Peru: A Bancarrota do Oportunismo

Peru: A bancarrota do oportunismo

Escrito por Víctor Montes   
Qui, 12 de Janeiro de 2012 13:47
A renúncia de Salomón Lerner ao cargo de primeiro-ministro, a mudança da maioria do gabinete (11 ministros), e a designação do ex-ministro do interior Oscar Valdez como “premier”, abriram uma crise na esquerda oficial, em especial, no Partido Comunista Peruano (PC) e o Partido Socialista (PS), os quais, inclusive hoje, depois dos acontecimentos políticos das últimas semanas (declaração do Estado de emergência em Cajamarca, mudanças no gabinete, detenção ilegal dos dirigentes cajamarquinos, etc.) mantêm seu apoio a Ollanta Humala.
 
A posição adotada por estas organizações põe em evidência a bancarrota absoluta dos princípios que dizem defender e sua política orientada permanentemente à conciliação de classes, cuja máxima expressão, na atualidade, é sua capitulação ante um governo patronal, como o de Ollanta Humala, que, a pouco mais de 130 dias de ter assumido o poder, se desfez da cara “conciliadora” para impor uma política de “ordem” ao serviço da garantia dos lucros das grandes mineiras que saqueiam os recursos do país.
 
A primeira resposta do PC: “Crônica de uma derrota política”
 
Apenas a dois dias da saída do gabinete Lerner, e sua troca pelo gabinete Valdez, o PC publicava em sua página web um artigo de Ítalo Sánchez intitulado “Crônica de uma derrota política”. No qual dizia:
 
“Com a renúncia de Salomón Lerner, o frágil equilíbrio político instaurado no país após o processo eleitoral se quebrou. Nesta curta disputa pelo controle governamental, a direita neoliberal saiu vitoriosa, alcançou seu principal objetivo político: retomar o controle total do governo. À direita, a que perdeu as eleições, hoje coloca seus homens no gabinete para defender seus interesses e desenvolver seu programa econômico.
 
As forças da mudança, as que trabalham pela construção de um novo bloco nacional popular para destituir a direita neoliberal do governo, e apostam no programa de mudança profetizado pela candidatura presidencial de Ollanta Humala, foram derrotadas”.
 
O endurecimento do governo frente à luta do povo cajarmarquino contra o projeto mineiro Conga significou, a todos os níveis, uma derrota para o PC, o PS e toda a esquerda oficial que levava anos apostando em Humala como figura de “mudança” e que agora se deparavam com a realidade: o governo fechou posições com a grande patronal mineira contra a população de Cajamarca e de suas próprias promessas eleitorais.
 
Por quê Humala pagava tão mal a tão submissos colaboradores?
 
Humala: um governo “em disputa”?
 
Para o PC, com a vitória eleitoral de Ollanta Humala, tinha se aberto um período de “frágil equilíbrio político” entre a “direita” e as “forças de mudança”. O governo assumido em 28 de julho era um governo “de conciliação” e, uma vez, “em disputa”, pressionado pela “direita”, denunciava o continuísmo neoliberal e pela “esquerda” prometia a “grande transformação”.
 
Desta análise o PC chegava à conclusão que as “forças de mudança” tinham o governo com Ollanta Humala, mas não o poder, que se encontrava nas mãos da “direita”, dona do poder econômico e de decisão. Visto assim, a tarefa a que se dedicaram o PC, o PS e companhia foi apoiar o governo, tentando se constituir como base social do mesmo, organizando os trabalhadores pelo governo para impedir que a direita faça “fracassar” o “processo de mudança aberto”.
 
Por isso se jogaram, sem a menor vergonha, a organizar a mobilização de 12 de Outubro, em claro apoio ao governo, jogando por terra a independência política de classe da CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru) e em contraposição, não fizeram nenhuma convocatória nacional em defesa da luta do povo de Cajamarca, o que significaria enfrentar abertamente o governo.
 
Para o PC não existe a luta de classes  
 
Teria de se dizer que esta política não é novidade. O PC, que se diz marxista e um partido da classe trabalhadora, pratica a política da conciliação de classes como princípio, praticamente desde as vésperas da segunda guerra mundial.
 
Esta política oportunista se sustenta em “fazer desaparecer” as classes sociais e a luta de classes como motor da história – tal como expressou Marx – para substituí-las pela disputa entre dois “campos”: um “progressivo” (democrático, anti-imperialista, antifascista…) e outro “reacionário” (autoritário, pró-imperialista, fascista…).
 
Para o PC, no Peru sucede exatamente o mesmo que descrevemos antes. A luta social e política – nós as chamamos, como Marx, luta de classes – não se produz entre os burgueses (patrões) e os proletários (trabalhadores), organizados cada qual em sindicatos, grêmios, partidos políticos, etc. Para o PC a luta política se produz entre as “forças de mudança” – onde se juntaria a esquerda, os “progressistas”, “patrióticos”, o “pequeno empresariado” e com sua máxima figura Humala: o “campo progressivo”. E a “direita” que agruparia a grande patronal nacional e transnacional, os meios de comunicação, os partidos tradicionais da burguesia (o PPC), o fujimorismo e os setores reacionários da Igreja (Opus Dei): o “campo reacionário”.
 
Desta maneira, apagando as fronteiras de classe e levando a luta política para o terreno dos “campos”, o PC justifica sua política permanente de conciliação com Humala e seu governo. Política que os leva a lamentar, hoje em dia, a saída de Lerner – um grande empresário nacional – do cargo de primeiro-ministro.
 
A realidade derrotou o PC e companhia 
 
Mas a realidade se movimenta no terreno da luta de classes, não das falsas ideologias colaboracionistas ou dos “campos”. Daí que, passo a passo, desde as eleições, a realidade foi jogando por terra as análises e a política oportunista do PC e companhia, ainda que se negue a ver isso.
 
A queda do gabinete Lerner, cara do “governo de conciliação” de Ollanta Humala, iniciado a 28 de julho de 2011, foi produto da luta de classes e não, como dizem o PC e o PS, das pressões da “direita” sobre Humala. Foi produto de sua incapacidade para desviar, pela via morta do “diálogo”, a luta do povo cajamarquino contra o projeto mineiro Conga, propriedade da transnacional mineira Newmont e de Buenaventura, maior empresa mineira nacional.
 
Incapacidade que se potencializou meio ao recrudescimento da crise econômica mundial, a que obriga o governo a cerrar fileiras com os patrões, em defesa de seus lucros. Fechar Conga, como o exige o povo cajamarquino, era um “sinal” para os mercados que o governo não se poderia permitir. Humala retrocedeu tudo o que pôde, forçado pela luta de Cajamarca, até que encurralado, se lançou a resolver suas próprias contradições internas – ser um governo que detinha enormes expectativas das massas que ambicionam uma mudança e ter que defender os lucros dos patrões – impondo uma política de “ordem”, com o apoio das Forças Armadas e “expulsando” algumas figuras de “esquerda” do gabinete e do governo.
 
O PC e o PS capitulam a Humala…
 
Mas para o PC e o PS nada disto importa.
 
Reivindicam o fato de terem passado os últimos 5 anos impulsionando, de forma sistemática, através da direção da CGTP, os sindicatos e outros fóruns onde tinham a oportunidade de ir, a candidatura de Ollanta Humala, tentando nos convencer que o então candidato Humala era o candidato da mudança.
 
Graças a esta política, tanto o PS como o PC entraram no governo – o PS através da Ministra da Mulher, Aída García Naranjo, e o PC por meio do vice-ministro do Trabalho, Pablo Checa (além de muitos outros funcionários de segunda e terceira categoria, muitos dos quais até hoje mantém seus cargos).
 
Depois convocaram, a partir da direção da CGTP, uma marcha em apoio a Ollanta Humala em 12 de outubro de 2011, marcha que chegou até a frente do Congresso Nacional – algo que está proibido para qualquer marcha de protesto – e recebidos pelo presidente do mesmo, o congressista nacionalista Daniel Abugattas, que falou, no ato, em nome do Presidente.
 
Durante o XIII Congresso Nacional ordinário da CGTP, realizado de 16 a 19 de Novembro – justamente quando Humala declarou que Conga iria “sim ou sim” – ainda assim a direção de Mario Huamán falava de “apoiar o governo nas mudanças que fossem feitas e criticá-lo nas que fossem contrárias a estas.”. Ou seja, uma fachada para disfarçar a continuidade de seu apoio ao governo.
 
O fato é que o máximo evento da CGTP culminou sem acordar nenhuma medida de luta em solidariedade com o povo de Cajamarca. Pedia, em seu lugar, ao presidente “da mudança” que “escute o povo” e “não só os empresários”.
 
Finalmente, hoje mesmo, através do famoso “Conga vai sim ou sim” do presidente Humala, através do estado de emergência em Cajamarca, através da detenção ilegal por 10 horas dos dirigentes da Frente da Defesa Ambiental de Cajamarca, através da troca de gabinete que tanto lamentam… o PC decidiu que “…esta situação complexa, não nos leva, no entanto, a romper, como quer a direita, o Acordo Político Eleitoral e de Governo que subscrevemos, junto com a esquerda e o nacionalismo”. O PS, por sua vez, através de sua máxima figura, o congressista Javier Diez Canseco, descartou a possibilidade de se afastar da aliança do governo Gana Perú (Frente Eleitoral do PNP [Partido Nacionalista do Peru – partido de Ollanta Humala], onde participaram setores de esquerda como o PC e o PS): “Não queremos nos afastar de Gana Perú nem do programa que apresentamos, mas defender e levar à prática em ampla unidade (…). Se outros se afastam do compromisso programático e político que ganhou o voto popular, não seremos nós os socialistas”.
 
O PC e o PS hipotecam seu presente e futuro a um governo patronal
 
Por isso é normal que haja crise. Muitos jovens, outrora entusiastas impulsionadores da candidatura humalista agora vêem cair a máscara “progressista” do presidente e não estão de acordo com esse “giro”. Também não sabem como defender perante suas bases ou companheiros a política submissa de seus partidos para com o governo.
 
O PC e o PS abriram a porta do gabinete da “ordem” de Oscar Valdez ao renunciar a enfrentar Humala quando deveriam sair a apoiar unitariamente a luta de Cajamarca. Os soldados que chegaram à cidade para impor o estado de emergência o fizeram montados na política traidora do PC e PS, independente dos pronunciamentos ambíguos contra o decreto do presidente.
 
Responsabilidade que também recai com todo seu peso sobre Patria Roja (a Unidade de Esquerda) – de quem quase não falamos neste artigo, mas que jogou uma quota importantíssima por sua política inconsequente na frente de greve em Cajamarca – presidiu ao “diálogo” com Lerner já com a cidade tomada pelas tropas do Exército.
 
Por isso asseguramos que tanto o Partido de Mario Huamán como o de Diez Canseco hipotecaram seu presente e futuro aos vaivéns do governo humalista: um governo que cerrou fileiras com as grandes mineradoras e os patrões, em defesa de seus lucros, contra os trabalhadores e o povo.
 
Os militantes honestos do PC e do PS, seus amigos ou simpatizantes não podem acompanhar esta política: seu partido os engana e se submete à vontade do governo.
 
Exigimos à cúpula do PC, PS e Patria Roja que rompam com o governo e reconstruam a unidade da classe trabalhadora e do povo: a CGTP, CNA, CCP… e as organizações de esquerda, para levar adiante um plano de luta unitário para exigir ao governo o cumprimento de suas promessas: o aumento salarial, a eliminação do CAS, etc.
 
Por outro lado, chamamos os militantes de esquerda honestos que realmente lutam pela mudança – e depois desta experiência frustrante de apoiar um caudilho militar com a ilusão da mudança e que acabou por servir as mineradoras e os grandes empresários, inclusive com ameaças repressivas – a retomar o caminho assinalado pelos nossos mestres Mariátegui, Marx, Lênin: Construir o partido independente e de classe dos trabalhadores para lutar pela mudança, que não é outra coisa que lutar pelo poder.    
 
Neste projeto o PST (Partido Socialista dos Trabalhadores) aplica todo seu esforço, militância e tradição, sem pretensões e só com a condição de discutir a fundo o programa, o caráter e o projeto deste partido, para o qual reivindicamos a herança política e programática dos mestres do marxismo. A classe trabalhadora e a juventude só têm uma saída: construir uma nova direção, um novo partido dos trabalhadores independente do governo, que se constitua em sua oposição de esquerda, para liderar suas lutas de forma consequente. Caso contrário, novamente a política de capitulação do PC, do PS e companhia abrirá o caminho a uma derrota da classe trabalhadora e seus aliados frente à Humala e os grandes empresários.
 
Tradução: Rui Magalhães
Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador