Florbela Espanca: “Há uma Primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida”

Florbela Espanca (1894-1930) foi uma poetisa portuguesa, autora de sonetos e contos importantes na literatura de Portugal. Foi uma das primeiras feministas de Portugal. Sua poesia é conhecida por um estilo peculiar, com forte teor emocional, onde o sofrimento, a solidão, e o desencanto estão aliados ao desejo de ser feliz.

Florbela Espanca nasceu na vila de Viçosa, Alentejo Portugal, no dia 8 de dezembro de 1894. Filha de Antónia da Conceição Lobo, que faleceu em 1908. Florbela é então educada pela madrasta Mariana e pelo pai, João Maria, que só a reconheceu como filha depois de sua morte. Estudou no Liceu, em Évora, concluindo o curso de Letras. Seu primeiro poema é escrito em 1903 “A Vida e a Morte”. Atuou como jornalista na publicação Modas & Bordados e na Voz Pública, um jornal de Évora.

Em 1913, casa-se com Alberto Moutinho, seu colega de escola. Nessa época conheceu outros poetas e participou de um grupo de mulheres escritoras. Em 1917, Florbela foi a primeira mulher a ingressar no curso de Direito da Universidade de Lisboa.

Em 1919, lançou “Livro de Mágoas”. Parte de sua inspiração veio de sua vida tumultuada, inquieta e sofrida pela rejeição do pai. Nessa época começa a apresentar um desequilíbrio emocional. Sofre um aborto espontâneo, que a deixa doente por um longo período.

Em 1921, divorcia-se de Alberto e casa-se com o oficial de artilharia António Guimarães. Em 1923 publica “Livro de Sóror Saudade”. Nesse mesmo ano, sofre novo aborto e separa-se do marido. Em 1925, casa-se com o médico Mário Laje, em Matosinhos. Em 1927, sua vida é marcada pela morte do irmão, em um acidente de avião, fato que a levou a tentar o suicídio. A morte precoce do irmão lhe inspirou a escrever “As Máscaras do Destino”.

            

 

Outras obras póstumas foram: “Charneca em Flor” (1931), “Juvenília” (1931), “Reliquiae” (1934), “O Dominó Preto” (1983), “Cartas de Florbela Espanca” (1949).

A poesia de Florbela Espanca é caracterizada por um forte teor confessional. A poetisa não se sentia atraída por causas sociais, preferindo exprimir em seus poemas os acontecimentos que diziam respeito à sua condição sentimental. Não fez parte de nenhum movimento literário, embora seu estilo lembrasse muito os poetas românticos.

Florbela Espanca morreu em decorrência de suicídio por barbitúricos, no dia 8 de dezembro de 1930, às vésperas da publicação de sua obra prima “Charneca em Flor”, que só foi publicada em janeiro de 1931.

 

Amar !

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui…além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,

Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…

O meu impossível

Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!

Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito. É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…

Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!… Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto…

Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!…

Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros 
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.    

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder …
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda …
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !

Amo-te tanto ! E nunca te beijei …
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

 

Saudades

Saudades! Sim… talvez… e porque não?…

Se o nosso sonho foi tão alto e forte

Que bem pensara vê-lo até à morte

Deslumbrar-me de luz o coração!

 

Esquecer! Para quê?… Ah! como é vão!

Que tudo isso, Amor, nos não importe.

Se ele deixou beleza que conforte

Deve-nos ser sagrado como pão!

 

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,

Para mais doidamente me lembrar,

Mais doidamente me lembrar de ti!

 

E quem dera que fosse sempre assim:

Quanto menos quisesse recordar

Mais a saudade andasse presa a mim!

 

Espera

 

Não me digas adeus, ó sombra amiga,

Abranda mais o ritmo dos teus passos;

Sente o perfume da paixão antiga,

Dos nossos bons e cândidos abraços!

 

Sou a dona dos místicos cansaços,

A fantástica e estranha rapariga

Que um dia ficou presa nos teus braços…

Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

 

Teu amor fez de mim um lago triste:

Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,

Quanta canção de ondinas lá no fundo!

 

Espera… espera… ó minha sombra amada…

Vê que pra além de mim já não há nada

E nunca mais me encontras neste mundo!…

 

 

Ser poeta

 

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!

 

E é amar-te, assim perdidamente…
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Fanatismo

Minh’ alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver
Não és sequer a razão do meu viver
pois que tu és já toda minha vida

Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história, tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
De uma boca divina, fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! podem voar mundos, morrer astros

Que tu és como um deus: princípio e fim!…

 

 

Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,

Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo…
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho… E não sou nada !.

Esquecimento

 

 

 

Esse de quem eu era e era meu,

Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei… tateio sombras… que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro…
A sombra dos meus olhos, a escurecer…
Veste de roxo e negro os crisântemos…

E desse que era eu meu já me não lembro…
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos…!

 

Fontes:

http://www.e-biografias.net/florbela_espanca/

http://www.escritas.org/pt/florbela-espanca

imagens de Florbela Espanca :da internet

 

 

Redação

11 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Muito bom, Odonir! E trago um

    Muito bom, Odonir! E trago um dos poemas que mais me emocionam: “De joelhos”

     

    “Bendita seja a Mãe que te gerou.”
    Bendito o leite que te fez crescer
    Bendito o berço aonde te embalou
    A tua ama, pra te adormecer!

    Bendita essa canção que acalentou
    Da tua vida o doce alvorecer …
    Bendita seja a Lua, que inundou
    De luz, a Terra, só para te ver …

    Benditos sejam todos que te amarem,
    As que em volta de ti ajoelharem
    Numa grande paixão fervente e louca!

    E se mais que eu, um dia, te quiser
    Alguém, bendita seja essa Mulher,
    Bendito seja o beijo dessa boca!!

    in “Livro de Mágoas”

      1. Lembrei que noutro dia aqui em Minas saboreei um prato típico

        do qual jamais ouvira falar, nunca soubera o sabor, nem tampouco a forma de degustá-lo.

        Aprendi ao saboreá-lo, sabia ? Poderia não ter gostado, mas gostei.

        Agradeci a quem me apresentou a iguaria, que sensível, havia sido, para me trazer aquele conhecimento gustativo.

        Faço isso com a literatura e a língua portuguesa também.

        Desde muito tempo…

        Nassif me conhece há mais de  duas décadas, desde quando fui professora da Mariana, sua filha mais velha, portanto, sabe da minha preocupação em fazer as pessoas degustarem pratos dos quais eles nunca viram, nunca comeram e nem nunca ouviram falar (pior do que o caviar, do Zeca Pagodinho querido- ah, ele eu sei que todo mundo conhece),  

         

        (Clandestinamente, encontrei R. Carlos cantando. Filmei- o de longe, sabia ?)

        [video:https://www.youtube.com/watch?v=wWwGepaEA_o%5D

  2. Odonir:Frorbela Espanca?
     

    Odonir:Frorbela Espanca?

       Eu adoro este blog e frequento desde sua fundação–até MUITO antes acompanho o Nassa.

           Sem desmerecer ninguém, sabe o que vc arrumou ?

             Desinteresse ou ir pro google.( pouquíssimos)

           Espanca, não é pro nível do blog– que é ótimo ,mas não chega a esse requinte de conhecer a figura em questão.

  3. O Livro das Mágoas

    Para Quê?

    Tudo é  vaidade neste mundo vão…
    Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
    E mal desponta em nós a madrugada,
    Vem logo a noite encher o coração!

    Até o amor nos mente, esta canção
    Que o nosso peito ri à gargalhada,
    Flor que é nascida e logo desfolhada,
    Pétalas que se pisam pelo chão!…

    Beijos de amor! Pra quê? ! …
    Tristes vaidades!
    Sonhos que logo são realidades,
    Que nos deixam a alma como morta!

    Só neles acredita quem é louca!
    Beijos de amor que vão de boca em boca,
    Como pobres que vão de porta em porta!…

             – Florbela Espanca

    Compartilhado por Nickname e repostado aqui.

  4. Prazer em conhecê-la!

    Odonir,

    Que supresa agradável esse seu post!

    Gosto muito das artes em geral e, em especial, da música e poesia.

    Confesso que já cantarolei muito “Fanatismo”, de Fagner, sem saber que a autora da letra era a sua homenageada Florbela Espanca, que tenho o prazer de conhecê-la por seu intermédio.

    Beijos.

    1. Ô, Laura, tenho aprendido tanto com tudo que você posta… e

      como é bom. Algumas das canções de seus posts me batem em uma memória afetiva, como se fossem muito conhecidas, e ao mesmo delas eu soubesse nada.

      E aí vem você e usa sua lanterna mágica que ilumina, esclarece a emoção que estava ofuscada em minha memória.

      Obrigada, viu.

    1. Filme: “Florbela “- completo

       

      A poetisa Florbela Espanca (Dalila Carmo) não consegue levar uma vida de dona de casa e esposa em uma região rural. Seu desejo de descobertas leva-a a acompanhar o irmão Apeles na grande Lisboa, onde pode enfim conhecer tudo o que desejava: festas, amantes, movimentos populares… Embora o marido tente trazê-la de volta, e o irmão seja obrigado a partir, Florbela sente que encontrou seu lugar. Nesta cidade surge a inspiração para os seus maiores poemas.

      [video:https://www.youtube.com/watch?v=y-qvKz_9vG4%5D

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador