A LATINO-AMERICANIZAÇÃO DOS EUA

Em 26/11/2005, portanto, há quase uma década, divulguei no CMI o texto A LATINO AMERICANIZAÇÃO DOS EUA (http://prod.midiaindependente.org/pt/blue//2005/11/339425.shtml). O texto era bastante pretensioso e recebi duras críticas por e-mail na oportunidade.

Hoje li no Facebook o seguinte resumo de uma matéria publicada na revista Carta Capital:

“Hoje existem dois EUA. Meu país é um show de horrores”. A fala é do escritor e jornalista norte-americano David Simon, para quem o capitalismo perdeu a visão de seu pacto social. “Os Estados Unidos são hoje um país totalmente dividido no que se refere a sociedade, economia, política. Existem definitivamente dois EUA. Eu vivo em um, em uma quadra de Baltimore, no estado de Maryland, que faz parte da versão viável dos EUA, a parte dos EUA conectada com a sua própria economia, onde existe um futuro plausível para as pessoas ali nascidas. A cerca de 20 quarteirões de distância existe outro país totalmente diferente. É incrível como temos pouco a ver uns com os outros, e, no entanto, vivemos em grande proximidade.” Confira aqui a íntegra do texto do Observer http://bit.ly/1h22Pbt

A separação social entre pobres e ricos nos EUA é em tudo semelhante ao fenômeno que ocorria (e de certa maneira ainda ocorre) no Brasil e em outros países latino americanos. A revista Observer (fonte primeira do artigo reproduzido na Carta Capital) apenas confirmou o que eu disse em 2005. Abaixo reproduzo aquele texto que foi divulgado em 2005 e que não me parece precisar de muitas modificações. Fiz algumas pequenos ajustes no texto, mas sem alterar-lhe o sentido original.

 

“Em artigo publicado no New York Times, Paul Krugman afirmou que:-

“Em 1981, esses capitães da indústria ganharam, em média US$ 3,5 milhões, o que parecia muito dinheiro na ocasião. Em 1988, a média saltou para US$ 19,3 milhões, o que parecia ultrajante. Mas em 2000, a média anual foi de US$ 154 milhões. Sabe-se que os salários dos trabalhadores comuns mal dobraram no mesmo período, embora o grosso desse ganho tenha sido engolido pela inflação. Mas os ganhos dos altos executivos aumentaram 4.300%.”

O Brasil é um dos campeões da concentração de renda. Estamos acostumados a esta triste realidade, como também já nos acostumamos a remunerar os investimentos internacionais com juros criminosos. Paises em situação econômica bem pior que o nosso tem uma distribuição de renda melhor e pagam juros menores aos investidores do primeiro mundo.  Mas o brasileiro tem coisas que nenhum outro povo tem:- novela global, futebol, cachaça, Santa, candomblé, mulata e muita disposição de trocar a infelicidade culta pela felicidade ignorante.

E nisto os norte-americanos diferem dos brasileiros. A crença na tecnologia e na ciência é a seiva vital que irriga a sociedade norte-americana.  Apesar ou por causa disto, os americanos já eram bem infelizes em razão do terror nuclear.

A Guerra Fria acabou, mas a desagregação da URSS foi incapaz de melhorar a qualidade de vida dos norte-americanos. Ao contrário, o terror nuclear acabou sendo amplificado em razão da disseminação da tecnologia atômica ao redor do mundo. 

Em 11/09/2001 os cidadãos americanos descobriram finalmente que também são tocáveis, que serão obrigados a pagar um preço pela dor que provocam ao redor do mundo em razão de suas aventuras militares. A quantidade alarmante de norte-americanos que procuraram tratamento especializado em razão de depressão após o atentado em NY demonstra o quando a sociedade civil nos EUA está doente.

O artigo de Paul Krugman evidencia que, além de todos estes problemas, os norte-americanos terão que conviver com uma concentração de renda tipicamente latino-americana. O que não chegaria a ser um problema, caso eles estivessem acostumados às injustiças sociais. Mas os gringos (como gostamos de chamá-los depreciativamente) acreditam que são predestinados… Não a liderar o desenvolvimento humano, mas a abrir mão de parte de suas liberdades civis para fazer face à guerra contra o terror. E já existem setores preocupados com o aumento assustador do caráter antidemocrático do presidencialismo norte-americano.

Durante seu primeiro mandato o Presidente Bush Jr. (que foi eleito após diversas recontagens de votos) compareceu a uma Universidade para proferir um discurso aos estudantes. Antes que a cerimônia se iniciasse os presentes foram devidamente lembrados que caso vaiassem o palestrante poderiam ser expulsos da instituição e/ou presos. Quem utiliza este tipo de recurso para fabricar o consenso não é exatamente um defensor da democracia, nem tampouco um autêntico mandatário republicano. Só os ditadores empregam a violência como forma de persuasão política.

A latino-americanização dos EUA (concentração de renda, totalitarismo…) parece uma tendência crescente e irreversível. Tanto que na terra do basquete, é o futebol que está caindo no gosto popular nos EUA. Aliás, o futebol dos norte-americanos já se tornou digno de feitos memoráveis. A ponto de alguns torcedores gringos sonharem com uma copa do mundo como se fossem brasileiros, argentinos, uruguaios…

Após a queda das duas torres, os norte-americanos voltam-se cada vez mais para a religião, fato que criou imensas oportunidades para seitas como a Universal do Reino de Deus e outras (que já se instalaram em NY e outras grandes cidades). Um indício a mais de que esta ocorrendo uma inversão nas relações entre a América do Norte e a do Sul. Sem perceber nós estamos influenciando mais nossos vizinhos do que sendo influenciados por eles.

Os escândalos financeiros (ERON, ADELPHIA, WORLDCOM, DYNEGY, HARKEN e outras), as marmeladas eleitorais e a ineficiência policial se tornaram um lugar comum nos EUA. Mas apesar de seus valores tradicionais estarem em declínio, os norte-americanos ainda estando sendo ensinados que os EUA é o farol da liberdade, a terra da oportunidade, da eficiência e da justiça. Quanto tempo demorará até os gringos perceberem que estão sendo sistematicamente enganados? O futuro dos EUA ninguém sabe.  Mas certamente a América nunca mais será a mesma. Felizmente, principalmente para os não americanos.”

Fábio de Oliveira Ribeiro

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