abastecer? O atlas usou um método de análise que olhou para os municípios em 2015. E o que se observou é que 16% dos municípios tinham problemas com manancial. Identificamos novas fontes de captação, ou seja, novos mananciais compatíveis com essas necessidades, mas não só apenas para 2015, mas já pensando para 2025.

O levantamento também direciona obras necessárias e quantifica. E a boa notícia é que para todos os municípios foram identificados mananciais capazes de atendê-los. Outro ponto foi que 55% dos municípios teriam alguma deficiência em 2015; assim, identificamos o que é preciso fazer.

O que significa investir em produção de água?

O chamado sistema de abastecimento de água se divide em dois grandes subsistemas. Um chamado sistema de produção, que vai desde a captação de água bruta no rio ou no lago à condução de água até a proximidade do centro de consumo, que á a cidade. Nesse momento, a água ainda é bruta, que só depois vai ser tratada numa estação de tratamento.

Depois, tem o subsistema de distribuição, que consiste num reservamento de água, já tratada, e na rede de distribuição da cidade (que pode ser estação elevatória, ramais etc.), que vai colocar a água tratada na torneira do cidadão. O atlas tratou somente da produção – ele identifica o manancial e a infraestrutura que está sendo usada para entregar água tratada na porta da cidade, que depois vai para a distribuição.

Os R$ 22 bilhões necessários para evitar o desabastecimento devem vir de onde?

Como fontes possíveis, posso citar o Orçamento Geral da União, o orçamento dos Estados, recursos da cobrança, que já tem sido usados para obras e alavancar financiamentos, e até financiamentos internacionais. Muitos municípios já investem regularmente em saneamento, principalmente na manutenção. Se você somar cinco mil municípios que coloquem R$ 500 mil por ano, dá uma boa ajuda também.

A erradicação da miséria é uma prioridade do governo federal hoje. Por meio do Ministério do Planejamento, vai se capitanear esse esforço para colocar os recursos orçamentários, em conjunto com o Ministério das Cidades e a FUNASA.

Queria destacar também o PRODES, o Programa de Esgotos Tratados da ANA, que será mais estimulado neste ano. Ontem mesmo (22/03), houve a assinatura de uma resolução, abrindo a chamada de projetos para serem financiados.

O problema está na forma como estão sendo aplicados os recursos e nos mecanismos de integração entre Estados e municípios? Fazendo um paralelo com outros setores, como na Saúde, há a necessidade de redes interestaduais, intermunicipais?

Sim, consórcios intermunicipais também. Isso é possível sim. Na Bacia do Rio Doce, estamos estimulando a formação de consórcios, levando em conta o interesse dos municípios. Mas deixa-me colocar um raciocínio nessa direção. Primeiro, a preocupação do atlas foi, junto com as companhias estatais, as concessionárias dos municípios, fazer exatamente esse grande inventário.

Com as informações nas mãos, vamos começar a fazer duas engenharias: financeira, capitaneada pelo Ministério do Planejamento, acredito, e outra, de capacitação técnica, de realizações de projetos, integrações dos diversos níveis. Vamos mobilizar e estimular os Estados a conversarem com os municípios, para organizar consórcios intermunicipais. O próprio comitê é um importante parceiro na destinação dos recursos. Ele pode estimular as prefeituras que estão dentro essa formação de consórcios. Vamos entrar agora num período de engenharia financeira, bastante fértil.

O problema pode ser resolvido apenas com gestão?

Não. Gestão é importante, mas não pode, sozinha, resolver. É preciso, também, educação no geral, para se ter uma consciência maior dos valores ambientais. Há uma concepção de que rio é onde se joga lixo.

Outro problema é que em alguns municípios não há uma estruturação institucional boa e eficaz para tratar de todas as obras. Tem também a questão da capacitação técnica das concessionárias de serviços públicos, que muitas vezes não tem planejamento. Esse trabalho de integração de todos os responsáveis e níveis, o atlas é um instrumento, pois contribui, liberando um conhecimento e propostas, em torno das quais alguém vai distribuir tarefas e assumir responsabilidades de apoiar com recursos financeiros. 

Por que a descentralização dos recursos hídricos é considerada um bom modelo?

Fazer uma administração centralizada, num país como o Brasil, com as dimensões geográficas que tem, com cada Estado com leis e sistemas administrativos próprios, é só olhar para o passado e ver o que aconteceu no nosso regime autocrático. As ordens eram dadas, mas não se sabia o que estava acontecendo na realidade.

O atlas praticou a descentralização na sua elaboração. Entidades, como a SABESP, tem suas próprias propostas; então, temos que integrar isso com as propostas dos menores. Trata-se de uma auscultação daqueles que serão os responsáveis no dia-a-dia.

Mas em outros setores, acompanhamos que o processo de descentralização se transformou em segmentação.

É isso mesmo. Por isso que se deve entender que descentralizar não é renunciar, mas sim coordenar e integrar, além de empoderar também. Você dá o poder, mas continua coordenando, articulando.

Qual agente é o principal articulador nesse setor?

Acho que ainda será o Ministério das Cidades e o Ministério da Integração. A FUNASA também, e a própria Agência Nacional de Águas, nessa parte de gestão de recursos hídricos. É importante dizer que o atlas também faz uma ponte entre o setor de saneamento e a gestão integrada de recursos hídricos.

Como está a situação dos comitês de bacias hidrográficas?

Hoje nós temos, como principais comitês que tem cobrança instalada no Brasil, o Paraíba do Sul; o Piracicaba, Capivari e Jundiaí; o São Francisco. Agora, ainda existe cobrança em nível estadual no Rio de Janeiro – todas as bacias em que o Rio de Janeiro está dividido tem cobrança instalada, desde 2009. Em 2010, os Estados de Minas Gerais e São Paulo instituíram cobranças, respectivamente, no Rio das Velhas e Rio Araguari, e Rio Sorocaba e no Médio Tietê.

São, hoje, 160 comitês de bacias hidrográficas (CBH) em todo o país, sendo nove comitês interestaduais, ou seja, de rios da União que banham mais de um Estado. Já o número de Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos é de 26. Apenas no Acre não há CERH, mas o Plano Estadual de Recursos Hídricos, que acaba de ser aprovado, prevê a criação de uma Câmara Técnica de Recursos Hídricos no Conselho Estadual de Meio Ambiente Ciência e Tecnologia.

A Política Nacional de Recursos Hídricos conseguiu se estender por todo o território, ou ainda existem lacunas?

Eu diria que ela já se estendeu em todo o território. A diferença está no nível de desenvolvimento e implementação. O Acre, por exemplo, não tem o conselho de recursos hídricos, mas tem o Conselho Estadual de Meio Ambiente. Por isso, criaram uma Câmara Técnica de Recursos Hídricos, dentro desse conselho de meio ambiente. Na leitura do Acre, a cidadania de quem vive na floresta exige um foco mais de meio ambiente do que de recursos hídricos, porque, para eles, a água não é um problema; o problema deles é o desmatamento. É uma visão descentralizada, local de uma realidade.

Mas não há nenhum alinhamento de todos os Estados?

Sim, há uma Lei de Recursos Hídricos; todos os Estados praticamente possuem. Órgãos gestores de recursos hídricos existem, mas em alguns Estados ainda não é um órgão específico. Os avanços são feitos de acordo com as prioridades do Estado – se ele é mais vulnerável em meio ambiente, ele pode se concentrar mais na floresta, deixando os recursos hídricos mais devagar. No Ceará a velocidade é maior, porque lá os recursos hídricos é assunto de vida ou morte.

Luis Nassif

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