A autofagia da esquerda e o ajuste fiscal, por Roberto Requião

 
Do Brasil 247
 
A AUTOFAGIA DA ESQUERDA E O AJUSTE FISCAL
 
Roberto Requião
 
Estarreço-me ver companheiros de uma vida toda de militância antiliberal exporem-se na defesa de tudo aquilo que abominamos e combatemos
 
Nas últimas semanas, conversei diariamente, e por mais de uma vez ao dia, com economistas brasileiros. E deles, indistintamente, colhi previsões funestas, caso o ajuste-Levy seja aprovado também pelo Senado. O ajuste, por ser intrinsecamente recessivo, vai agravar ainda mais uma economia já estagnada.
 
Os economistas estimam que o ajuste-Levy vai nos empurrar para uma contração de, no mínimo, dois por cento, em função dos cortes nos gastos públicos e no crédito ao setor privado, sem que se mencionem os aumentos de impostos sobre a produção.
 
Somadas a isso, teremos as consequências danosas da Operação Lava Jato, que devem provocar uma contração adicional de três por cento, já que a economia do petróleo representa de 13 a 17 por cento do PIB brasileiro. Assim, estamos sob o risco de uma contração de cinco por cento, um índice sem precedentes em nossa história. O governo e o congresso estão mesmo dispostos e preparados para aceitar essa responsabilidade? A responsabilidade por um crescimento negativo de cinco por cento? Pela elevação do desemprego a taxas de 15 por cento?
 
Pelos cortes em saúde e educação que vão diminuir a qualidade desses serviços já sofríveis? Pelo cancelamento de direitos trabalhistas conquistados a duras e ferrenhas lutas?
 
Ninguém discorda que já estamos mergulhados na crise, em recessão. Esse último Dia das Mães, por exemplo, foi o pior Dia das Mães desde 2003. Pois bem, em uma situação econômica de tal gravidade, o único ponto de equilíbrio que nos oferecem é o da contração da produção e do emprego. O ponto de equilíbrio da depressão.
 
O que nós precisamos é de um Programa de Crescimento, de um Projeto de Brasil Nação, e não de um programa da estabilização da crise. E por que essa obsessão com o tal ajuste? Para, supostamente, impedir que as agências de risco desclassifiquem o Brasil. Precisamos dessa classificação?
 
Um pequeno arranjo com a China, muito inferior ao que poderia ter sido se fôssemos mais sábios, garantiu-nos 53 bilhões de dólares de crédito só numa tacada. Sem pedir licença a agência de risco alguma.
 
Podemos certamente aceitar a necessidade, como toda economia tem em todos os tempos, de aumentar temporariamente a dívida pública, para depois diminuí-la, quando a economia se recuperar. Aumentar a dívida pública?
 
Os monetaristas, os discípulos de Friedman, os neoliberais como Joaquim Levy fogem dessa variável como o diabo da cruz. Mesmo que países como os Estados Unidos usem e até abusem do expediente. Melhorar marginalmente um indicador contábil de endividamento, que já é bom, vale o sofrimento de milhões de famílias?
 
Pior: a recessão e o aumento de juros não vão melhorar esse indicador. A experiência histórica de países como a Grécia, e a mera lógica, nos mostra que recessão e aumento de juros não melhoram a relação dívida sobre PIB.
 
Agora, se o objetivo desse plano for o de desmoralizar governos de esquerda, para que nunca mais voltem a governar este país, o plano tem sentido.
 
Nesses dias, o país debate intensamente a precarização do trabalho, com a aprovação na Câmara do projeto de terceirização. No entanto, está em curso uma precarização muito mais perigosa, letal: a precarização da democracia.
 
Aprovando este ajuste, tanto o Legislativo quanto o Executivo renunciam sua prerrogativas, transferem ao mercado as suas funções e realizam o ideal neoliberal do Estado mínimo. Transferimos ao mercado a gestão da economia, dos gastos públicos, das relações políticas e econômicas internacionais, da política de infraestrutura, do planejamento. Sobrará a tarefa da segurança pública. E olhe lá…. A nossa já precária democracia tornar-se-á mais débil, vacilante e errática do que é hoje.
 
Mirem na Europa. Vejam o que o mercado fez com as democracias, não apenas de Portugal, Espanha, Itália e Grécia, mas sim também as da França, Alemanha e Inglaterra. A precarização da democracia, provocada pela supremacia do mercado levará a civilização a sua maior crise de toda a história.
 
O povo brasileiro e o Congresso devem dizer não ao ajuste-Levy, não à recessão e ao desemprego, não prevalência dos interesses do mercado sobre a ventura de vida dos brasileiros, não à precarização do trabalho, não à precarização da democracia.
 
Devemos dizer sim a um Programa para o Brasil. Face à incapacidade de muitos de seus contemporâneos de acreditar em Deus, no mundo já liberto das trevas medievais, Blaise Pascal propunha uma aposta aos céticos, assim:
 
“Caso você acredite em Deus, e Deus realmente existir, você terá ganhos infinitos. Caso você acredite em Deus, mas Deus não existir, a sua perda será finita, extingue-se com a sua morte. Caso você não acredite em Deus, e Deus realmente inexistir, seu ganho também será finito, perecível. No entanto, se você não acredita em Deus, mas Deus existir, você terá uma perda infinita e padecerá eternamente no fogo do inferno.”
 
Logo, aconselhava Pascal, melhor acreditar. Se ele não existir, você perderá apenas o tempo de uma vida; mas se Deus existir a pena pela descrença será eterna.
 
Vejo hoje o Congresso com o mesmo comportamento oscilante dos apostadores de Pascal. A base não está convencida que o ajuste de Levy vá dar certo, e nem que os apertos sejam a antessala do paraíso. Mas titubeia, pensando: vai dar errado? Vai dar certo? Devo acreditar? Devo descrer? Se voto contra e der certo? Se voto a favor e der errado? Enfim, nem mesmo a base tem certeza de que existe vida depois do plano-Levy.
 
De minha parte, reafirmo a absoluta incredulidade nos tais ajustes “levianos”. Aposto que vai dar errado e não temo, por ser assim radicalmente ímpio, ver a minha língua queimada. Eu não entendo. Não me é compreensível que esses ajustes, preparados com ingredientes altamente tóxicos, só porque patrocinados por um governo hipoteticamente de esquerda, possam perder o potencial maligno, peçonhento, destruidor.
 
Quando, em que circunstâncias, cortes em saúde e educação, arrocho salarial, alta de juros, desemprego, corte de crédito, aumento de impostos, agiotagem, cancelamento de direitos trabalhistas, quando essa fieira de insanidades produziu efeitos positivos para o país e para o seu povo?
 
Estarreço-me ver companheiros de uma vida toda de militância antiliberal exporem-se na defesa de tudo aquilo que abominamos e combatemos. De outra banda, em um jogo de sinais trocados, de simulação e mascaramento temos a oposição a agitar a bandeira da defesa dos trabalhadores.
 
Pobres trabalhadores, duplamente desamparados, duplamente abandonados.
 
https://www.brasil247.com/pt/247/artigos/182711/A-autofagia-da-esquerda-e-o-ajuste-fiscal.htm
Redação

14 Comentários

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  1. Requião. A verdadeira

    Requião. A verdadeira autofagia começa quando da cisão de grupos do PT para formar partidos em que um ou outro pudesse chamar de seu. Interessantemente, o moralismo foi a bandeira para a cisão e continuou a ser durante o processo de autofagia. E eu nem sei o que o senhor faz no PMDB que nem ideologia tem. 

  2. As oito direções

    O Requião, como sempre, bastante didático e erudito, parabéns pelo belo artigo. 

    Acrescentaria poucas considerações à discussão proposta por ele, visto que concordo no principal, não é diminuindo a atividade economica do Brasil e empobrecendo a sociedade que teremos melhores condições financeiras para vencer a atual crise, muito pelo contrário, a medidas levianas só nos enterram mais ainda no buraco.

    Penso que a reflexão que se deva fazer quanto a ajustes e medidas a serem tomadas para melhorar as condições da sociedade brasileira deveriam, na minha humilde opinião, checar as oito possibilidades de se mexer no econômico e no financeiro do Brasil, sem uma clareza sobre a medida certa, de menor impacto negativo e maior impacto positivo, não se deve agir, pois a economia é um organismo complexo que não pode ser monitorada na sua inteireza e que por isto mesmo, deve desprezar todos os achismos e opiniões pessoais, pois o futuro é incerto e por ninguém sabido.

    Não existe um salvador da pátria dotado do conhecimento universal para dar a resposta certa, existem sim modelos, que testados e experimentados à exaustão, nos dão possibilidades mais consistêntes com nossos ânseios.

    Dilma, não caia no canto da sereia do Levy, nem ceda a chantagenzinhas baratas emocionais, o Brasil espera de você e sua equipe a firmeza e a sensatez na condução do País nestes tempos turbulentos e de incertezas.

    Como anedota, acrescento que Mercúrio está retrógrado até 11 de junho de 2016, assim não é hora de assinar contratos, nem assumir compromissos que possam apresentar cláusulas desconhecidas lesivas no futuro, agora é tempo de revisar e repensar ações passadas e não se comprometer com declarações infelizes.

  3. Governo controla gasto, não déficit

    O governo só tem controle sobre o gasto, não sobre o déficit, pois este depende do que ocorre em toda a economia. Todas as vezes em que foram tomadas medidas como as que Levy está a tomar, a redução do déficit público, que seria o objetivo a alcançar com elas, não foi conseguida. Pior: com tais medidas, o déficit público aumentou! Isto aconteceu, se não no mundo inteiro, ao menos no Brasil (remember governo FHC que reduziu gastos e elevou a dívida líquida pública de cerca de 26% do PIB para 60% do PIB!) e na Inglaterra, como demonstrado por estudo sobre a questão inglesa abrangendo 100 anos (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=174…).

    O mais grave é que os cortes levyanos, ou levianos (pois provocarão aumento do déficit que em tese reduziriam), arrocham, mais uma vez, os menos favorecidos, que serão imolados em honra de mais uma teoria idiota. Trata-se de reiteração de crueldade vazia e estúpida.

  4. Requião é sonhador, não

    Requião é sonhador, não enfiou na cabeça que o país é pobre, seus recursos são finitos e curtos, que o Brasil não sobrevive, nem gera empregos, sem recursos externos. Estes, por sua vez, não vêm se a economia estiver desarranjada e o governo não tiver credibilidade. Aí entra a importância das agências de risco que, goste-se ou não, são as fontes de consulta dos investidores. O argumento dele, de que o país consegue eventualmente recursos com a China, sem se importar com indicadores de endividamento, mostra duas coisas: ele não se importa em ficarmos nas mãos do imperalismo chinês (mas do americano, sim!) e se a dívida subir muito, basta não pagá-la (essa é sempre a saída da esquerda).

    1. Vamos falar de Brasil

      Caro Caetano,

      o país é pobre? Ora, mas não é a  7ª ou 8ª economia do mundo? Ainda que fosse a 10ª economia mundial, seria um país pobre? Se é pobre então defina, por gentileza, a pobreza.

      Quanto à economia supostamente “dessaranjada” gostaria que você me dissese o  que vem a ser uma “economia “arranjada”. 

      Então lhe pergunto: o que , para você seria uma “economia arranjada” aqui no Brasil? 

      Qual é a ” importância” das “agências” de risco? Por que? Pra quem? Como? 

      O que para você “é” um indicador? Para que serve? O indicador traz consigo a solução de um problema qualquer? Se sim, como? Demonstre. 

      Estou desconsiderando o  debate ideológico, portanto, peço-lhes para esquecer qualquer viés de esquerda ou de direita.

      Fale de economia.

      E, com base nela, vamos tratar de Brasil, ok? 

      Vamos lá.

      Quero ler seus aconselhamentos.

      Saudações 

       

       

       

      1. Prezado Mosigenio, esclareço

        Prezado Mosigenio, esclareço que não sou economista, minha opinião parte de, admito, conhecimento limitado e alguma lógica. Mesmo assim, respondo a algumas de suas questões.

        O país é pobre, sim, infelizmente, mesmo sendo 7ª ou 8ª economia do mundo. Tudo é relativo. Estamos atrasados, temos pobreza, não conseguimos ainda proporcionar um bem-estar razoável à nossa população. Educação, saúde e transporte, como sabemos, deixam muito a desejar na maioria esmagadora dos municípios brasileiros. E por que o governo não investe mais para resolver esses problemas? Desprezando fatores como corrupção e incompetência, a resposta é porque não há dinheiro suficiente. E por que não há? Porque o governo não gera dinheiro, apenas arrecada e investe, mas arrecada sobre uma base fraca, insuficiente para nossas necessidades. Aí entra a importância do investimento externo, que faz a economia crescer, que gera emprego.

        Economia dessarranjada é a desequilibrada, ou seja, com deficit. Para corrigir isso é que o governo está fazendo cortes e contingenciamento de despesas. Se não fizesse isso, iríamos para o buraco rapidamente.

        Os investidores estrangeiros como, por exemplo, fundos de pensão, só podem investir em países que têm o chamado “grau de investimento”, que é uma espécie de nota aceitável que as agências de risco concedem a empresas e países. Por exemplo, a “nota” da Argentina é muito, muito pior que a do Brasil. Por isso ninguém investe lá, mas investe no Brasil. Temos mais chance de criar empregos que eles.

        O “indicador” a que me referi é apenas um índice, por exemplo, dívida pública dividido pelo PIB, que mostra o grau de endividamento. Obviamente que, como pessoa física, se ganho cinco mil reais por mês e já devo cinco milhões, dificilmente algum banco vai querer emprestar-me dinheiro. O indicador não traz solução para nada, mas pode, como diz o nome, indicar eventuais problemas.

        É o que penso, deixando de lado a ideologia.

    2. Então qual a diferença se

      Então qual a diferença se eleger PT ou PSDB? Se ambos devem fazer a mesma política econômica?

      Segundo o seu raciocinio, não há mais como ser de esquerda no mundo. Ou melhor ser governo e ser de esquerda são duas coisas imcompatíveis. Concordamos com essa conclusão.

      Mas é engraçado ver aqueles que um dia recamavam dessa política a defenderem quando viram governo.

  5. Previsão do tempo

    Se a previsão do tempo fosse de chuva e trovoadas ainda haveria um ganho, ao menos para o seco Cantareira.

    Nas desde que Levy assumiu o governo, digo o ministério a realidade é que faltará chuva e abundarão as trovoadas na cabeça do povo.

    O que terá acontecido para o governo Dilma tomar essa direção? Penso que se o governo tivesse visto menos o JN da RGT estaríamos melhor conduzidos!

    -Ei, Dilma, faça como o Papa que a vinte cinco anos não assiste televisão, 

    “Francisco afirmou ainda que lê apenas um jornal, o italiano “La Repubblica”, de tendência centro-esquerdista — e não o “L’Osservatore Romano”, o jornal do Vaticano.”

    http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/papa-afirma-que-nao-ve-tv-ha-25-anos/

     

  6. Brilhante

    A proposta Dilma/Levy deveria ser recusada porque: é brutal, e não gradual; imposta, e não negociada com os segmentos da sociedade (apenas com um legislativo vendido); desproporcional na relação entre os custos do governo e os custos da sociedade; financista, como o seu idealizador; inviabilizadora dos projetos da nação defendidos outrora pelo mesmo partido que a propõe.

  7. Brilhante

    A proposta Dilma/Levy deveria ser recusada porque: é brutal, e não gradual; imposta, e não negociada com os segmentos da sociedade (apenas com um legislativo vendido); desproporcional na relação entre os custos do governo e os custos da sociedade; financista, como o seu idealizador; inviabilizadora dos projetos da nação defendidos outrora pelo mesmo partido que a propõe.

  8. Artigo excelente

    A cada previsão, o PIB é menor. 2%, 3%, 5% negativos…  E Dilma não está nem aí.

    Com certeza, se forem 5% será a maior recessão da história, nem Collor, ou FHC conseguiram tal record negativo.

    15% de desemprego, 15 milhões de desempregados, mas para Dilma, o que importa é manter a taxa de juros Selic subindo, os “investidores” é que são a razão dela governar. O povo não importa realmente para ela.

    Parece que a verdadeira face de Dilma foi revelada. Mostrou as garras. E a reação não tardará a vir nas urnas; o país vai se recuperar, leve o tempo que levar, mas o PT provavelmente nunca mais conseguirá voltar ao que era antes.

    “Agora, se o objetivo desse plano de ajuste for o de desmoralizar governos de esquerda, para que nunca mais voltem a governar este país, o plano tem sentido.”

    Tem sentido sim, para mim Dilma se vendeu para a direita e traiu o PT, a esquerda e o país. Queria saber quanto pagaram para Dilma trair o Brasil. Mesmo que ela tivesse falta de noção, imcompetência, ou problemas mentais, o que não acredito ser o caso, não guiaria o país com tanta precisão rumo ao abismo. Tudo indica ser algo premeditado.

    E o PT, se tivesse um pouco de brio e Dignidade, já deveria ter ameaçado Dilma com a expulsão do partido, caso não abaixe os juros. Por isto o partido é tão culpado quanto ela.

    Infelizmente, após Dilma, por décadas o PT será lembrado como o partido de desemprego, da alta de juros, da teimosia, do desastre econômico, da queda do PIB, etc. Será uma página na história que o país vai lembrar cm desgosto.

    Fica aqui a lição para Lula (se é que ele vai conseguir retornar ao poder após Dilma), quando for escolher sucessores, proceder das próximas vezes com muita cautela.

     

  9. Tudo errado ao mesmo tempo agora

    Os países europeus que quebraram tinha gabinetes socialistas (Portugal, Espanha e Grécia). A Irlanda liberal já se recuperou, a Alemanha liberal nunca caiu e é a âncora do Euro.

    Requião deseja dobrar a dose, com mais presença do Estado, do remédio que não funcionou e deixou o País nesta situação…

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