Pesquisas sugerem que a miopia é uma epidemia

Jornal GGN – Pesquisas sugerem que a miopia é uma epidemia, uma doença do mundo moderno, e não, necessariamente, ligada à ancestralidade. Experiências com a comunidade inuit, no Canadá, foram importantes para se chegar à essa conclusão. Lá se verificou que a geração mais velha praticamente não apresentava casos de miopia, enquanto 10% a 25% das crianças precisavam de óculos. Os motivos listados pelos cientistas para essa “epidemia” são a maneira como somos educados, nos obrigando a usar a visão de forma excessiva para leitura, por exemplo; a passagem da maior parte do tempo de nossas vidas em ambientes fechados, e não ao ar livre; e a poluição visual, ou seja, o grande número de objetos volta que somos obrigados a reparar, mesmo que indiretamente. 
 
BBC
 
David Robson
 
Quando eu era adolescente, minha visão aos poucos começou a ficar ruim e tive que passar a usar óculos. O que começou como uma fina lente de vidro logo se aproximava de um fundo de garrafa. “Por quê?”, eu perguntava ao oftalmologista. E a resposta dele era sempre a mesma: “A culpa é dos seus genes e do seu gosto pela leitura”.
 
Eu não tinha por que duvidar dele. É provavelmente a mesma coisa que o seu oftalmologista disse se você também sofre de miopia. Mas pesquisas recentes sugerem que esses argumentos estão relativamente enganados.
 
Muitos outros fatores do mundo moderno podem estar levando as pessoas a ter uma visão pior. E, com algumas medidas simples, nossos filhos podem se ver livres de uma “maldição” que já dura gerações.
 
A ideia de que a miopia é primariamente genética nunca me pareceu verdadeira. Sem meus óculos, eu não consigo saber se o que tenho na minha frente é uma enorme pedra ou um rinoceronte. Então como é que meus ancestrais não foram eliminados se tinham dificuldades de enxergar?
 
Além disso, a miopia é como uma epidemia: de 30% a 40% dos habitantes da Europa e dos Estados Unidos precisam de óculos, enquanto na Ásia esse número pode chegar a 90%. Se tivéssemos genes da miopia, os ancestrais dessas pessoas seriam “heróis” que conseguiram sobreviver apesar de sua clara desvantagem.
 
Pergunte a um esquimó
 
Experiências com a comunidade inuit do Canadá deveriam ter resolvido essa questão há quase 50 anos. Enquanto a geração mais velha dessa população indígena praticamente não apresentava casos de miopia, de 10% a 25% das crianças precisavam de óculos. “Isso não seria possível com uma doença genética”, diz Nina Jacobsen, do Hospital Universitário Glostrup de Copenhague, na Dinamarca.
 
O que os cientistas perceberam é que no intervalo entre as gerações, os inuit foram abandonando seus hábitos tradicionais de caçar e pescar em troca de um modo de vida mais ocidentalizado – uma causa muito mais provável para o problema.
 
“A miopia é uma doença industrial”, define Ian Flitcroft, do Children’s University Hospital de Dublin, na Irlanda. Nossos genes podem até ter um papel ao definir quem se tornará míope, mas foi apenas por causa de uma mudança ambiental que os problemas surgiram.
 
A conclusão imediata tirada pelos antigos cientistas foi a de que a maneira como somos educados hoje em dia pode ter provocado o aumento da miopia. Dê uma olhada no mar de óculos em qualquer sala de aula de uma universidade e você pensará que há uma ligação entre uma coisa e a outra.
 
Vida ao ar livre
 
 
Estudos epidemiológicos, no entanto, sugerem que os efeitos são muito menores do que se acreditava.
 
Muitos cientistas argumentam que é o tempo passado dentro de espaços fechados que mais influencia na visão, e não o ato de ler. Pesquisas realizadas na Europa, na Austrália e na Ásia indicam que as pessoas que passam mais tempo ao ar livre têm bem menos chances de desenvolver a miopia do que aqueles cujas vidas acontecem entre quatro paredes.
 
E por que isso acontece? Uma explicação popular é a de que a luz do sol nutre os olhos, de alguma forma, o que foi verificado por um estudo da Universidade de Queensland, na Austrália.
Também pode ser porque a luz do sol estimula a fixação de vitamina D, responsável pela saúde do cérebro e do sistema imunológico, e que também pode regular a saúde dos olhos.
 
Uma ideia com mais aceitação é a de que o sol estimula a liberação de dopamina diretamente nos olhos. A miopia é causada pelo crescimento excessivo do globo ocular, dificultando a formação de uma imagem na retina. Mas a dopamina parece conter esse crescimento, mantendo o olho saudável.
 
É possível também que se trate de uma questão de cor. Ondas de luz verde e azul tendem a entrarem em foco na frente da retina, enquanto a luz vermelha atinge a parte de trás. Como a iluminação artificial de um espaço coberto tende a ser mais vermelha do que os raios solares, o desencontro poderia confundir os mecanismos de controle do globo ocular.
 
“Eles dizem ao olho que ele não está focalizando no melhor ponto, então ele cresce para compensar isso”, explica Chi Luu, da Universidade de Melbourne.
 
Visão poluída
 
 
Já Flitcroft acredita que o problema está no aglomerado de objetos poluindo nosso campo visual. Dê uma olhada à sua volta e entenderá o que ele quer dizer. “Quando você olha para a tela de um computador, tudo o que está atrás dela fica bem fora de foco. Se você muda o olhar da tela para um relógio, há uma enorme inversão – o relógio fica em foco, mas outras coisas perto de você ficam borradas”, diz ele.
 
Onde quer que você pouse seu olhar, sempre há um ponto desfocado que brinca com os mecanismos de feedback dos olhos. Mas na rua as coisas tendem a ficar separadas por uma distância maior, resultando em uma imagem mais limpa que ajuda a regular o desenvolvimento dos olhos.
 
Essas descobertas podem render novos tratamentos. Luu, por exemplo, pretende realizar um ensaio que oferece sessões com luz azul para crianças míopes. Ele espera que a deterioração da visão delas seja mais lenta ou até se reverta.
 
Flitcroft destaca que estão sendo realizados testes promissores com lentes de contato que reduzem os objetos borrados na nossa visão periférica.
 
Ele também está otimista quanto a um colírio chamado atropina, que desacelera os sinais que incentivam o crescimento do globo ocular e a miopia. Seus efeitos colaterais desagradáveis – como a dilatação das pupilas e os halos vistos em fontes de luz – tornaram seu uso inviável. Mas uma descoberta acidental mostrou que a substância pode ser eficiente com um centésimo da dose original, com efeitos colaterais mínimos.
 
Por enquanto, os cientistas recomendam cautela.
 
Um erro muito comum é acreditar que os óculos são ruins para seus olhos, mas os estudos mostram que isso não é verdade.
 
Mas se você quer já tomar algum tipo de atitude, vai gostar de saber que a maioria dos pesquisadores concorda que incentivar as crianças a brincar ao ar livre é uma boa ideia. Um teste feito em escolas em Taiwan até mostrou que a iniciativa teve um sucesso moderado.
“Se deixados em seu habitat natural, ao ar livre, os humanos não se tornam míopes”, conclui Flitcroft.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Complicado

    A  miopia é hereditária,meu pai já havia se casado uma vez na epóca nem desconfiava, mas um colega falou a respeito e ele foi ao médico, passou a enxergar melhor o que de fato foi um fator para separar da mulher.Tal como ele eu herdei a maldição , mas graças a Oxalá não me casei.Curar a miopia não é um mistério para medicina, o pior é quando algumas pessoas acham que a própria e ínica verdade cabe só  dentro das lentes de seus óculos.

  2. O olhar dos índios
    O OLHAR DOS ÍNDIOS
    José Ribamar Bessa Freire
    24/04/2011 – Diário do Amazonas

     
    – Atira! Atira! – lhe dizia o índio Parakanã, apontando a caça. O antropólogo Carlos Fausto, com a arma na mão, olhava na direção indicada e não via bulhufas. Só árvores.
    – Ali, ali, naquele galho – suplicava em voz baixa o índio, sinalizando o alvo com o dedo.
    – Onde? Onde? – perguntava o antropólogo, atônito. Via apenas uma mancha verde formada por um emaranhado de troncos, folhas, cipós, raízes, musgos, liquens, sombras, tudo da mesma cor, mas nem sinal do animal. O bicho, que para ele continuava invisível, aproveitou a hesitação e se escafedeu, sem nem ao menos declinar sua identidade ao ofuscado caçador.
    Foi ali, naquele momento, que Carlos Fausto, sem disparar um tiro, acertou o que não viu, ao suspeitar que seus olhos estivessem incapacitados de ver, dentro da floresta, aquilo que os índios viam. Estávamos no final da década de 1980, ele começava seu mestrado em Antropologia Social com os índios Parakanã, orientado por Eduardo Viveiros de Castro e não era, ainda, capaz de ler a floresta.
    Essa história, com riquezas de detalhes, foi contada pelo próprio Carlos Fausto, pesquisador do Programa de Pós-Graduação de Antropologia Social do Museu Nacional. Ele lembrou o fato estimulado pela tese de Viviam Secin ‘Ortóptica, Oralidade e Letramento: a visão binocular dos indígenas Guarani Mbya da Aldeia Sapukai (RJ)’, orientada pelo linguista Luiz Antonio Gomes Senna, responsável por estudos sobre a gramática e o letramento numa perspectiva interdisciplinar e ecológica no Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ.
     
    Os ceguetas
    A tese da doutora Viviam Secin, que é ortoptista com mais de vinte anos de prática clínica em seu consultório no Rio de Janeiro, parte de duas situações exemplares vividas por sujeitos cuja demanda visual foi alterada por mudanças na rotina profissional ou no estilo de vida.
    A primeira ocorreu com uma médica, nascida e criada no Rio de Janeiro, que foi trabalhar em aldeias indígenas do Amazonas, onde viveu quatro anos. Ela fez percurso similar ao de Fausto, saindo da cidade para a floresta, encontrando um novo ambiente visual distinto dos espaços letrados urbanos, o que gerou problemas de adaptação. 
    A médica conta que ficou impressionada com a percepção visual dos índios que viam tudo, mesmo de noite, enquanto ela “não via da mesma forma que os indígenas”. Percebeu que “sua condição biológica não se ajustava àquele ambiente novo, que exigia compreender novos índices visuais e uma nova lógica interpretativa”.
    Quando andava na floresta, tropeçava, caía, se sentia uma “cegueta”. Descobriu que “o uso da lanterna, à noite, mais atrapalha do que ajuda”. Com o tempo, aprendeu a exercitar um novo olhar, mas “mesmo assim, quando eu andava com eles, observava o quanto eles enxergavam o que eu não era capaz de ver”.
    A segunda situação foi vivida por uma estudante de graduação em enfermagem, de 38 anos, que fez o caminho inverso. Nascida e criada em uma comunidade indígena no interior do Maranhão, onde não havia escola, ela migrou para a cidade, em busca de educação formal, mas enfrentou enormes dificuldades para se adaptar às novas demandas psicomotoras da leitura. As letras eram, para ela, o que a caça foi para Carlos Fausto: difíceis de ver, provocando embaçamento de imagens.
    “Não conseguia ler porque me dava muita dor de cabeça. Eu via às vezes como se as letras fossem assim saindo do livro. Tinha letra no meio daquelas frases que eu não via, a coisa ficava sem sentido, porque eu pulava as linhas. Repeti muitas vezes a oitava série. Meus irmãos, que não concluíram o segundo grau, se queixam da mesma coisa: muita dor de cabeça, enjoo, tonteira… Eu ia ao oftalmologista e ele falava que eu não precisava usar óculos, eu enxergava muito bem, mas eu tinha alguma deficiência”.
    Idêntica situação é confirmada por um índio Marubo, da aldeia Alegria, no Javari (AM) para quem “o papel também estraga os olhos. No início, o seu olho fica vacilante, você não enxerga, fica com dor de cabeça, você fica assim. Assim faz o papel, ele dá tontura”.
    Os profissionais de ortóptica – uma ciência que estuda a visão binocular em seus aspectos sensoriais e motores – costumam diagnosticar essa inadequação visual de quem sai do mundo da oralidade para o da escrita como uma deficiência, uma incapacidade. Viviam Secim desconfiou disso. Suspeitou da interferência de fatores ambientais e culturais no processo de desenvolvimento visual e decidiu conferir, a partir de uma pergunta que formulou: será que todos nós, brasileiros, estamos igualmente aptos, em termos funcionais binoculares, para desenvolver a leitura e a escrita? Ou igualmente aptos para caçar na floresta?
     
    Miopia
    Ela pesquisou dois grupos populacionais escolhidos por seus distintos perfis culturais: um, formado por 99 índios Guarani Mbya da Aldeia Sapukai, de Angra dos Reis (RJ), de cultura predominantemente oral; o outro por 59 universitários não-indígenas, de cultura predominantemente letrada. Entrevistou, filmou, fotografou e aplicou testes para avaliar as funções visuais dos integrantes dos dois grupos. Concluiu que existem diferenças significativas, o primeiro grupo emprega mais o campo binocular periférico, enquanto o segundo usa predominantemente o campo binocular central.
    As evidências apresentadas pela tese de Viviam demonstram que não existe um sujeito idealizado, dotado de uma fisiologia única e comum, e que as condições visuais são socialmente determinadas não apenas por fatores inatos, mas pela cultura e pela história. Quem é capaz de ler a floresta tem um olhar diferente de quem foi treinado para ler livros e vice-versa.
    Portanto, não é cientificamente correto considerar a cultura urbana como “padrão”, como condição binocular “normal” ou “universal”. Nessa perspectiva, as diversidades visuais deixam de ser vistas como “deficiências” ou “distúrbios” para serem consideradas como diferenças visuais culturalmente possíveis.
    Essa conclusão, que tem consequências sobre o processo de escolarização indígena e de indivíduos do meio rural, pode contribuir decisivamente para o planejamento escolar e a formulação de políticas públicas. A busca pelo conhecimento através da leitura e da escrita exige, entre outros aspectos, um controle adequado da motricidade ocular, que é fundamental para o desempenho escolar.
    Um total de dezoito músculos oculares se orquestra durante a leitura, entrando em ação um verdadeiro jogo de forças – escreve Viviam. Por isso, no caso de povos da floresta e do campo, a autora propõe algumas estratégias de exercícios visuais e de aprestamento que facilitem “a transição de outros modos ecológicos de ver para o modo de ver necessário à cultura escrita”.
    Durante cinco séculos, no Brasil, quando se tentou alfabetizar os índios, se usou a língua portuguesa, com resultados desastrosos. Essa prática de ensinar alguém a ler uma língua que não fala, foi apontada como irracional pela Linguística Aplicada. A partir da Constituição de 1988, os índios passaram a ter o direito de serem alfabetizados em suas línguas maternas, corrigindo uma distorção secular monstruosa. A tese de Viviam Secin nos chama a atenção para a existência de outra irracionalidade, que é desconsiderar a existência da diversidade visual.
    Durante a defesa da qual participei como membro da banca, lembrei um personagem de Guimarães Rosa, Miguilim, um menino de oito anos, que vive com sua família no sertão do Mutum. Ele sofre tanto que amadurece, bebendo assim “um golinho de velhice”. No finalzinho da narrativa, chegam ao Mutum para caçar, vindos da cidade, dois homens, um deles é um médico, “um certo Doutor José Lourenço”, que estranha o olhar de Miguilim e faz nele alguns testes de visão. Descobre o que ninguém sabia, nem o menino, nem os outros personagens e muito menos os leitores: Miguilim era míope.
    Essa é a chave para explicar muitos dos sofrimentos de Miguilim, alguns dos quais poderiam ter sido evitados se fosse feito um diagnóstico a tempo. O médico convida o menino para ir morar com ele na cidade, onde pode estudar. A família concorda. Antes de partir, Miguilim pede os óculos do médico emprestados e vê o Mutum, com outros olhos, pela primeira vez. Encantado, enxerga o sertão como um lugar bonito, vê os familiares, admira a beleza da mãe, os traços do tio.
    A miopia não é apenas de Miguilim, mas do seu entorno, que não foi capaz de ver o que acontecia com o menino. No momento em que celebramos a Semana do Índio, a tese de Viviam Secin nos ajuda a corrigir a nossa miopia e nos possibilita ver um Miguilim coletivo. Trata-se de leitura prazerosa e necessária, que vai interessar a todos aqueles que trabalham com educação.
     
    SECIN, Viviam Kazue Andó Vianna: “Ortóptica, Oralidade e Letramento: a visão binocular dos indígenas Guarani Mbya da aldeia Sapukai (RJ). Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) para obtenção do título de Doutora. Área de concentração: Educação Inclusiva e Ortóptica. Banca Examinadora: Luiz Antonio Gomes Senna (orientador), Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (UERJ), José Ribamar Bessa Freire (UERJ / UNIRIO), Ana Maria Sperandio (UNICAMP), Galton Carvalho Vasconcelos (UFMG), Yara Hahr Hokerberg (FIOCRUZ). Da banca de qualificação fizeram parte também Carlos Fausto (PPGAS-UFRJ) e Armando Barros (UFF). Data da defesa – 22/02/2011.

  3. Miopia não é doença

    Apenas uma visão diferente. No máximo uma deficiência, mas com compensações na visão próxima.

    Chamar miopia de doença revela preconceito; sem falar em ignorância sobre o que é doença e o que é miopia.

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