Falsificação das vacinas e milícias digitais são ou não a mesma investigação?

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Aparentemente diversos, o GGN apurou os argumentos sobre se os casos poderiam estar no mesmo inquérito

Foto: Reprodução

Jair Bolsonaro, sua família e ex-assessores foram alvos da deflagração de uma operação da Polícia Federal (PF) por falsificação de dados da vacina Covid-19, nesta quarta-feira (03). O ex-presidente também é alvo de outra investigação, de milícias digitais. Aparentemente diversos, o GGN apurou os argumentos sobre se os casos poderiam estar no mesmo inquérito.

O que diz a Polícia Federal

Em sua decisão para as prisões e buscas e apreensões, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), trouxe os argumentos levantados pela PF da relação entre o “gabinete do ódio” e a adulteração dos dados de vacina, no aspecto em que o ex-presidente e seu grupo disseminavam ataques digitais às vacinas de Covid-19.

“Conforme apresentado em vários relatórios produzidos nos autos do Inq. 4874/DF, o mecanismo idealizado pelo autointitulado GDO (‘gabinete do ódio’) reverberou e amplificou por multicanais a difusão de notícias falsas envolvendo a pandemia e ataques à vacinação contra covid-19, sendo objetos de investidas constantes realizadas pela milícia digital investigada.”

A PF usou como exemplo, ainda, o discurso contra as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro, no qual “a milícia digital reverberou e amplificou por multicanais a ideia de que as eleições presidenciais foram fraudadas, estimulando aos seus seguidores ‘resistirem’ na frente de quarteis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para uma intervenção federal”.

Atuação da milícia na pauta “anti-vacina”

Na hipótese da PF, a prática do grupo criminoso de falsificar os cartões de vacinas seria uma continuidade prática dos discursos “anti-vacina” do gabinete do ódio, de aliados de Bolsonaro e do ex-presidente.

“Assim, percebe-se que a estrutura criminosa criada no município de Duque de Caxias/RJ foi utilizada para propiciar que pessoas do círculo próximo do ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO pudessem burlar as regras sanitárias impostas na Pandemia da covid-19 e por outro lado, manter coeso o elemento identitário do grupo em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid-19.”

“Desta forma, a recusa em suportar o ônus do posicionamento contrário a vacinação, associada à necessidade de manter hígida, perante seus seguidores, a ideologia professada (não tomar vacina contra a Covid-19), motivaram a série de condutas criminosas perpetradas”, concluiu o ministro.

Apesar da possível conexão apontada pelo ministro Alexandre de Moraes no relatório da PF, a investigação das vacinas, contudo, mostrou uma teia de outros possíveis crimes – de falsificação de documentos à corrupção de menor (leia aqui) -, diversos da atuação do gabinete do ódio.

Consequências de inquérito separado

Nesse sentido, consultado pelo GGN, o jurista Pedro Serrano avaliou que, em princípio, a investigação da adulteração da vacina geraria uma “investigação autônoma”, ou seja, a abertura de um inquérito separado.

Caso fosse aberta uma investigação diversa do inquérito das milícias digitais, não necessariamente o caso ficaria sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, no STF. Mas as possíveis provas e indícios coletados nesta investigação poderiam ser utilizados, por compartilhamento, nestes inquéritos – o das milícias ou ainda a investigação do assassinato de Marielle Franco.

Neste último, por exemplo, a Polícia Federal já adiantou, nesta quarta-feira (03), que alguns dos alvos da Operação Venire afirmaram conhecer o mandante do assassinato da ex-vereadora. A mensagem que poderá servir para o outro inquérito foi captada em conversa entre os investigados do caso das vacinas, conforme revelamos aqui.

Compartilhamento de provas

É o “encontro fortuito de provas”, caracterizado pelo ex-ministro da Justiça e jurista Eugênio Aragão à TVGGN (confira aqui).

“A verdade é que é o seguinte, isso [a falsificação das vacinas] era um crime meio para se chegar aos crimes fins. Porque na hora que você apreende o celular de Bolsonaro, muda de figura. É o que se chama ‘encontro fortuito de provas’. Você vai no celular dele [do ex-presidente] para procurar os vestígios dessa novela da vacinação, mas se achou coisa diferente. Estava atrás de ouro e achou diamante.”

“Eu acho que é mais ou menos isso que eles [as autoridades] estão buscando acontecer. Achar alguma coisa maior dentro desse celular e pegar o gancho da vacinação – o que foi um fato grave, sem dúvida nenhuma”, comentou Aragão.

Diálogos convergiriam em caso das milícias

Por outro lado, Aragão considera que as conversas de Jair Bolsonaro com o grupo investigado na falsificação das vacinas poderá, sim, confluir na atuação das milícias digitais. Ao obter as conversas do ex-presidente, os investigadores devem chegar nos diálogos com o filho Carlos Bolsonaro, que era o responsável pelas redes sociais do então mandatário e apontado como uma das cabeças da atuação digital criminosa. Coincidentemente, o filho 02 foi o único a não se manifestar sobre a Operação de ontem e a apreensão do celular do pai.

“Principalmente as conversas dele [de Jair Bolsonaro] com o Carlinhos Bolsonaro, que bem ou mal era a inteligência maligna desse gabinete do ódio, quanto mais saber o que tem lá dentro, o que eles cozinharam nessa cozinha de veneno, eu acho que isso está exposto e pode ter uma relevância enorme nesse inquérito das milícias digitais”, avaliou o ex-ministro.

Ailton Barros: a peça-chave que pode conectar as duas investigações

O ex-assessor de Jair Bolsonaro e ex-major do Exército, Ailton Barros, foi um dos presos na Operação desta quarta, acusado de auxiliar o ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, nas falsificações.

Assim como no caso de Marielle Franco, no qual os investigadores interceptaram mensagem no qual Ailton Barros revela que sabia quem foi o mandante do assassinato da vereadora em 2018, o ex-assessor teria uma conexão mais forte com os investigados das milícias digitais.

Segundo os investigadores, ele tinha “proximidade com integrantes de grupos que lideraram as manifestações ocorridas no dia 07 de setembro” de 2021 e um dos atuantes nos discursos do grupo de ataques ao STF, ao ministro Alexandre de Moraes e ao sistema eleitoral:

“As mensagens em formato de arquivo de áudio e prints de conversa de WhatsApp identificadas nos serviços de nuvem de AILTON GONÇALVES BARROS constataram que o investigado tinha proximidade com integrantes de grupos que lideraram as manifestações ocorridas no dia 07 de setembro, possivelmente do ano de 2021, se colocando à disposição para inserir pautas de ataque ao STF, ao Ministro ALEXANDRE DE MORAES e ao sistema eletrônico de votação. As imagens capturadas de diálogos indicam inclusive que AILTON BARROS trocava mensagens sobre os referidos temas com o contato registrado como ‘PR01’, chamado pelo investigado de ‘PR’, possivelmente se referindo ao ex-Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO, revelando sua atuação como um dos propagadores da ideologia professada pela milícia digital investigada nos autos do Inq. 4874/DF.”

Leia, abaixo, a íntegra do despacho do ministro Alexandre de Moraes com o relatório da Polícia Federal:

Decisao-Moraes-STF-vacinas-Bolsonaro-PET10405

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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