Governabilidade, um ser mitológico inventado pelos canalhas que se dizem democratas

A CF/88, chamada por Ulisses Guimarães de “constituição cidadã”, é longa. Mesmo assim sua estrutura é fácil de decifrar.

O texto prescreve que existe apenas um fundamento para o poder exercido pelas autoridades: a “soberania popular”. Discrimina quais são as garantias cívicas e trabalhistas, estrutura o funcionamento dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) atribuindo suas competências, organizando o Estado em três níveis (União, Estados e Municípios) atribuindo aos mesmos os tributos e obrigações exclusivas e concorrentes e, por fim, esboçando em linhas gerais o funcionamento da  educação, economia, previdência e assistência médica providas pelos órgãos estatais.  Quem é eleito para cargo no Executivo ou no Legislativo ou empossado por concurso ou nomeação em cargo no Judiciário deve cumprir a Constituição Federal e exigir seu cumprimento às demais autoridades. 

Não existe na CF/88 nenhuma referência à “governabilidade”. Portanto, “governabilidade” não é um instituto constitucional.  De fato, o vocábulo e seu conteúdo foram inventados por políticos e jornalistas e passaram a integrar o administrativo brasileiro como se fosse algo mais importante que a própria Constituição Federal.

Todos aqueles que querem extorquir algo do Presidente, Governadores e Prefeitos alegam a necessidade de “governabilidade”. O mesmo se pode dizer da imprensa, que invoca esta mula sem cabeça para impor sua agenda à administração pública ou para impedir o governante eleito de governar segundo as prioridades que foram escolhidas pelos cidadãos nas urnas. 

A ditadura militar nunca sequer cogitou a necessidade de “governabilidade” para governar ou para executar ou torturar inconstitucionalmente suas vítimas. A democracia se curva às necessidades de uma suposta “governabilidade” como se a mesma fosse uma pedra filosofal que garante a sobrevivência do frágil regime às disputas e às crises que lhe são inerentes. Uma ditadura enfraquece e morre ou é derrubada por uma nova ditadura ainda mais forte. Uma democracia somente se fortalece quando cada agente público passa a exercer o pedaço de poder que lhe foi conferido sem levar em consideração os perigos das crises e conflitos que são essenciais ao regime, sem se deixar limitar pela imprensa. 

Dilma Rousseff deve, portanto, ignorar as pressões dos que falam em “governabilidade”. Ela foi eleita pelo povo, exerce um poder derivado da “soberania popular” e deve governar doa a quem doer.

É evidente que todo governante precisa de parlamentares leais ao seu programa de governo. Todavia, lealdades que são compradas com benesses orçamentárias ou mimos administrativos não tem valor político verdadeiro, não impedem crises nem garantem o fortalecimento do regime. Apenas revelam a fraqueza do caráter de quem governa e a debilidade do poder exercido pelo governante.

É um erro tratar canalhas interesseiros a pão-de-ló. Os parlamentares rebeldes devem ser tratados a pão e água até perceberem que a pequena parcela poder que lhes foi conferida pelo povo não é uma moeda de troca, não pode ser usada em seu próprio benefício nem empregada para limitar o poder conferido ao Chefe de Governo e de Estado.

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Política é a Arte do Possível

    Política é a Arte do Possível, dizia o chanceler Otto von Bismark, que aliás não era canalha, nem nunca se disse democrata. Outra frase boa dele foi: “Pobre povo alemão! Se soubessem como são feitas as leis e as salsichas…”

    Governabilidade não está na CF/88, e no entanto existe. A Física Nuclear também não é mencionada na CF/88, e no entanto existe. Não acredito que nenhum governante, tampouco nossa presidente Dilma Roussef, submeta-se a fazer concessões a seus opositores por acreditar em uma abstração chamada “governabilidade” ou coisa assim – o que acontece é que ela não tem poder de barganha para fazer mais. A CF/88 define muito claramente os poderes e atribuições do presidente e dos deputados, e eles podem usar suas prerrogativas como bem entenderem. Dilma Roussef pode tratar a pão e água os parlamentares que não a apoiam, mas esses parlamentares também podem negar aprovação aos projetos de Dilma. É claro que no fim todos têm que chegar a um acordo, mas a balança do poder pode pender para um ou para a outro conforme a conjuntura, e essa conjuntura, como é sabido, não está a favor da presidente, não só porque a oposição aumentou sua representação no legislativo nas últimas eleições, como também a presidente enfrenta um quadro de grande desprestígio em razão dos erros cometidos na sua administração.

    É claro também que se ninguém quiser chegar a um acordo, ocorre o confronto de poderes e termina-se em uma ditadura. Foi o que aconteceu com nosso primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, que entrou em um impasse com o congresso e decidiu fecha-lo, proclamando-se ditador. Mas 18 dias depois estava apeado do poder.

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