A América Latina faz-se dispensável, por Janio de Freitas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Yin Bogu/Xinhua

Jornal GGN – Partidários de Hillary Clinton apostam na ação do governo russo para que os democratas fossem vencidos na eleição. Trump, que bradou antes de ser confirmado, que se não ganhasse era por existir fraude, veio com a nova de que quase três milhões de imigrantes ilegais nos EUA teriam votado. Os dois lados são taxativos ao dizer que a eleição foi fraudada. “E de uma eleição assim não resulta um eleito” vaticina Janio de Freitas, em sua coluna de hoje na Folha.

O articulista traz um apanhado do governo que se inicia na vizinhança norte das Américas, sugerindo que o quadro interno é menos pessimista do que alardeia o mundo, talvez por esperarem que Trump avance além do anunciado em campanha para concretizarem esse excesso de irrealismo.

De qualquer forma, as primeiras ações de Trump escancaram a fragilidade da América Latina, tendo o México como alvo que representa toda a região. O que aconteceu antes das eleições não merecia resposta nem do presidente do México, pois eram promessas. Agora o quadro vira, e o presidente dos Estados Unidos determina o segregacionismo e solta loas à pretensa superioridade dos americanos, querendo o tal muro de 3 mil quilômetros. E a conta vai para o México.

O fato é que a América Latina se calou diante disso. Leia a coluna de Janio.

Da Folha

Primeira semana de Trump evidencia fragilidade da América Latina

Por Janio de Freitas

Os adversários se completam. Desde Barack Obama, os partidários de Hillary Clinton sustentam que o governo russo teve participação eleitoral contra a candidata democrata. Como candidato, Donald Trump acusou a existência de fraude, advertindo que não aceitaria sua derrota; como eleito, admitiu a participação informática de russos contra Hillary, e, como presidente, acusa a participação fraudulenta de quase três milhões de imigrantes ilegais na eleição. Os dois lados concordam que a eleição foi fraudada. Logo, ilegal, criminosa e inválida. E de uma eleição assim não resulta um eleito.

Os ganhos recordistas que a Bolsa de Nova York produziu, em euforia com a reversão autoritária inaugurada por Trump, explicam a aceitação de um suposto eleito como presidente. E sugerem um quadro interno dos Estados Unidos muito diferente da expectativa pessimista que perpassa o mundo. O mais provável é que as esperanças de impeachment ou renúncia, sustentáculo de muitas opiniões, traduzam excesso de irrealismo. Ou dependam de que Trump avance até além do que anunciou e começa a praticar.

Diante disso, a primeira semana de Trump foi suficiente para indicar a fragilidade medíocre da América Latina, na qual o México é um alvo em nome de todos os latino-americanos. Antes da eleição, os ataques de Trump ao México eram palavras de candidato. Ninguém precisava protestar, nem mesmo o México o fez. O ataque passou a ser do presidente. Era, portanto, o governo dos Estados Unidos a determinar que o México custeie, sob pena de represálias, os 3.000 quilômetros de um muro que satisfaça o segregacionismo e a pretensa superioridade de americanos. Um caso internacional de interferência.

Nenhum país latino-americano emitiu uma só palavra de solidariedade ao México. Ou, ao menos, de ponderação sobre a atitude do presidente americano tão arbitrária e adversa à muito cantada, sobretudo pelos Estados Unidos, “fraternidade panamericana”. De fato, o que não falta entre nós são tratados, acordos e cartas prescrevendo convivência fraterna entre os países da região e condução pacífica dos desentendimentos. Um dos mais importantes desses laços até se chama Tratado do Rio de Janeiro. E existe mesmo uma tal Organização dos Estados Americanos, com a qual, apesar do nome, os governos americanos sempre puderam contar.

Medo, pusilanimidade, subserviência, malandragem à espera de uma vantagenzinha, há de tudo na omissão dos governos latino-americanos, excetuado o México compelido a ficar de pé. Seja construído ou não, o muro de Trump separa, na verdade, os seus Estados Unidos e a América Latina. Para a qual, fosse como candidato, como eleito ou já presidente, essa figura própria para os anos 1930 não dirigiu nem sequer um aceno de cumprimento.

A América Latina faz-se dispensável. Com o Brasil à frente.

O amigo

Caberia ao ministro Gilmar Mendes declarar-se impedido, quando for o caso. Não se espera que o faça. Mas suas longas visitas “de amigo” a Michel Temer o tornam impedido moralmente de conduzir, como faz, parte dos procedimentos no Tribunal Superior Eleitoral sobre irregularidades da chapa Dilma-Temer. Assim como o tornam moralmente impedido de eventual escolha, ou sorteio, para ser no Supremo o novo relator da Lava Jato, em cujas delações Temer aparece quase 50 vezes.

Vontades

Assistente de Teori Zavascki no caso Lava Jato, o juiz Márcio Schiefler Fontes foi cumprir em Curitiba a formalidade de ouvir Marcelo Odebrecht, sobretudo, nesta indagação obrigatória: fez sua delação premiada por “vontade própria?”

Foi, claro. Depois de um ano e quatro meses na prisão, sem ser ouvido até que se mostrasse disposto a fazer a delação desejada pelo juiz e pelos procuradores –estes detentores, eles sim, de vontade imprópria.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

18 Comentários

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  1. Fragilidade da América

    Fragilidade da América Latina? Quando o eleito e o derrotado no “mais” importante país democrático do mundo dizem que a eleição foi fraudulenta,só podemos dizer que a fragilidade está na democracia.

    Triste!

  2. Qual delator, há meses preso,

    Qual delator, há meses preso, vai se postar diante de um juiz do STF, encarregado de homologar, ou não, suas delações, seria forte o suficiente para negar que se sentiu pressionado a delatar. Digamos que faça isso, o que viria como consequência? No mínimo mais outros tantos meses ou anos de cadeia, até que os burocratas do Poder Judiciário, trocando papéis em “n” datas de assinaturas, para ao fim e ao cabo concluírem que o delator, coitado, é um mentiroso, aumentando ainda mais a dose das penas.

    É muito bonito o prefácio dos interrogatórios de Moro com seus prisioneiros, quando usa a Lei para tais colocações, como: “O senhor sabe que está aqui para falar a verdade, …”. Se o cara ou a cara fala a verdade, mas tal verdade induz ao depoente esclarecer seus vínculos com os Estados Unidos, ou com algum tucano, em resposta aos advogados de Lula, por exemplo, aí Moro entre de tacada e diz: “Dr. Fulano, essa pergunta já foi feita. O senhor tá querendo tumultuar a investigação, e mais outras são ditas, na cara de pau. Não à toa os advogados de Lula só faltam perder a cabeça de tão indignados com as conduções dessas investigações e depoimentos.

    Pelo exposto por Jânio de Freitas fica esclarecido que todos os processos serão homologados pelo relator substituto de Teori. Não tem conversa.

  3. A America Latina tem algumas

    A America Latina tem algumas armas brancas nesse conflito racista: o fluxo de turistas latinos para os EUA é importante para a economia americana, especialmente da Florida, Nova York e California. Uma diminuição voluntaria desse fluxo seria imediatamente entendida pelos EUA, todos gostam do dinheiro latino-americano, pouco ou muito.

    Uma politica restritiva contra latino-americanos nos aeroportos dos EUA deveria ser uma razão para mudança de planos de viagem mas a realidade é que os brasileiros não se ofendem facilmente e não assumem sua condição de latinos,

    é uma pena. Se os latinos parassem de ir tanto a Disney em solidariedade ao Mexico, os EUA entenderiam rapidinho o recado. No minimo um boicote aos hoteis Trump, se algum latino tiver vergonha na cara.

    1. Infelizmente a classe alta

      Infelizmente a classe alta brasileira que viaja constantemente para a Flórida admira e bate palmas para Trump. São os mesmos que marcharam contra Dlma. São centenas de mulheres brasileiras grávidas que vão para Miami por 3 meses para que o bebê tenha a cidadania americana, com todo o irgulho ! É isso aí a classe alta brasileira. 

      1. Viralatas amarelos

        ANA TORRES

        Você chamou os viralatas endinheirados de “classe alta”.

        É um nome meio inadequado, penso eu. “Alta” tem a mesma raiz que “Altivez”, e esta qualidade os viralatas endinheirados não têm.

        Portanto, que tal chamar os viralatas amarelos de “classe dominante” ?

         

    2. a….

      Sobre o último paragrafo do texto de Janio, pensei que não veria ou ouviria citação alguma na imprensa. É impressionante e inacreditável: “Caro sr. Marcelo, depois de 1 ANO E MEIO PRESO, antes de um julgamento livre e republicano garantido o seu direito supremo de se defender e ser tratado como suspeito e não como condenado, o sr. declara que não sofreu pressão a respeito de seus depoimentos e delações?” É SURREAL. É o país bipolar. Único na história da Humanidade. E sobre a América Latina, mas principalmente o Brasil, potência mundial economica e estratégica não assumida, a pergunta que deveria ser feita, principalmente já nos idos de 2017: Precisamos dos EUA, da sua tutela, chancela, apoio, permissão, território, turismo , aprovação….para quê? O TRUMP que cerca até as praias e fique lá dentro gastando bala de M16 entre eles.Será que sem suas guerras e empresas nos países dos outros eles se sustentam por muito tempo? E nós, brasileiros, já abaixamos as calças até os pés. Estamos de bunda de fora há mais de 1 século. Um pouco de vergonha na cara. De que precisamos que não temos ou não possamos produzir dentro do nosso próprio país? 

  4. Falando em lava jato, se Eike

    Falando em lava jato, se Eike voltar realmente amanhã, conforme seu advogado, talvez a explicação lógica é de que ele foi aos EUA fazer um acordo direto de delação premiada. Foi ao chefe, passando por cima do PGR e de Moro. Quem sabe não foi o Paes, hoje novaiorquino,  que fez a intermediação? A trama promete e os personagens se multiplicam…

  5. Tanto a classe trabalhadora quanto a capitalista?

    Ou os capitalistas de lá estão querendo tomar a fatia de mercado dos capitalistas de cá? Mas, se fosse esse o caso, seria apenas um mercado fornecedor, mas jamais consumidor, pois se as duas classes sociais da América Latina são dispensáveis, não somos considerados um mercado consumidor, mas apenas fornecedor de matérias-primas sem qualquer valor agregado exceto o da extração e beneficiamento mínimo.

  6. Águas passadas são passíveis de terem rodado moinhos, entretanto

    Em vez de ficar afirmando que foi eleito mesmo tendo sido vítima de fraude, não seu autor, o Trump tem que mostrar ao que veio. Se ele pisar nessa casca de banana, ele vai passar todo o seu mandato desfocado do essencial, sem mostrar ao que veio, que é fazer a America Grande de novo. Se ele cair nessa provocação barata, ele vai terminar seu mandato com uma Americazinha menor do que quando começou.

    Segui il tuo corso, Trump

    Entra peró non lascia fuora la speranza

  7. Nossos bodes vivem soltos, se quer evitar o contato, prendam…

    O Trump é que tem que prender suas cabritas, se acha que elas não devem ficar soltas, e não exigir a prisão dos bodes latino-americanos.

    O muro valerá só para impedir o transito de pessoas ou também de mercadorias?

    We’ll break on through to the other side, so, make bridges, not walls

  8. mas …

    mas quando precisa de um “gorpinho” por aqui, eles não pensam duas vezes. Se somos dispensáveis, nos deixem em paz, pois eles também nos o são.

  9. Quais as alternativas ?

    ” Nenhum país latino-americano emitiu uma só palavra de solidariedade ao México. Ou, ao menos, de ponderação sobre a atitude do presidente americano tão arbitrária e adversa à muito cantada, sobretudo pelos Estados Unidos, “fraternidade panamericana”. “

     

    Os textos da esquerda são de uma ingenuidade descomunal. De que adiantaria algum país latino americano afrontar os EUA ? Seria como se um chihuaua enfrentasse uma matilha de lobos sozinho.

    Além do mais os EUA estão no seu direito de escolherem quem entra em seu território e quem não entra. Isto como país, mas mas ainda como Império.

    A América Latina sempre foi dispensável, só que poucos percebem isto. É uma das regiões mais vulneráveis do mundo, pois é considerada área de influência imediata e direta  do mais poderoso Império já surgido sobre a face da Terra. Somos o ” quintal ” dos EUA, quer gostemos ou não. É a lei do mais forte, que sempre foi a arma dos grandes Impérios, desde a antiguidade.

    A América Latina, não pode se dar ao luxo de ter grandes populações, como a China, nem de ter grande crescimento populacional, como a Índia, pois a qualquer momento um golpe, de estado vem e destroi centenas de empresas gigantescas, e gera milhões de desempregados, e nós nada podemos fazer a respeito a não ser reduzir a natalidade. Basta entrar um louco no poder do Império e todos os nossos planos de crescimento se desfazem em nada.

    A América Latina é vulnerável, acima de tudo porque a maioria dos países desenvolvidos nos põe barreiras contra o visto de entrada em seus países, ou seja contamos apenas conosco mesmo, e com mais ninguém. Não temos para onde migrar com facilidade.

    Diferentemente da crise europeia de desemprego, que também foi causada pelo neoliberalismo, aqui não temos para onde migrar, nem para onde fugir. Os europeus, portugueses, gregos, com sua cidadania europeia, encontram portas abertas para a sua imigração em quase todos os países do mundo.

    ———-

    O México será um dos países mais atingidos pela política isolacionista de Trump, pois tem um crescimento demográfico muito maior do que o resto da América Latina, taxa de natalidade e de fecundidade entre as maiores do continente. Se houver uma crise economica no México, seu desemprego será alto.

    Aliás, todos os países com grande população na América Latina, ficam reféns do alto desemprego, tão logo se inicie uma crise econômica.

    O México acreditou que estaria protegido, por ter um tratado econômico com os EUA, mas esta segurança é ilusória e pode acabar a qualquer momento.

     

  10. Inacreditável

    A América Latina e NADA é a mesma coisa para o Tio Sam.

    Acorda Brasil, que teima em ficar deitado em berço esplêndido.

    Que todos os países do continente busquem os seus próprios interesses. Ponto.

    Olha que o Tio Sam está dando esta oportunidade única e de ouro pelo simples fato

    de sermos ignorados. Hahahahaha.

  11. Dispensáveis são os povos

    Dispensáveis são os povos latino-americanos.

    O pré-sal, o nióbio, os recursos hídricos, etc.,etc.,etc., não.

    São absolutamente indispensáveis, mais que isso, não extremamente necessários.

    Para eles.

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