O PT saberá responder à mensagem enviada pela manifestação do dia 20?

A riqueza da cena e o desafio da recomposição da esquerda são, além de enfrentar o golpe armado e anunciado, avançar nas reformas de base e, assim, desarmar os golpes silenciosos que andam por dentro, pelas ‘agendas’ derrotadas nas urnas, mas vitoriosas nos ‘palácios’

Reginaldo Moraes | Do Brasil Debate

Em artigo no site Carta Maior (agosto de 2015), Emir Sader, analista atento e com muitos anos de janela, faz uma pergunta: “Por que a direita saiu do armário?” Emir afirma que “o que há de novo é a consolidação de um setor de extrema direita na classe média”. E em parte concorda que pelo menos um setor da classe média assume teses fascistas, aberta e agressivamente.

Sua explicação é que “os governos do PT não amaciaram a luta de classes, mas a acirraram”. O “sair do armário” seria resultado dessa “perda de espaço”. Mais precisamente,“o PT é responsável pela saída da direita – e da ultradireita – do armário, porque afetou profundamente os seus interesses”.

Nessa análise, o que não fica muito claro é outra coisa, que podemos sintetizar em outras perguntas: Por que agora, depois de três mandatos presidenciais? Ou não foi agora? O artigo me parece ter o mérito de suscitar essas perguntas – que o artigo do Emir não responde, nem nós tentaremos fazê-lo. Vamos deixar para outra ocasião.

Outra avaliação dessa “nova cena” está no também instigante artigo de Celso Marcondes, do Instituto Lula. O título do artigo, aliás, é precioso: “O PT não perdeu as ruas, mas elas não são as mesmas”. 

Marcondes aponta as duas razões pelas quais a direita teria posto o pé no freio, no seu movimento golpista: (1) demasiadamente alongada, a incerteza resultante do impasse prejudica seriamente os lucros e, por outro lado, (2) em caso de golpe, haveria possibilidade de reações populares pesadas.

A partir daí, contextualiza a manifestação do dia 20, em que as forças de esquerda teriam convergido para uma ação unificada, antigolpe. Assim, nota, com acerto: “O PT estava lá, mas não estava só. E todas as ruas agora apontam para uma bifurcação.”

Aí está a coisa. A manifestação foi contra “o golpe”, é fato. Mas as diferentes forças caracterizaram diferentemente o que consideravam golpe. Para boa parte dos presentes, golpe não era apenas a possibilidade de derrubar a presidenta e banir o PT.

Golpe é impor uma agenda que, claramente, foi derrotada nas urnas, coisa que estaria sendo feita a partir do próprio governo, por dentro da sua equipe. Ou pelo Congresso, com suas leis punitivas extraídas do Velho Testamento. Ou por um Judiciário ultraconservador. O “ajuste do Levy”, assim como os demais retrocessos e recuos, foram seguidamente apontados pelos oradores, faixas, gritos da rua.

Enfim, para retomar uma oportuna diferenciação feita por um grupo da juventude do PT, há uns dois meses: o petismo não perdeu as ruas. Mas isso não parece ser exatamente “o PT”. Por isso, Marcondes acerta, talvez sem pretender: O PT não estava só nas ruas porque o “petismo” ou as crenças e aspirações que um dia se identificaram com o PT estão hoje mais espalhadas fora do PT (embora nem sempre contra o PT).

Esses sentimentos estão alojados em movimentos sociais diversos, em militantes de outros partidos menores e, mesmo, em simpatizantes do PT que não batem continência nem participam de ordem unida. O desafio, para o PT, é entender a diferença entre “fora” e “contra”. Para não se colocar “contra” e acabar “fora”.

Essa é a riqueza da cena e o desafio da recomposição da esquerda, não apenas para enfrentar o golpe armado e anunciado, mas, também, para avançar nas reformas de base e, assim, desarmar os golpes silenciosos que andam por dentro, pelas “agendas” derrotadas nas urnas, mas vitoriosas nos palácios – palácios do Legislativo, do Judiciário e, também, do Executivo.

É sintomático que essa manifestação tenha tido o porte e o entusiasmo que teve, surpreendendo até mesmo alguns dos seus organizadores. Talvez todos, não sei. Mas há precedentes a considerar. Guardadas as diferenças, esta manifestação tem, para o “petismo além PT”, o mesmo significado que teve um ato de campanha, ocorrido na PUC-SP (talvez tenha havido similar em outros estados).

Começo de campanha para o segundo turno, clima de “Aécio ganhou” na mídia, com reflexos depressivos no PT – coisa que se repete em segundos turnos. Dilma faria uma visita à PUC. A direção da campanha e do partido deram ao evento um tratamento “interno”, discreto, quase clandestino. Mas os simpatizantes da candidatura estavam angustiados com a situação e ansiosos por sair à rua. Não aguentavam mais ficar em casa, vendo notícias da “vitória” da direita.

A notícia sobre o evento se propagou rapidamente pelas mais diferentes vias. Aconteceu algo não previsto, não programado: milhares de pessoas se concentraram diante da PUC para um evento que não iria ocorrer, um comício. Dilma foi praticamente empurrada a sair à janela para, pelo menos, acenar para a multidão, sob os gritos de “quem não pula é tucano”.

Naquele ato de campanha, assim como nesta manifestação antigolpe, o fato teve importância sobretudo para a moral política dos manifestantes: a rua tinha sido resgatada. Resgatada pelo petismo, bem mais do que “pelo PT”. Entender esse fato e aprender com ele é um desafio para o PT, estrito senso: ou decifra a esfinge ou é por ela devorado.

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Redação

6 Comentários

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  1. Uma coisa não entendi.

    Muito bom o artigo. Mas uma pergunta, talvez alguém possa me responder: porque os coordenadores da campanha e do partido quiseram dar “ao evento um tratamento “interno”, discreto, quase clandestino “? Porque a esconderam ? Nessa época e, principalmente no meio acadêmico ela tinha alta popularidade. 

  2. Excelente artigo! Fico com a

    Excelente artigo! Fico com a frase O desafio, para o PT, é entender a diferença entre “fora” e “contra”. O petismo é muito maior que o PT! O petismo seria a união de todas as esquerdas pelo proletariado, pelos pobres, excluídos, indígenas, reforma agrária e política além de uma reforma economica e social.

  3. Estive na manifestação aqui

    Estive na manifestação aqui no Rio e tive o mesmíssimo sentimento. Conversei com eleitores do Psol e senti a vontade de enfrentar a direita facista. Nas eleições também, depois de um baque incial com uma aparente virada inevitável do Aécio, a esquerda acordou foi para a rua e “virou a virada do playboy”.

    O governo e o PT por acaso não viram isso? E que só estão no governo devido a isso? Agora o fenômeno se repete. Será que vão continuar abandonando seus eleitores e defensores? 

  4. Os trabalhadores não foram derrotados!

    Apesar dos erros do PT e do governo, os trabalhadores sabem o que querem e principalmente sabem o que não querem!

  5. Ué a dita ” Direita ” não

    Ué a dita ” Direita ” não existe.

    O que existe é um monte de gente indignada com a defesa de gente sem vergonha, que rouba e ainda posa de santo.

    O Dirceu tá indo para a cadeia pela segunda vez.

    e ainda pelo que consta tinha grana enquanto os manés fizeram vaquinha.

    Vaão fazer de novo?

    Algum pio neste sentido?

    Claro que não, já sabem que fizeram ( para variar ) papel de tontos.

    O cinsimo do PT em dizer uma coisa e fazer outra, a incapacidade de entender que o povo vota com o bolso e o brasileiro é CONSERVADOR e isso é o brasileiro SIMPLES

    Esse publico já tava de saco cheio das ditas ” mudernidades ” do PT mas ficava quieto enquanto havia dinheiro sobrando.

    Quem vai para as ruas é classe média?

    Verdade.

    Mas é A CLASSE MÉDIA QUE CONSTROI UMA ECONOMIA DECENTE que em ultima analise da oportunidade de emprego para os pobres.

    Os pobres não foram para as ruas?

    Nas ultimas manifestações no meu ver não.

    Mas isso significa que apoiam o PT?

    Não tambem.

    Como ja disse estão de saco cheio tambem…

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