Toda crítica deverá ser condenada ou o post do blogueiro doido

Ontem eu postei um pequeno texto apontando, na minha opinião, as responsabilidades do PT na crise hídrica. Como era de se esperar choveram críticas. O que é normal, este é o espírito do blog do Nassif. No entanto, causou-me espanto o primarismo da maioria das críticas. De um dos comentaristas aguardo a prometida cesta de frutas.

De todas, vale a pena comentar o que escreveu o sempre equilibrado Sérgio Saraiva, sob o título O post do blogueiro doido : “Não sei se o colega Ronaldo Almeida teve a intenção, mas em seu A responsabilidade do PT na crise da água ele acaba de se engajar na tropa de choque de Geraldo Alckmin que busca, envolvendo outras pessoas e outros órgãos governamentais, desviar a atenção da responsabilidade única que tem o governo do Estado de São Paulo pela chamada ‘crise hídrica’ paulista.”

Este tipo de comentário expressa com mais clareza o pensamento predominante no blog, que toda crítica representa um alinhamento à “tropa de choque de Geraldo Alkmin”. Mais à frente Saraiva diz que “o texto de Ronaldo também é muito interessante como aula, ainda que involuntária, de manipulação de informação”. Deduz-se que voluntariamente o autor não teria esta capacidade de manipulação. Estou exultante.

O argumento central de Saraiva, o engajamento sem perceber na “tropa de choque de Alkmin”, resume exatamente o espírito que permeia os comentaristas do blog. Toda e qualquer crítica deve ser combatida. E, para combate-la, nada como começar por depreciar aquele que a pratica. Lembra a defesa incondicional que parte majoritária da esquerda fazia do Estado Soviético. Qualquer crítica ao regime que Hannah Arendt enxergava como a encarnação do “mal radical” era tomada como um alinhamento ao “imperialismo e seus agentes”.

Assim a crítica política à direção do PT é vista como uma heresia. E, no entanto, nunca ela se fez tão necessária quanto nos dias atuais. Não discuto que sendo o governo Dilma de coalizão, abrigue os vários partidos aliados buscando a maioria no Congresso. Todos reconhecem que o PT está longe de deter a maioria. Assim como é forçoso reconhecer que é o maior partido com representação no Congresso, além de ser, dentre todos os partidos, aquele que mais atrai a simpatia dos eleitores brasileiros.

Nesta condição o PT tem a obrigação de fazer o combate político e de assumir responsabilidades. Saraiva pergunta quais seriam estas. Não cabe a mim apontar as soluções, mas sim ao maior partido brasileiro, que tem entre seus quadros a presidenta e o prefeito da maior cidade do país.

A falta de iniciativa crítica dos militantes e simpatizantes do PT contribui para o marasmo atual do partido. Fortalece o processo de burocratização extrema e a ascensão de indivíduos absolutamente estranhos à agenda socialista ou mesmo trabalhista. Alija importantes quadros partidários. Não me refiro à Marta Suplicy, obviamente.

Quando um homem como Adriano Diogo, símbolo da luta pelos Direitos Humanos, fica fora da Câmara dos Deputados porque não conseguiu se contrapor à uma máquina eleitoral que substituiu as instâncias democráticas e de base de outrora, deveria fazer a militância pensar. Não é também uma distorção moral vangloriar-se pela expulsão de Luiz Moura, quando o questionamento deveria ser o de como foi a este indivíduo entregue uma legenda? Não incomoda aos militantes e simpatizantes do partido o domínio exercido pela dinastia Tatto numa região inteira da cidade? A militância não deveria estar discutindo o fato de quadros que passaram pelo governo hoje prestarem assessoria a empresas que mantém negócios com este mesmo governo? Nem tudo o que é legal é moral ou ético.

A mim tudo isto incomoda. Mas, acima de tudo, me incomoda a ausência de postura crítica. A história é pródiga em desastres protagonizados por grandes partidos populares. Na França, o alinhamento de Monsieur Hollande às políticas de austeridade de Angela Merkel abre passagem para a ultradireita de Marine Le Pen. Aqui, as omissões do PT tendem a abrir espaço para a volta do PSDB ao governo. Agora, não mais aquele PSDB de Covas e FHC, com as veleidades da social democracia, mas o PSDB de Serra, Aloísio Ferreira, Alberto Goldman e Carlos Sampaio, a ultradireita que brada contra o “socialismo” petista. Uma ameaça frontal aos programas de inclusão social.

O mais cruel é que o fracasso poderá arrastar, por um bom tempo, toda a esquerda democrática para a margem do processo político. A isto se presta o acriticismo.

Redação

5 Comentários

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  1. Militância como religião.

    A crítica política à direção do PT é vista, pela militância fanática que busca uma hegemonia utópica,  como  heresia. Ronaldo Almeida responde, com propriedade, ao único comentário merecedor de atenção.

  2. Parabéns, Ronaldo, por ambos os textos.

    Apesar do primeiro ser bastante provocador, este segundo é certeiro. Há muito digo que o PT devia se proteger de seus militansos na rede, um pessoal que ataca até movimentos sociais legítimos que se erguem nas mobilizações populares e na crítica social. Aqui no blogue, o MPL e sua manifestações viraram palavrão para esse petismo primário, não é à toa que o PT não se renova na juventude; o mesmo tratamento é dado aos índios e suas lutas pela demarcação de terras, posicionamentos racistas são defendidos por petistas contra eles e as organizações que saem sua defesa, como o Cimi e as bases populares da igreja católica, bases que estão na origem histórica do PT; o ambientalismo virou outro palavrão, não é uma causa do interesse da humanidade, mas algo que atrapalha o nacional-desenvolvimentismo abraçado pelo partido, vai contra a base aliada de latifundiários como a Kátia Abreu.

    Infelizmente você tem razão na sua conclusão. Caíram as diferenças das políticas do partido em relação às políticas direitistas. No país urbano, nos centros mais dinâmicos da sociedade, o eleitorado não vê nuances e opta pela alternância do poder, o risco é o de assumir a direita mais extrema e todo retrocesso que isso implica. Bom rever você aqui, um abraço.

    1. Toda crítica…

      Bom dia, Almeida. Concordo contigo que o primeiro foi um pouco provocador. De certa forma era esta a intenção e o escrevi para alguns amigos que, na minha opinião, estão entrando num verdadeiro devaneio. Comecei a ficar deveras assustado quando vi os movimentos sociais sendo criticados e tratados como inimigos, como marginais. Ora, eu me formei no movimento estudantil  combatendo a ditadura. Vivi na clandestinidade e fui preso, passando 4 meses na prisão. Minha companheira foi presa e barabaramente torturada numa ação de panfletagem de primeiro de maio em 77. Como posso ficar contra os movimentos sociais, como posso ficar calado frente à violência policial? Estas pessoas estão perdendo a noção de realidade. Perdem de vista que o PT foi criado – e eu estava lá no Sion – com uma proposta de socialismo democrático. Agarram-se à defesa do instrumento, esquecendo-se dos objetivos. É risível ver estas pessoas aferrando-se cegamente à defesa das medidas do início do segundo governo Dilma. É risível ver a torcida pela candidatura de um Arlindo Chinaglia (que, obviamente, era a menos pior), sem criticar esta pantomima da qual o PT faz parte. É risível ver um José Dirceu dizer que recebeu dinheiro das empreiteiras por “trabalhos de assessoria”! Óbvio que foram “trabalhos de assessoria” pagos a quem tem o caminho em direção às pessoas certas no governo! Estas pessoas não percebem que os dirigentes do PT fazem o que sempre fizeram todos os partidos conservadores? É o velho patrimonialismo !  Eu sempre votei no PT. Votei na Dilma em primeiro e segundo turno, como mal menor. Não faria novamente hoje, pelo menos no primeiro turno. O PT apodreceu e a melhor demonstração são os comentários dos seus seguidores neste blog.

      P.S.: Engraçado é ver alguns dos mais raivosos xingando você. Sequer sabem o quanto é comum o sobrenome Almeida.

      1. Frequento o blogue há mais tempo.

        Sou mais assíduo do que você aqui nesta página. Também faço minhas provocações e críticas ao petismo, saio em defesa dos movimentos sociais atacados por petistas, daí me confundirem com o seu nome. Conheço sua trajetória, fiz a campanha da anistia nos anos 70, tomei conhecimento das prisões sua e de sua companheira; participei dos debates pela formação de um partido socialista de massas naqueles anos.

        Lembro de como respondíamos às críticas da ultraesquerda, de que procurávamos constituir a social-democracia no país. Dizíamos que a social-democracia era um fenômeno dos países centrais do capitalismo, que a exploração imperialista da periferia por esses países permitia lá, a formação de um aristocracia operária cooptada, que tal fenômeno não poderia acontecer em país periférico como o nosso e que, portanto, um partido socialista de massas no Brasil carregaria internamente as tensões dessa contradição; o movimento de massas levaria o partido para posições sempre mais à esquerda, desenvolveria a consciência do socialismo entre os trabalhadores e sua independência de classe, rompendo com a tradição do populismo trabalhista.

        Bem, pra começar, erramos na avaliação do país e no estágio que o capitalismo chegou em nossa época, mas isto é uma longa discussão para outro momento. O fato é que o PT tomou o rumo que estamos assistindo, transformou-se lentamente em partido de quadros, embora com significativa base social ─ lembre-se que o PTB também tinha ─ e foi absorvido na institucionalidade. O PT nunca assumiu claramente o socialismo, apesar de muitas de suas alas tensionassem para itanto, o resultado é que hoje sua ideologia hegemônica é o trabalhismo varguista reciclado e mesclado nas ideias do nacional desenvolvimentismo. Na medida em que o partido foi se firmando na institucionalidade, com conquistas de mandatos, de prefeituras, secretarias e governos estaduais, ele foi se profissionalizando, a miltância de base cedeu lugar aos quadros, que se empenharam cada vez mais, em marginalizar as bases com suas cobranças; o mecanismo de expulsão e isolamento das alas da esquerda entrou em atuação, a discussão do socialismo sumiu, a militância crítica e ativa encolheu ou caiu fora. Ficou muito fácil para os mecanismos externos de cooptação atuarem, estão aí funcionando às claras; Dirceu, Palocci, suas “consultorias” e quetais são os exemplos mais escancarados.

        Depois de quase quarenta anos de luta, é foda constatar isto, mas, fazer o quê? É a realidade. Votei ─ quem diria ─ no partidão no primeiro turno; depois de alguns pedidos e um apelo bastante emotivo em particular, tapei o nariz e votei na mulher, mesmo sabendo o que esperava. Vi um playboy chegar no governo e deu no que deu; vi um bêbado acordar de ressaca e fazer uma merda na presidência, que me custou vinte anos da minha vida que poderiam ter sido muito melhor aproveitados; sei o que pode fazer alguém numa deprê de pó, então, acho que fiz uma escolha racional. Apoiei a candidatura Iasi, pela sua proposta de constituir uma frente real de esquerda, não simplesmente eleitoral. Acho que vamos precisar disso quando esse governo afundar em seus recuos direitistas.

        Um abraço para você e a companheira, bom revê-los juntos.

        1. Frente de esquerda

          “Acho que vamos precisar disso quando esse governo afundar em seus recuos direitistas.”

          E vai ser mais cedo do que imaginamos. Acredito que o panorama mundial está mudando, com a eleição do Syriza na Grécia e o crescimento do Podemos na Espanha. O ataque do BCE ontem contra a Grécia pode levar à radicalização. Aqui, a questão da água tende a tomar proporções bem mais amplas do que esperam tucanos e petistas. Pode estar em jogo algo que o nacional-desenvolvimentismo não aceita discutir: uma nova ética produtiva, necessariamente anticapitalista. Quanto ao PT, não passa de um aparato burocrático carcomido. Você fala em partido de quadros, nem isso, digo eu. Apenas um partido lastreado na burocracia estatal e paraestatal. Minha esperança concentra-se exatamente nos movimentos sociais que estão nas ruas, sequer no movimento sindical, quase todo ele cooptado.

          Grande abraço.

           

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