Na Inglaterra, a luta pelo aumento da idade de responsabilidade criminal

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de MiriamL

do Opera Mundi

Organizações lutam por aumento da idade de responsabilidade criminal na Inglaterra

 

Rachel Costa | Londres

Crianças podem ser julgadas e presas a partir dos dez anos de idade, adquirindo antecedentes criminais que permanecem pela vida inteira
 

Era 1966 quando o então menino Bob Ashford, de 13 anos, foi persuadido por um grupo de garotos mais velhos de sua escola a invadir a linha do trem para brincar com uma pistola de ar comprimido. Ele não queria ir, mas temia sofrer represálias caso recusasse o desafio. Alguém viu o grupo “armado” e chamou a polícia. “Os garotos mais velhos fugiram, eu e outros dois ficamos paralisados de medo e fomos apanhados”, recorda Ashford. O resultado: ele foi levado a julgamento e condenado por invasão da linha de ferro e porte de arma. O preço da travessura infantil, porém, foi muito além da multa que pagou à época: 46 anos depois, ao concorrer ao cargo de comissário de polícia, descobriu que deveria retirar a candidatura por possuir antecedentes criminais. A “ficha” dele estava suja pela infração que havia cometido aos 13 anos. 

Casos como o de Ashford são uma das faces da lei inglesa que permite responsabilizar como adultos meninos e meninas desde os dez anos, substituindo o enfoque socioeducativo pelo caráter punitivo. Na Inglaterra e no País de Gales, a partir dessa idade, crianças podem ser julgadas, presas e ter o “crime” registrado em seus antecedentes criminais para o resto de suas vidas. 

Tim Buss/Flickr

Adolescente é preso por usar máscara em protesto na Inglaterra; crianças a partir de 13 anos podem ser juladas e condenadas no país

“Uma criança com menos de 13 anos, de acordo com a lei inglesa, não é considerada capaz de consentir uma relação sexual. Todavia, se o assunto é crime, ela pode ser responsabilizada como um adulto a partir dos dez anos”, critica Pam Hibbert, da Associação Nacional para a Justiça Juvenil, uma das principais organizações que pede o aumento da idade de responsabilidade criminal na Inglaterra. “Para certos temas, aceitamos que a capacidade das crianças para fazer escolhas informadas é limitada por sua idade, mas, para outros, não”.

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina a a não responsabilização criminal dos menores de 18 anos, embora seja possível a partir dos 12 anos a determinação de medidas socioeducativas. 

Herança

A lei inglesa que permite que crianças sejam julgadas, punidas e adquiram antecedentes criminais a partir dos 10 anos é de 1969. De lá pra cá, entre governos conservadores e trabalhistas e uma reprimenda das Nações Unidas, algumas alterações foram feitas. Mas, o principal, a possibilidade de criminalização das crianças a partir dos dez anos de idade, nunca foi alterado.

A ênfase na punição fez com que Inglaterra e Gales mantivessem, na última década, as maiores populações carcerárias infanto-juvenis da Europa Ocidental. Juntos, os dois países mantinham em média 3.000 crianças e adolescentes presos, número que só começou a cair nos últimos anos, já no governo de David Cameron, quando o Ministério da Justiça estabeleceu como meta reduzir o número de meninos e meninas encarcerados.

Antes disso, a tendência era de endurecimento nas penas. O marco foi o ano de 1998, com o abandono da doutrina do “doli incapax”, que garantia que menores de 14 anos só seriam julgados como adultos caso a promotoria comprovasse que o acusado sabia o que estava fazendo. O efeito do abandono à doutrina foi um aumento imediato de 29% no número de sentenças para crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos. 

Distorção

Em largo prazo, a mudança de 1998 criou uma cultura ainda mais forte de punição. Entre 1997 e 2007, cresceu em 87% o número de crianças condenadas com idades entre 10 e 12 anos. Na faixa etária dos 13 aos 15 anos, o aumento foi de 55%. Esses indicadores contrastam com a variação na faixa etária dos 16 aos 17 anos, na qual o crescimento foi de 8%.

Para Ashton, que hoje comanda uma campanha favorável ao ocultamento dos antecedentes criminais, as estatísticas relacionadas a crianças e adolescentes escondem uma realidade. “Quanto mais novo o indivíduo, mais fácil de ele ser detido e de assumir que cometeu a infração”, considera.

Como consequência, isso levaria à falsa impressão de que a criminalidade é alta nessa idade, o que não é corroborado pelas estatísticas. Um estudo feito pela organização Howard League for Penal Reform mostrou que, em 2013, os adultos cometeram 23 vezes mais homicídios, nove vezes mais crimes violentos e mais que o dobro de roubos que os menores de 18 anos. 

“Hoje, há 9,2 milhões de pessoas com registro criminal no Reino Unido. Não sabemos o percentual, mas certamente é alto o número daquelas que o adquiriu ainda na infância ou na adolescência, por infrações leves”, diz Ashton.

Divulgação

Ashton foi preso com 13 anos e não pode se candidatar a cargo na polícia por causa da condenação

Dois pesos, duas medidas

No último relatório sobre o sistema de justiça juvenil, publicado em janeiro deste ano, o governo inglês defende-se, alegando que não há nada de errado, uma vez que existe um sistema de Justiça em separado dedicado para a faixa etária entre 10 e 17 anos – o que garantiria os direitos de crianças e adolescentes.

Entretanto, outro relatório, divulgado em junho deste ano, elaborado a pedido de uma comissão parlamentar montada para investigar o funcionamento do sistema de Justiça juvenil, apontou várias brechas no sistema. Entre elas, enfatizou a necessidade de se garantir que as infrações “não sérias e não violentas” cometidas na adolescência não constem nos antecedentes criminais do jovem após os 18 anos. O texto ainda pediu atenção para os casos de crianças e adolescentes sendo julgados em cortes para adultos, situação comum devido à falta de juizados especiais. 

“Sim, nós temos um sistema de Justiça em separado, mas ele é inspirado no sistema para os adultos, com cortes, sentenças punitivas e instituições de custódia que são uma cópia das prisões para adultos”, fala Hibbert. “Precisamos que o sistema reconheça plenamente que menores de 18 anos precisam de proteção especial”.

Novo centro de internação

Recentemente, o governo anunciou um plano para construir um grande centro de internação para mais de 320 crianças e adolescentes em Glen Parva, a mais de 160 quilômetros de Londres. No projeto, o espaço seria usado tanto para meninos quanto para meninas, incluindo aqueles mais novos, entre 12 e 14 anos, atendendo a toda a Inglaterra e a Gales. O mesmo local é atualmente uma prisão para jovens entre 18 e 21 anos e ganhou os noticiários no início deste ano após registrar três suicídios de detentos em menos de 15 meses.

Caso Glen Pava seja reprojetada, ela dará origem ao maior centro de internação europeu para adolescentes, o que tem gerado controvérsia. “Ninguém apoia essa proposta bizarra, só as companhias que vão lucrar com a construção desse complexo de 85 milhões de libras”, escreveu na última sexta (17/10), Frances Crook, CEO da Howard League for Penal Reform.

“Não há necessidade de construir um novo presídio para crianças. A boa notícia é justamente que a população infanto-juvenil em custódia reduziu significativamente nos últimos anos”, completou Crook. No último ano, 2.340 menores de 17 anos foram condenados à prisão, número 15% inferior ao de 2012.  

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

13 Comentários

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  1. Lá já é assim!

    bom, na Inglaterra menores são punidos, e a sempre minima minoria de bem intencionados e em geral nascidos em berços explendidos querem mudar!  A diferença entre o Brasil e a Inglaterra e gritante, aqui menores de idade tem agido como criminosos experientes, não brincam com armas de ar comprimido, mas sim matam nas ruas com armas reais!  marcam arrastões e parques de diversão!  a punição e uma necessidade pois hoje eles sabem que podem matar alguem e sairem praticamente impunes! Contam com essa vantagem para aterrorizar as pessoas!  

     

    1. 2%

      Apenas 2% dos crimes violentos e com morte foram cometidos por menores de 18 anos no Brasil. Iste fato me passa uma idéia bem diferente da idéia que você passa no seu post. E se levarmos em consideração que em ações onde há menores e maiores de idade a chance do menor assumir a culpa, ainda que não há tenha no caso específico, é grande. Aí esses 2% caem ainda mais e a imagem que você faz da situação fica ais longe ainda da realidade.

      1. Estatísticas

        Rogério, esse é mais um caso em que as estatísticas não conseguem esconder a perda e o sentimento de dor de quem infelizmente foi vitimado pela violência, mesmo que juvenil. E os que foram atingidos por esses “2%” não receberão do estado brasileiro nenhum tipo de amparo ou justiça.

      2. Roberto, temos um caso

        Roberto, temos um caso recente de repercussão nacional que foi aquela morte do rapaz boliviano por rojão lançado por torcedores do Corinthians que no final indicaram um menor como sendo o autor do disparo, mesmo com testemunhas indicando outra situação.

      3. qual e a fonte dessa

        qual e a fonte dessa estatistica por favor, não vale de ong engajada em impedir que a redução da maioridade ok!  aqui em Piracicaba, no bosque dos lenheiros, que é a cidadela do trafico na cidade, quem comanda o incendio de onibus quando um vagabundo e morto pela policia são menores de idade, que agridem os passageiros, mesmo assim o boletim consta vandalos desconhecidos!  quantos crimes são cometidos por menores, mas não lhe é atribuido a responsabilidade !

         

         

      4. complementando, se são apenas

        complementando, se são apenas 2% e a redução da maioridade somente atingiria aos infratores, porque tanta resistencia de bons samaritanos?  a redução e contra criminosos não contra inocentes!  

      5. Apenas 2% dos crimes violentos e com morte foram cometidos…

        … por menores de 18 anos no Brasil.

        ISTO QUER DIZER MAIS DE 1.000 ASSASSINATOS! PARA VOCÊ É UM NÚMERO PEQUENO… APENAS… APENAS O ESCAMBAU… AO INVÉS DE PENA DO VAGABUNDO TEM É QUE APENAR O FACÍNORA!

  2. A Holanda tem um dos sistemas

    A Holanda tem um dos sistemas mais inteligentes do mundo.

    O padrão é tratar o jovem de 16 como menor, e o de 21 anos como maior.

    Mas — aqui vem a genialidade e pragmatismo holandês —  um jovem de 17 anos e 11 meses pode ser julgado como maior, e um jovem de 18 anos e um mês pode ser julgado como menor. Tudo depende das circunstâncias e do histórico criminal.

    E isso vale para toda a faixa dos 16 aos 21 anos: se por um lado o jovem de 16 anos pode ser julgado como menor, um jovem de 21 ganha o direito de — dependendo das circunstâncias — ser tratado como menor.

    Isso não depende apenas da vontade do juiz, mas também de um parecer independente.

    Ou seja:

    Não existe uma “linha” que define se uma pessoa é capaz ou não de responder por seus atos; o que existe é uma faixa etária.

     

  3. E o Aécio,  herói dos

    E o Aécio,  herói dos “informados e educados do país”, tinha como bandeira a redução da maioridade penal. Ai, que esse país me mata de raiva!

    1. Aecio representou 48% da população! e a maior minoria do planeta

      Aecio teve 48,2% dos votos, então suas bandeiras não eram tão ruins assim!  quase metade da população apoiava suas ideias, não seria o caso de pensar um pouco antes de fazer comentarios como esse seu?

  4. Complicado

    O tema é polêmico.

    Dez anos é pouco, mas 18 é muito.

    Gostei do sistema holandês, me pareceui o ideal pq de fato deve depender de qual infgração estamos falando.

    No caso do reino Unido há um exagero pois, invadir linha de trem e usar arma de ar, por mais que sejam crimes, está claro que não tiveram a intnção de cometê-lo e não ameaçaram a vida de outrem

    Aqui no BraSil, o que defendo é que o menor que usa arma e coage a vítima, sabe sim o que faz. Não se pode tratá-lo como vítima indefinidamente da falta de oportunidade etc. O sistema não ajuda, é verdade, mas amealçar a vida não dá.

    O comentário do sr. Rogério Zanuto traz uma estatística interessante, mas a interpreto de outra forma. Se pudessem ser imputados, esses 2% pensariam 5 vzs antes de acobertar um adulto. Da forma como está, ficam os 2, o adulto e o menor, soltos.

    1. Correção

      Duas correções. a primeira, não revisei o texto e passaram erros de digitação.

      A segunda, gostei do sistema holandês sim, mas não sei se teria aplicabilidade no BraSil pq, como sabemos, o bom senso e a agilidade não são habituais do nosso judiciário (independente de quem é a culpa), seria mais um ponto para advogados esticarem os processos.

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