Alegações fantásticas: entre a ficção e a convicção (e as provas?), por Alvaro A. Ribeiro Costa

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Alegações fantásticas: entre a ficção e a convicção (e as provas?)

por Alvaro Augusto Ribeiro Costa

Fantásticas, em muitos sentidos, as “Alegações” noticiadas e reproduzidas em  bombásticas manchetes: “MPF pede condenação de Lula e multa de R$ 87 milhões”.

Lembre-se que se trata de processo notavelmente midiático, em juízo de discutível competência absoluta, onde se misturam, em fantástica  simbiose, roteiros e atores (processuais e globais, acusadores e julgadores, politicos, editorialistas e comentaristas de todos os tipos), excepcionalidades, misteriosos e oportunos vazamentos de “sigilosos” documentos, além de inúmeras peripécias de fazerem inveja aos melhores ficcionistas da literatura.  

Nesse contexto, as “Alegações” aparecem na sequência lógica de anunciado roteiro de ficção e proclamadas  convicções – lembre-se um  famoso “power point” e incontáveis declarações e publicações no mesmo sentido.   Deixam muito a desejar, porém, quanto ao devido exame do direito e dos fatos,

Diante de sua fantástica extensão (334 páginas), tais “Alegações”, de fastidiosa leitura,  sacrificam o leitor e a dificultam a defesa.

Quanto ao juiz, o acusador não terá que se preocupar, se ele já tiver se revelado, no processo ou fora dele, alguém “condenado a condenar”, sob o estímulo da “vox populi”, mídia, “apoiadores” e áulicos; ou se for dos que se apresentam circulando e sendo louvados com entusiasmo entre os maiores interessados na destruição politica e pessoal do réu. Ou, ainda, daqueles  que nada opõem à difusão da falsa idéia de que o processo é uma cruzada do bem contra o mal, sendo o julgador a personificação do primeiro e o réu o demônio a ser esmagado. A sentença de tal julgador – se existisse – não causaria surpresa. E não lhe faltariam aplausos.

Contudo, a prolixidade esconde o nada jurídico. Sabe disso qualquer bom estudante do Direito. E o bom professor facilmente percebe que a falta de substancial e pertinente fundamentação não é suprida pelo artifício do “recorta e cola”, com que se foge das questões e são feitas – sob a falsa aparência de erudição – genéricas citações, de pouca ou nenhuma pertinência ao caso.

Peculiares, nesse aspecto, “Alegações” onde não se encontra concreta, individual e especificamente enunciada e comprovada a acusação. Para quem procura nelas o único conteúdo juridicamente relevante – fatos e provas lógica e juridicamente estruturados em indispensável e válida fundamentação -, o resultado é frustrante.

Seguindo o roteiro de uma denúncia inepta e de um notório e constrangedor “power point”, investem elas contra um “exemplar e poderoso culpado” a ser exibido  no desfile dos vencidos na “cruzada contra a corrupção”. Onde foram considerados os princípios da presunção da inocência, do contraditório e da ampla defesa?

Explícitas normas legais parecem igualmente esquecidas: “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer” (Art.156 do CPP);  “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação (…)”(Art. 155 do CPP).

Encontra-se porém nas “Alegações” a colagem de abstratas  citações doutrinárias e jurisprudenciais, extraídas em quantidade e sem melhor exame  até de sistemas jurídicos alheios ao brasileiro (por exemplo, alusivos a crimes complexos , técnicas de análise de evidências, “standards” de prova etc…).

Socorrem-se também as “Alegações” de esotéricas teorias de diversas origens (inclusive alienígenas) que um de seus subscritores, “modéstia às favas”, propaga ( do “probabilismo, na vertente do bayesianismo” e do “explacionismo”), onde o caso concreto e suas peculiaridades não se ajustam.  

Tais “pressupostos teóricos” e considerações  genéricas, todavia, nada têm a ver com fatos e provas que deveriam estar especificamente individualizados em relação  às acusações lançadas contra o ex-Presidente da República e não suprem sua ausência.  Tanto é assim, que as “Alegações” chegam ao cúmulo de invocar, em reforço de argumentação e como se fosse pertinente, um caso de estupro (!) (pag. 53).

Aliás, o caráter abstrato daqueles “pressupostos” é reconhecido nas próprias “Alegações”, quando afirmam ter apoio em teorias adotadas em obra de autoria exatamente de quem as subscreve em primeiro lugar (v. pag. 52, nota de rodapé no. 1). A propósito, são inúmeras as vezes em que o mencionado subscritor das “Alegações” invoca como fundamentos das mesmas a “autoridade doutrinária” que a si próprio atribui. Pouco elogiável, porém, é pretender valer-se de si mesmo como fundamento suficiente para condenação de alguém na ausência de provas.

Inaceitável  também  é livrar-se o Ministério Público do ônus da prova,  alegando que “os crimes perpetrados”  “são de difícil prova” e “a solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória” (pág. 53). Ora, se é difícil a prova, caberia ao acusador buscá-la, se existisse.  Nunca, porém, inverter o ônus que é seu, como se ao acusado coubesse provar o oposto do que desconhece.

As “Alegações” traduzem, desse modo,  confissão implícita da ausência de provas verdadeiras e válidas. Quem tem fatos e provas não precisa de teorias.

Dispensáveis, a prolixidade e as generalidades presentes nas  “Alegações”. Não precisavam ir tão longe. Sem perderem de vista a definição constitucional do Ministério Público como instituição defensora da ordem juridica e dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (Art. 127 da CF), não poderiam ter  esquecido o que diz o art. 239 do CPP: Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.“

Portanto, o conceito de evidências – que as  “Alegações”  invocam no direito estrangeiro  – em nada se confunde com o de indícios definidos no art. 239 do CPP.  Para o Direito brasileiro, “circunstância” não é sinônimo de ”indício”. São conceitos distintos. Para que algo seja válido como “indício” é indispensável que preencha as condições legalmente fixadas. Por isso, não é cabível – como se faz nas “Alegações” – valer-se de um amontoado de circunstâncias e teorias, bem como de confusões conceituais, para daí afirmar-se a ocorrência de um conjunto de indícios que seriam o fundamento do que chamam de “juízo de convicção” .

Para cumprirem  a lei, as “Alegações” deveriam ter indicado, quanto ao ex-Presidente da República,  concreta, individualizada  e especificamente: 1) fato criminoso específica e individualizadamente a ele atribuível (tal como descrito no tipo penal), com todas as circunstâncias de tempo, lugar e modo; 2)  circunstâncias conhecidas e provadas; 3) as relações entre tais circunstâncias e o fato delituoso; 3) a natureza de tais relações (de causalidade ou de consequência) com o fato delituoso; 4) o raciocínio indutivo (lógica e juridicamente válido) que pudesse autorizar a conclusão sobre a existência de outra ou outras circunstâncias.

Cumprir tais exigências é impossível, porém, quando o que se tem são meras ficções, teorias ou convicções orientadas por pressupostos e objetivos previamente estabelecidos e proclamados (vide o “Power Point” e outras entrevistas, declarações, publicações etc…).

Em suma, quanto ao ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva, as “Alegações” deixam claro o reconhecimento da ausência de fundamento para condenação.  A rigor, pretendem transformar ficções em fatos, teorias em provas e convicções subjetivas  em veredito condenatório.

Existirá julgador que chegue a tanto? Se existir,  o jogo estará feito (desde quando?). A notícia–sentença virá como exigida e previamente anunciada pela  mídia selecionada. Enfim, explodirá em manchetes, enquanto os “vencedores” do “Big Game” e a turba “aglobalhada” pelo ódio e o preconceito  aplaudirão freneticamente os herois do momento.

E a justiça?  Onde fica nisso tudo? Ora, “Veja” ! Isso talvez seja  querer demais!

Alvaro Augusto Ribeiro Costa – Sub-procurador Geral da República (aposentado), ex-Advogado Geral da União e ex-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República

 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. A ausência de provas é a prova de que Lula é criminoso

    Se houvesse provas, o Lula seria condenado com base nelas. Por outro lado, a ausência de provas é uma prova de que Lula as destruiu; Ou seja, ele deve ser condenado com ou sem provas. Afinal, os Jateiros estão convictos de que o Lula é arqui-criminoso e a ausência de provas desses crimes só aumenta as suas convicções.

  2. Pelo que eu tive de paciência

    Pelo que eu tive de paciência pra ler, essas alegações finais mais parecem alegações de defesa. Como se os procuradores estivessem se defendendo das acusações de perseguição a um único alvo sem provas. Tentam, com essas alegações, justificar o gigantesco gasto de dinheiro público na investigação de um ex-presidente. Acho que isso explica a multa de 87 milhões. É como se dissessem: “tá vendo? Os milhões que a população gastou retornaram em forma de multa”.

     

  3. Alegações fantásticas: entre a ficção e a convicção (e as provas

    Das instituições brasileiras abaixo, NO ATUAL MOMENTO, em qual você ainda confia?
    (   ) Congresso Nacional
    (   ) Presidência da República
    (   ) STF
    (   ) TSE
    (   ) Ministério Público Federal
    ( X) Jogo do Bicho

  4. “Como assim, ‘sujando a sua

    “Como assim, ‘sujando a sua água’, Sr. Lobo? Eu estou bebendo na parte baixa do rio!”

    O fato é que hão de ser punidos todos os que tentarem diminuir as desigualdade nacionais – lembrando que esses procuradores se sentem como se fossem elite -, os que tentarem estabelecer tratados internacionais sem que o dólar seja o protagonista (BRICS) e o pior: que bobagem é essa de financiar empresa nacional para a construção de um porto em Cuba? Será que esses brasileiros não sabem que o florecer de Cuba seria a pá de cal no túmulo do capitalismo imperialista dos EUA? Há que se punir o governo e a empresa! Porto em Cuba, já pensou? Bah… vão sonhando.

     

  5. Com fartas e irrefutáveis provas, Temer foi ab$olvido pelo T$E

    Sem provas, apenas com convicções e dúvida razoável, os Procuradores Federais Jateiros querem a condenação do Lula

    A Cláudia Cruz não sabia que toda a sua gastança vinha apenas de fontes lícitas.

  6. Nove idiotas, ou seja: 3²

    Nove idiotas, ou seja: 3² PATETAS (ao quadrado). Estes 3×3, consomem uma fortuna dos cofres públicos do País. Tudo fruto oriundo do trabalho de mal pagos trabalhadores brasileiros que, além de enriquecer seus patrões, ainda são roubados em seu sangue, suor e lagrimas para sustentar esses nababos, inúteis, e dispendiosos indivíduos. Tudo que digo aqui, se encontra estampado na reveladora foto que encabeça esta excelente matéria.

    Nada disso é criação do meu cérebro. Tá ali naquela ridícula foto. Pois muito bem, quando esses pobres moços são escalados para realizarem algo, que ao menos, possa justificar os altos salários retirados do dinheiro do povo. Ainda assim, eles mesmo engendram e se apropriam a título de ajuda de custo em dinheiro vivo, de  e s c a n d a l o s o s  aditivos mesadas. O que os torna, verdadeiros marajás do Serviço Público. Ainda assim, os 3² PATETAS não conseguem demonstrar o menor resquício de vergonha por produzirem essa porcaria, a título de peça de acusação ao Presidente Lula. Não acredito! Que tamanha imoralidade permaneça impune.

    Orlando

  7. Parabéns ao autor, por
    Parabéns ao autor, por desnudar a farsa não com argumentos vazios, mas demonstrando através das leis e da Constituição o que caberia ao Ministério Público ter feito, em vez dessa peça que não traz uma prova sequer de qualquer crime praticado por Lula. Escancara-se a desonestidade moral e intelectual, a perseguição a Lula, a sordidez dos procuradores e do juiz, que se honesto fosse, teria arquivado o processo há tempos. No futuro, o documento apenas representará o vexame eterno dos que o produziram.

  8. O maior problema é ver esse

    O maior problema é ver esse teatro (julgamento do Lula) sendo encenado como se fosse realidade e a grande maioria da população engolindo a farsa como um verdadeiro combate à corrupção.  

  9. Teorias.
    Segue comentário meu ao vídeo <https://www.youtube.com/watch?v=HSzxhKfEiXc>:

    “O Lula é o presidente das palestras… e por falar nisso, por que que agora não tem mais palestras tão caras como tinham. É claro que não tem documento algum oficial que conste que o Lula é dono!!! Por isso que ele é acusado de ocultar patrimônio! É claro que era para ele o “Tipex”. O Paulo Pimenta definitivamente falou de algo que ele não faz ideia!!!!! Não faz idea mesmo! Baita ignorante em teoria bayesiana [1]! Quanto ao explanacionismo (teoria da dedução, é isso?), desconheço. Quanto uso no direito: a teoria de Bayes é usada na construção de teorias científicas, em tratamentos médicos, em diversas indústrias, na economia e na engenharia em geral. Basicamente, é um conhecimento lógico, exato, ainda que probabilístico, ainda que baseado na necessidade e evidências a priori, oferece um parecer imparcial (ou viciado pelas evidências a priori). O Dep. Paulo Pimenta está errado quando diz que não se usa no direito, pois é usada na investigação científica! Principalmente na investigação forense, pois essa precisa ser técnica (científica, pelo próprio nome). O procurador mostra uma preocupação muito importante: buscou um embasamento científico! O que deveria servir como apoio (não como via principal) para todos os julgamentos! Ao buscar um fundamento falseável, permite que outros possam refazer seus passo (ainda que isso demande muito trabalho)! Faço um desafio ao Dep. Paulo Pimenta: estude teoria bayesiana e refaça todos os cálculo do dito procurador! Simplesmente ridículo! Mais uma vez essas pessoas que se dizem de esquerdas e donas da razão mostrando seu vasto conhecimento e sabedoria! Por isso que a educação no Brasil tá desse jeito!
    [1] Teoria Bayesiana. <https://pt.wikipedia.org/wiki/Infer%C3%AAncia_bayesiana> .”

     

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