A morte de Emílio Garófalo, o Leônidas brasileiro

Os que nasceram nos 80 eram crianças. Os dos 70 já tinham noção. Mas foram os dos 60 para trás que acompanharam a grande guerra nacional contra a especulação cambial que precedeu a estabilização e a entrada do Brasil na nova era. E da qual o grande herói nacional, nosso Leônidas e seus 300 de Esparta foi Emílio Garófalo, que faleceu esta noite em São Paulo.

A história brasileira é repleta de exemplos de grandes funcionários públicos. É possível encontrar alguém igual a Garofalo: maior, jamais.

Funcionário de carreira do Banco Central, Garófalo assumiu a mesa de câmbio em um período fatal para as contas externas brasileiras que vai do governo Sarney ao Real. O câmbio começava a se flexibilizar. O país não conseguira escapar da moratória. Havia um déficit nas contas externas ameaçando o próprio funcionamento da economia. E turbas de persas raivosos, de fundos internacionais aplicando golpes terríveis nos mercados de câmbio.

Foi nesse ambiente conturbado que Garófalo assumiu a mesa de câmbio do Banco Central, ino governo Itamar, incumbido de uma luta desigual contra os capitais especulativos.

Para entrar no jogo, dispunha de pouco mais de US$ 1 bilhão em reservas cambiais. Tinha o trunfo de, como autoridade monetária, ter acesso às cartas dos adversários.

Garófalo fazia parte de um grupo de técnicos do Banco Central e Banco do Brasil que surgiram na cena econômica na gestão Maílson da Nóbrega e gravitavam em torno de Natan Blanche, um ex-garimpeiro que se tornou o mais influente personagem do mercado de câmbio do país e foi o criador da consultoria Tendências.

Com o fim do governo Sarney, Maílson saiu de cena para se associar à Tendências, acompanhado por um grupo de ex-funcionários públicos que atuavam como insiders – informantes privilegiados – especialmente nos mercados de índices (UFIR, IGP, IPCA), onde se davam as grandes tacadas.

Lembro-me de uma carona que Maílson me deu, ainda Ministro, no jatinho do Banco Central. Alertei-o que dois assessores seus – um da Receita Federal (que despachava na sala contígua a ele), outro da área de preços – estavam comercializando informações privilegiadas no mercado. Maílson me olhou espantado, nada disse. Quando foi para a Tendências levou ambos com ele.

Garófalo não acompanhou porque jamais abriu mão da vocação de servidor público.

Sua habilidade na mesa de ouro do BC valeu-lhe o mais ambicionado convite do mercado financeiro: para assumir a presidência do Banco Garantia. Recusou e continuou seu trabalho de funcionário público.

Sensível, amigo dos amigos, solitário, seu espírito não se coadunava com o da selva do mercado. Em vários momentos, era visto como única garantia de estabilidade, porque casava competência com absoluta honestidade em um mercado em que cada ordem novia bilhões de dólares.

O ex-presidente do Banco Central Chico Lopes foi condenado porque a justiça não aceitou seus argumentos de risco sistêmico para justificar o auxílio aos bancos Marka  e Fonte Cindam.

Havia risco sistêmico, sim. Lembro-me ligando para o então Ministro-chefe da Casa Civil Pedro Parente e sugerindo trazer de volta Garófalo para administrar o furacão.

Ainda não foi contada por inteiro a história dessa crise cambial. Acadêmico respeitado, Chico Lopes não tinha experiência em operações de mercado.  Gustavo Franco pulou do barco quando já fazia água. Chico Lopes assumiu com a bomba prestes a explodir. Quando explodiu, foi crucificado por Pedro Malan, que o lançou às feras para salvar os seus.

Os dois bancos que quebraram tinham algo em comum: ambos eram clientes da Tendências Consultoria. As informações da Tendências eram transmitidas por operadores que atuavam na linha de frente, na Gerof. Recebiam as ordens da diretoria e, antes de começar a operar, passavam para seus insiders.

No dia em que o câmbio explodiu, não houve ordem, já que não havia como controlar o mercado.  Assim, os clientes preferenciais da Tendências não foram alertados sobre os próximos passos.

Garófalo não foi chamado para administrar a crise. Tempos depois, foi indicado para um cargo na Câmara de Comércio Exterior. Mas já perdera a gana de servir o país.

Luis Nassif

10 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Realmente uma perda

    Lembro dele, acompanhei os acontecimento, mas ainda faltam detalhes . Quem sabe Nassis vc deixará para suas meninas memórias bem escritas  para serem editadas.? não estarei aqui para poder lê-las mas meu filho estará.

  2. Realmente uma perda

    Lembro dele, acompanhei os acontecimento, mas ainda faltam detalhes . Quem sabe Nassis vc deixará para suas meninas memórias bem escritas  para serem editadas.? não estarei aqui para poder lê-las mas meu filho estará.

  3. Parabéns e obrigado

    Nada sabia deste senhor até ler o artigo. Bom que ainda haja gente desta estirpe, mas é absolutamente necessário que a história dessas pessoas seja divulgada o máximo possível. É preciso que se mude o imaginário social depressivo e negativo que a imprensa corporativa induz todo santo dia. Então, ponto para o blog. Nesse lamaçal de denúncias, ladrões, mentirosos, baderneiros, traidores da nação, saber de uma pessoa honesta e competente que atuou em favor do Brasil renova o ânimo e a esperança de um país melhor. Parabéns póstumos a Garófalo e parabéns ao blog na pessoa do Nassif, e obrigado a ambos.

  4. gilmar..aprenda!!!

    A França tem desde a era Napoleônica tem uma burocracia de estado, competente formada na EPO sempre a serviço do interesse da Nação. Não estão nos bancos e na administração publica ao mesmo tempo, sempre do mesmo lado. Pegar os levi, trabucos, malan, mailsons e esta caterva inominável é colocar a casa grande e sem o menor esforço para  dilapidar a Nação.

    O Gilmar Dantas Mendes está na mesma categoria das pragas.

    Parabéns ao Garofalo, parabéns ao Nassif para recuperar fatos e personagens importantes para desvendar as grandezas de antanho e as misérias atuais.

  5. POR ISSO QUE QUEREM UM PAÍS

    POR ISSO QUE QUEREM UM PAÍS SEM EDUCAÇÃO,MEMÓRIA

    PARA Q O POVO NÃO SE LEMBRE DOS SEUS FATOS,HERÓIS

    MAIS IMPORTANTES DE SUA HISTÓRIA E NÃO SE INSPIREM NELES

    ALGUNS AQUI LUTAM CONTRA ISTO E ACREDITO Q DURMAM MAIS

    TRANQUILOS COM SUA CONSCIÊNCIA,VAAALEU!!!!!!!

  6. BELO E JUSTO POST

    Nassif,

     

    Sou fascinado pelos feitos desses burocratas quase anônimos. Na minha limitada e diletante percepção são os principais responsáveis pela trajetória única de nosso grande país. Gente como José Pelúcio da Silveira, Casimiro Montenegro, Rosane Cunha, (o agora preso) Othon da Silva, Ronaldo Coutinho Garcia entre tantos outros, e o citado Professor Garófalo. Na verdade, são muitos, quase inúmeros, muitos dos quais não chegaram, em geral por não terem detido influência ou poder formal para tal, definir diretamente o surgimento de um novo instrumento, um novo órgão, uma nova política, um centro de excelência. Mas contribuem decisiva e tenazmente para chegarmos aos muitos casos de sucesso da adminsitração pública brasileira – ela mesma, enquanto corpo técnico da mais alta qualidade, um feito excepcional, sem paralelo no terceiro mundo, e também “invenção” de algum punhao de loucos que nos anso 30 encasquetaram que o Brasil devia ter um Estad baseado na meritocracia e na competência cognitiva. 

    Em geral morrem completamente anônimos em suas realizações, deposi de terem lutado batalhas cotidianas massacrantes e infindáveis, conhecidas apenas por colegas próximos e com capacidade de perceber a abnegada luta que lhe moveu. Mesmo a família, que sabe apenas das incontáveis horas extras volutárias, tidas por inexplicáveis, tem noção razoável de suas obras. O verdadeiro patriotismo, amiúde ao lado de discrição extrema, londe das patuscadas, é que os dá energia. 

    Pouco conheci o Professor Garófalo, mas tive dele de fato as melhores referências e é excelente ler teu justo relato.

    Chamo atenção para a menção a alguém bem menos anônimo, o também professor – e dos mais brilhantes – Chico Lopes. Quando se montou a primeira equipe de governo petista chegaram a me ouvir (ou fazer que ouviam) sobre nomes. Sugeri um punhao de gente para o segundo escalão e ousei sugeir dois para o primeiro, um o José Carlos Miranda (já frequentemente sugerido), outro o Chico Lopes. No dele e de outros me repsonderam prontamente ser impossível, porque era tucano. 

    Bem, nomearam o Meireles para o BC (que trouxe o inefável Bevliacqua) e transformaram o grupo da FGV de políticas sociais nos inteligentes conselheiros do “choque de capital humano”.

    Mas isso já seria outra estória. 

     

     

     

     

     

  7. Moedas & Bancos

     PUCSP – 1980/1981

      Garofalo era de ’76 ( turma do jason, Caê …etc – talvez Lacerda ???? ), e em 80/81, ministrava aula .

       Os jovens, tipo nascidos nos anos 80, não tem idéia que naquela época pré – pentelhos/patrulheiros, era liberado fumar em classe, menos nas aulas de Garofalo, que odiava qualquer tipo de fumaça, e uma vez, ao entregar as notas de final de semestre, um amigo meu – Oswaldo – conseguiu a proeza de tirar 9,0 com o Garofalo, professor muito exigente, um tremendo de um chato.

        Oswaldinho sabia que tinha ido bem, e já tinhamos preparado um charuto “partagas cubano verde”, Oswaldo recebeu a prova, com a nota, e acendeu o “tarugo”, Garofalo ficou doido, apoplético, berrando, foi uma comédia, até o Bennati apareceu na sala – foi engraçado.

         É uma pena, a passagem dele para o outro plano de existência, agradeço a ele, pois comecei no mercado financeiro, com uma indicação dele – estágio no “open-market” do falecido Banco de Credito Real de Minas Gerais/ São Paulo – Rua São Bento.

         Vá com Deus, fará falta.

          P.S.: Caro Nassif, nunca deve se duvidar da honestidade de Chico Lopes, mas aquela “tese” da “banda cambial endogena”, era ridicula, ótima para um convescote academico, já para a realidade, sem chance, o mercado e seus operadores não suportam teóricos.

  8. MAÍLSON DA NÓBREGA

    E o falcatrua do Maílson, erva daninha ainda com muita influência no mercado, ainda vive!

    Mais uma prova de que Deus não existe!

  9. COMPARTILHANDO PARA QUE

    outros também conheçam EMÍLIO GAROFALO. Nós não conhecemos a História do Brasil e pessoas que foram muito importante e que trabalharam em setor que envolvem poderosos e muita grana e permaneceram sempre dignos e honrados.

            Gostei imensamente da comparação com PEDRO MALAN e também deve ser citado o Presidente Fernando Henrique, pois agora saiu a condenação dos funcionários menores e livraram a barra dos maiores responsáveis pelo desastre do começo do ano de 1.999.

             Eu comprei o livro do Alberto Cacciola e realmente Francisco Lopes foi colocado no meio do furacão, devia ter pulado fora rapidamente.

             Alberto Cacciola ajudou na reeleição de Fernando Henrique doando R$ 50 mil e em uma pesquisa rápida encontrei publicação do blog “limpinho e cheiroso” contando a ligação e doação de Cacciola com FHC.

             Para ciência, agora o Sr. Miguel Baia Bargas recebeu intimação do Juiz Sérgio Moro para comparecer perante o MP em razão de publicação de matéria considerada ofensiva a honra.

  10. Li o post. Saí da página,

    Li o post. Saí da página, desliguei o note e já ia dormir. Resolvi voltar só prá deixar registrado. Obrigado Nassif! Volta e meia você exerce esse importantíssimo papel de fazer reconhecimentos como esse. Continue assim! Você é muito bom!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador