Dialética do Bom-Mocismo, por Jean Pierre Chauvin

Dialética do Bom-Mocismo, por Jean Pierre Chauvin

Quando o acesso à Internet começou a se alastrar por aqui, em meados da década de 1990, mal poderíamos supor que a tela do celular desbancaria as grandes telas de tevê. Veio a primeira década de 2000 e as emissoras de televisão passaram a articular estratégias crescentes de interação com a rede mundial de computadores.

Para alguns, essa aproximação entre um meio de comunicação e outro seria louvável; para outros, apenas um paliativo: expediente que postergava a decrescente audiência (e perda dos lucros, portanto) dos canais da televisão.

Não seria algo a se estranhar ou lamentar. Há tempos maldizemos a baixa qualidade dos programas, a reprodução do senso comum, a sobrevalorização de amenidades e, nos jornais, as pautas nitidamente interessadas, que tendem para um ou outro lado. O público é subestimado.

Isso também acontece porque as empresas por detrás dos conglomerados midiáticos agem como tais. “Empresas”, afinal, pressupõem patrões, estrelas, âncoras, repórteres, cabos-man, profissionais da manutenção e da limpeza, convidados, contratados, terceirizados, esportistas elevados à categoria de craques, com fortes vínculos comerciais etc. 

A emissora mais assistida do país ajudou a forjar o cidadão que não lê (nem mesmo legenda de filme) e acredita, quase piamente, que a aparência dos jornalistas, a roupa que vestem, a forma como se exprimem etc quarda relação com o tema das notícias e a forma como são veiculadas. 

Graças a indistinção entre aparência e essência (ou entre “cara séria” e verdade), boa parte de seus telespectadores continua a dar crédito ao que os seus jornalistas (e comentaristas esportivos latifundiários) dizem.

Para regozijo dos herdeiros Marinho, seus globólatras também aprenderam a conceder nula importância ao contraditório, já que confundem a “sua” verdade (construída pela televisão) com a “seriedade” pretendida pelo canal de tevê. Quer dizer, eles dispõem de filtros mentais, mas não os colocam em movimento.

Decerto, são os mesmos sujeitos que, ao ler 1984, acham horrível a existência de tele-telas e se mostraram inconformados ao constatar que o papel do protagonista Winston Smith é alterar o teor das notícias (já veiculadas) e queimar registros, por mais antigos que fossem.

Quem dera o globólatra despertasse do automatismo televisivo e internético em que vai imerso (porque acha que quer) e, em nome da efetiva liberdade e exercício de maior criticidade, desconfiasse de uma emissora que blinda amigos (ou comparsas?) da esfera esportiva, judicial e política; subestima a inteligência de seus clientes remotos; e promete um mundo melhor, em meio ao desemprego e à violência — sempre em acordo com a opinião abalizada de supostos experts em economia, a replicar alaridos de Washington D.C.

Enquanto isso não acontece, continuaremos a testemunhar o senso comum de que “se está no jornal é coisa séria”.

 

Redação

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