Nilton Bonder e sua impressão sobre o hoje, por Matê da Luz

por Matê da Luz

“Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta. Hoje, o tempo de ‘pausa’ é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações ‘para não nos ocuparmos’. A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições. Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo.” – NIlton Bonder

Meu primeiro contato com NIlton Bonder aconteceu há muitos anos: recebi da então terapeuta a indicação de um de seus livros, A Alma Imoral, e devorei o livro umas três ou quatro vezes. Acontece vez ou outra de ter uma peça sobre o livro e, prometo!, na próxima temporada não vou perder. Também tive contato mais próximo com o autor, que é um rabino, num evento em São Paulo sobre espiritualidade e escassez e, não preciso falar mas vou, saí de lá ainda mais encantada. 

O parágrafo do começo deste post faz parte de um texto entitulado “Os domingos precisam de feriados”, e recomendo a leitura aqui. 

Superficialmente, é apresentado o modus-operandi que tantos de nós estamos habituados e temos como padrão para o que é normal, até que o corpo/mente/alma comece a gritar que não, que tem alguma coisa equivocada em trabalhar tanto pra ter formas de pagar pelo descanso/massagem/terapia porque não temos tempo pra nada. O dinheiro, veja bem, até onde eu tenha conhecimento, é uma energia muito importante neste plano aqui e, ao meu ver, vem sendo utilizado de forma bastante displicente. 

Todos nós desejamos uma vida plena. Até aí, não há o que discutir. Inclusive os parâmetros de plenitude são muito mais individuais do que coletivos e, ainda sob minha ótica meio romântica, o bicho acaba pegando justamente porque estamos ainda demasiadamente comprometidos com o coletivo: as expectativas do coletivo; o que é sucesso para o coletivo; onde mora a satisfação para o coletivo. Mas este coletivo, como bem aborda Bonder, anda adoecido – fica a dica de que um indivíduo que não se atém aos seus próprios desejos e caminhos enfraquece o todo (o coletivo, no caso) ao mesmo tempo em que se sente consumido e, portanto, enfraquecido por este contexto. 

É uma bola de neve onde nem os mais treinados cachorros de treno querem entrar, dada a velocidade de todas as coisas no mundo moderno. Uma das novidades que mais me traz medo são os lifecoaches, os treinadores de vida. Sim, pois é, existe isso agora. Pessoas que normalmente carregam consigo cases de sucesso em sua própria jornada que estão prontas para trilhar este caminho com você. Não são necessariamente psicólogas, e tampouco vão abordar os “cases” (a sua vida, no caso) individualmente: vão te encher de planilhas e planinhos que, segundo consta, modificarão seu mindset para que, dali pra frente, sua vida entre nos trilhos. 

Só uma pergunta: que trilhos são estes? Tenho muita, mas muita vontade mesmo de sentar pr algumas horas com estas pessoas e questionar se numa platéia de 200 pessoas é possível que todas elas desejem a mesma coisa. “A prosperidade”, você pode responder. Sim, desejamos, todos nós, em maior ou menos índice de consciência mas, me conta, o que é prosperidade pra você? Sinto uma aflição gigantesca quando me dou conta dessas curas em massa, que se auto-promovem em exemplos de “se eu posso você também pode”, claro, após um pagamento poupudo em até 18x com juros calculados pelo sistema de cobrança. 

Não que eu veja demérito em alguém que trabalha com qualquer coisa que seja, mas este é, pra mim, um dos sintomas mais preocupantes sobre a doença da falta de verdade com a qual andamos – eu e você também, acredite – tocando nossa vida. Como é que o que é bom pra mim pode ser bom pra outras 199 pessoas assim, no geral? A venda esgotada deste tipo de programa é a prova cabal de que a gente anda mesmo tão perdido que elege uma pessoa com uma boa história de superação pra ser nosso líder. 

Sugestão: vá viver e colocar a mão na massa em relação à superação para aprender sobre ela. Sem ar-condicionado ou coffe-break, o aprendizado fica mais real, vai por mim. 

No mais, leia o Nilton Bonder. O judaísmo tem uma série de parábolas interessantíssimas sobre a vida prática, algumas delas milenares – mas que se aplicam profunda e claramente aos tempos modernos. Vale o investimento, de preferência, quando você realmente puder não fazer nada a não ser se dedicar a esta leitura: este tipo de auto-ajuda, quando não é superficial, modifica o mundo e os arredores, devagarzinho, de cada um de nós. 

Mariana A. Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador