CCJ eleva tensão com o STF e aprova o chamado PL do Marco Temporal

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Conforme o regimento interno, o PL pode seguir diretamente para ser votado no plenário do Senado porque não houve reprovação em comissões

Plenário do Senado Federal poderá receber o PL do Marco Temporal a qualquer momento. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Votando matéria previamente declarada como incompatível com a Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou por 16 votos a 10 o Projeto de Lei 2.903/2023, chamado de PL do Marco Temporal, e apelidado de PL do Genocídio pelos indígenas.

Apesar da alegação de que o PL só transitou pela Comissão de Agricultura e Pecuária antes da CCJ, sendo aprovado em ambas, onde requerimentos para tramitação pelas comissões de Meio Ambiente e Direitos Humanos foram negados, a matéria pode agora, conforme o regimento interno, seguir diretamente para ser votado no plenário do Senado Federal.

Foram protocolados 36 votos em separado contrariando o relatório do PL. Isso porque além da tese restritiva à demarcação das terras indígenas, rejeitada por 9 x 2 pela Corte Suprema, na última semana, o projeto dispõe de artigos considerados inconstitucionais e com preocupante potencial genocida.  

O PL determina, por exemplo, que as homologações de demarcações sejam aprovadas pelo Legislativo, bem como a anulação de demarcações realizadas sem o entendimento do marco temporal. Também, que não indígenas possam explorar terras indígenas e a realização de contato com grupos isolados. 

Em leitura do voto em separado, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) declarou que “é preocupante que a CCJ persista na intenção de legislar com entendimento consagrado pelo STF com repercussão geral”. O parlamentar alertou ainda que o PL 2.2903 aumentará a violência fundiária. 

Aculturamento indígena

“O marco temporal, e este PL, interpreta de maneira equivocada a carta constitucional. Esse projeto tem pontos extremamente sensíveis. Ele fala em aculturamento da sociedade indígena. A sociedade japonesa é das mais tradicionais e das mais tecnológicas. Um indígena usar celular ou carro não o faz menos indígena”, disse o senador Fabiano Contarato (PT-ES). 

Para o senador, o PL extravaza o marco temporal e busca atacar diretamente a existência dos povos indígenas. “Não podemos nós aqui, engravatados, criarmos uma lei inconstitucional que atenta contra a existência, a vida dos povos indígenas. Não se trata só do marco temporal”, destacou.

O que alega o relator do PL  

Para o senador Marcos Rogério (PL-RO), relator do projeto na CCJ, não se pode restringir a competência do Poder Legislativo ante a do STF. “Não dá para sustentar que o parlamento desafia uma decisão do STF ou que legisla de maneira desprezível porque a decisão de lá é que tem efeitos”, declarou. 

O parlamentar sustentou ainda que é uma decisão política, não apenas jurídica. A opinião de Rogério é relativa ao fato de que alguns pontos suscitados por quem se opõe ao PL, é possível na sequência do processo legislativo fazer ao veto sem impactar o que chama de “núcleo central”: o marco temporal.  

Para a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), a “decisão política” citada pelo relator fere a harmonia entre os poderes porque o STF tem função precípua de avaliar a constitucionalidade, e o fez, no caso do marco temporal, de maneira majoritária, com nove votos contrários de 11, rechaçando a tese.   

“O projeto vai para a mesa do presidente (da República) fadado a ser vetado porque está declarado inconstitucional. Caso não vete, o projeto será declarado inconstitucional pelo STF, porque a própria Corte Suprema já determinou que a tese do marco temporal é improcedente”, explicou Eliziane. 

ONU se pronuncia 

Nesta terça-feira (26), a porta-voz do alto comissariado da ONU para os direitos humanos divulgou uma nota onde elogiou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que rejeitou a tese jurídica do marco temporal. Marta Hurtado se mostrou aliviada com a derrubada.

Por essa tese, os povos indígenas teriam o direito de ocupar apenas as terras que já ocupavam ou disputavam na data da promulgação da constituição brasileira de 1988. Com a rejeição por 9 votos a 2 ocorrida na última semana, a Suprema Corte mantém o que está escrito desde a data.

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, diz a Constituição.

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