Os 100 anos do massacre dos armênios e o reconhecimento da Alemanha

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Sugerido por Maria Carvalho

Gauck reconhece morte de armênios como genocídio

Do DW 

Presidente alemão abandona linha de cautela do país perante a Turquia em relação ao massacre, perpetrado há cem anos pelo Império Otomano, e pede que eventual cumplicidade da Alemanha nos crimes seja debatida.

O presidente da Alemanha, Joachim Gauck, reconheceu nesta quinta-feira (23/04) como genocídio o massacre de cerca de 1,5 milhão de armênios. O discurso foi feito num culto ecumênico na Catedral de Berlim, na véspera da data que marca os cem anos do início da matança pelo Império Otomano.

Com o uso da palavra genocídio, Gauck abandonou a linha de cautela da Alemanha perante a Turquia – país de origem de 3,5 milhões de seus cidadãos –, apesar da possibilidade de gerar atritos com Ancara.

“O destino dos armênios é parte da história de extermínios massivos, limpezas étnicas e deportações que marcou terrivelmente o século 20”, afirmou Gauck. “Neste caso, nós alemães, coletivamente, temos ainda que fazer uma avaliação, ou seja, se há responsabilidade partilhada e talvez cumplicidade no genocídio dos armênios.”

Com o discurso, Gauck foi mais além que a declaração que deverá ser aprovada nesta sexta-feira pelo Parlamento alemão. O texto usa formulações indiretas e descreve a morte de armênios como um “exemplo de extermínio em massa, limpeza étnica, deportações e, sim, genocídios durante o século 20”.

Mais de 20 países reconhecem

Em meados de abril, o papa Francisco usou o termo genocídio para descrever o conflito durante uma missa realizada na Basílica de São Pedro, em Roma. As palavras provocaram uma reação imediata da Turquia, que pediu explicações ao representante oficial do Vaticano em Ancara. Depois, foi a vez de o Parlamento Europeu pedir que a Turquia reconheça a morte dos armênios como genocídio.

A Turquia reconhece que muitos cristãos armênios foram mortos em confrontos com soldados otomanos a partir de 1915, quando a Armênia ainda era parte do império, governado de Istambul. Porém, nega que centenas de milhares de pessoas tenham sido assassinadas por razões étnicas, o que qualificaria um genocídio.

O dia 24 de abril de 1915 marcou o início das perseguições à população armênia, que há séculos vivia sob domínio otomano. Centenas de milhares de armênios foram deportados, e a maioria de seus bens foi confiscada.

O termo “genocídio” foi definido pela ONU em 1948 como atos cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Mais de 20 países – entre eles Rússia e França – reconhecem a matança de armênios como tal.

Afinal, massacre de armênios pode ser chamado de genocídio?

Parlamento alemão lembra 100 anos da deportação e assassinato de centenas de milhares em meio a debate sobre terminologia. Tabu parece ter sido quebrado no país, que temia abalar relação com a Turquia e imigrantes.

A precisão terminológica estará em foco no Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) nesta sexta-feira (24/04), por ocasião da homenagem aos armênios deportados e assassinados entre 1915 e 1923. Até agora, somente poucos deputados alemães usaram o termo genocídio.

A posição oficial do governo alemão foi a de lamentar o occorrido, mas a palavra genocídio nunca foi mencionada – nem de forma oral nem escrita. O termo era tabu, mas isso está mudando. A chanceler federal Angela Merkel já o proferiu e até mesmo afinou a escolha de palavras com o presidente alemão, Joachim Gauck. Uma verdadeira sensação, que já era esperada há tempos.

Motivos para a contenção verbal existem há décadas. O Partido Social Democrata (SPD), bastante enraizado entre a população de origem turca na Alemanha, teme perder votos se o genocídio dos armênios, algo indiscutível entre renomados historiadores em todo o mundo, passar a ser a posição oficial do governo alemão. Genocídio dos armênios é a interpretação oficial em mais de 20 países, incluindo a França e a Suíça.

Mas a Alemanha tem problemas com a palavra. Em suma: há tempos que Berlim vem se movimentando com muito cuidado sobre um terreno político minado. Não se queria estragar a relação com a Turquia, membro da Otan. O mesmo vale para o relacionamento com os mais de 2 milhões de turcos que vivem na Alemanha. E há ainda o envolvimento alemão na catástrofe dos armênios, que pode ser passível de pagamentos de reparações.

Império Otomano

Há fortes indícios de que o destino dos armênios já havia sido selado em 1914. Naquele ano, o Exército otomano sofreu uma derrota avassaladora contra as tropas russas. Estima-se que entre 50 mil e 80 mil turcos tenham morrido na campanha de inverno mal preparada. A Batalha de Sarikamis é considerada o estopim do genocídio.

Os turcos responsabilizaram os armênios pela derrota, afirmando que eles lutaram ao lado dos russos ou combateram os otomanos em ações de guerrilha. Para os turcos, os armênios trabalharam clandestinamente a favor dos russos, cujo objetivo na época seria estabelecer uma Armênia que se estendesse até a costa do Mediterrâneo como estado-tampão. A intenção seria ganhar acesso direto para o mar a partir do Cáucaso. Essa é a versão que se pode ler até hoje em livros escolares turcos.

No início do século 20, os armênios viviam principalmente no leste do Império Otomano. Como cristãos, eles representavam o maior grupo étnico-religioso em algumas regiões. No entanto, não havia um território ou um Estado exclusivamente armênio. O nacionalismo que emergiu no século 19 e 20 era menos pronunciado entre os armênios do que em outros grupos étnicos que queriam liberta-se do jugo do sultão.

“Em geral, a elite armênia defendia a unidade do Império Otomano. No entanto, num Estado moderno e organizado de forma pluralista”, diz a historiadora berlinense Elke Hartmann, especialista em Oriente Médio.

No entanto, o decadente Império Otomano culminou num Estado nacional turco, em detrimento da variedade de etnias. Isso significa que o surgimento da moderna república turca teve início com o genocídio dos armênios.

No final de abril de 1915, a ação “Envios” se estendeu por toda a Anatólia. Um termo aparentemente inofensivo do mundo dos funcionários e administradores não significava nada mais do que deportação. Intelectuais, políticos e religiosos armênios foram deportados sistematicamente por Constantinopla, a antiga capital otomana, para a Anatólia, onde foram assassinados.

A base legal para tal foi uma lei aprovada posteriormente, em 27 de maio de 1915, tendo como pretexto a afirmação de que os armênios planejavam uma rebelião em âmbito nacional. As “novas áreas de assentamento” previstas para os armênios eram o deserto da Síria e a Mesopotâmia – regiões inóspitas que não ofereciam nenhum meio de subsistência.

“Eles são levados para o deserto. E para lhes retirar as últimas forças, são forçados a caminhar dias em círculos”, consta nos registros de uma testemunha da época. Na ocasião, foram mortos entre 300 mil e 1,5 milhão de armênios.

Ajuda do Império Alemão

Nenhum outro Estado esteve tão envolvido no destino dos armênios quanto o Império Alemão – por motivos econômicos e estratégicos. Em 7 de julho de 1915, o barão Hans Freiherrvon Wangenheim, então embaixador alemão em Constantinopla, enviou um telegrama ao chanceler do Império em Berlim Theobald von Bethmann-Hollweg. “As circunstâncias e a forma como está sendo feito o reassentamento mostram que o governo persegue, de fato, o objetivo de extinguir a raça armênia no Império Otomano”, escreveu.

Os alemães foram importantes aliados do Império Otomano, fornecendo armas e enviando especialistas militares. Eles tinham interesses no Bósforo. A construção da Ferrovia Berlim-Bagdá, um projeto tão importante quanto o Programa Apollo dos americanos na década de 1960, serviu como principal instrumento na luta contra os britânicos no Oriente.

Documentos comprovam que, através dos inúmeros consulados no Império Otomano, Berlim foi informado sobre todos os detalhes das marchas da morte dos armênios. Entre esses documentos, está uma das muitas cartas à chancelaria imperial descrevendo os assassinatos praticados pelos turcos: “Nosso único objetivo é manter a Turquia como aliada até o fim da guerra, independente do aniquilamento ou não dos armênios.”

Controvérsia sobre a classificação de um crime histórico

Apesar disso, até agora, a Alemanha esteve entre os países, que, como os EUA e Israel, não classificaram o massacre como genocídio. O político social-democrata Markus Meckel diz considerar a posição alemã um escândalo. Por ocasião dos 90 anos do massacre, há dez anos, o Bundestag desculpou-se em declaração conjunta pelo “papel inglório” da Alemanha na época.

No entanto, não se falou numa cumplicidade real. O conceito central de genocídio não aparece no documento. Joschka Fischer, do Partido Verde, que na ocasião era ministro alemão do Exterior, usou seu poder de veto para que isso fosse impedido. “Isso não vai entrar” foi seu veredicto após longas negociações.

A repentina mudança de atitude por parte de Berlim chega a tempo do 100° aniversário do massacre. No entanto, enquanto a França estará representada por seu presidente, François Hollande, a Alemanha enviará somente uma pequena delegação para a cerimônia em Yerevan, capital da Armênia.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. Para falar a verdade o primeiro genocídio do século XX foi

    Para falar a verdade o primeiro genocídio do século XX foi cometido pelos próprios Alemães na Namíbia contra os povos  hererós e namaquas, chefiados pelo general alemão Lothar von Trotha, leiam em:

     http://pt.wikipedia.org/wiki/Genoc%C3%ADdio_dos_herer%C3%B3s_e_namaquas.

    Este genocídio dizimou entre 1904 a 1907 80% da população Hererós (65.000), e 50% da população  Namaquas (10.000), com direito a campos de concentração (ou de extermínio), crânios dos nativos enviados para universidades alemãs para provar que eram uma sub-raça e tudo que tem a haver com genocídio, porém foi na África, e sendo na África até hoje o governo Alemão não aceitou como genocídio e nem indenizou os descendentes.

    Cada um que limpe o seu passado (nós também o nosso) e depois que venham a falar do passado dos outros.

    1. Devo dizer com muita vergonha que pensei
      “treino é treino, jogo é jogo”, mas era nojento por que foram milhares de vida ceifadas…
      Todos os paises europeus tem muitos esqueletos nos inúmeros armários, mas vem aqui no nosso Brasil dar-nos lições.

      1. João 8:1-11

        Não sou alguém religioso, mas este trecho da Bíblia serve para inúmeras situações:

        João 8:1-11  Jesus, porém, foi para o monte das Oliveiras. 2  Ao amanhecer ele apareceu novamente no templo, onde todo o povo se reuniu ao seu redor, e ele se assentou para ensiná-lo. 3  Os mestres da lei e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério. Fizeram-na ficar em pé diante de todos 4  e disseram a Jesus: “Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. 5  Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz? ” 6  Eles estavam usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo. Mas Jesus inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo. 7  Visto que continuavam a interrogá-lo, ele se levantou e lhes disse: “Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela”. 8  Inclinou-se novamente e continuou escrevendo no chão. 9  Os que o ouviram foram saindo, um de cada vez, começando com os mais velhos. Jesus ficou só, com a mulher em pé diante dele. 10  Então Jesus pôs-se de pé e perguntou-lhe: “Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou? ” 11  “Ninguém, Senhor”, disse ela. Declarou Jesus: “Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado”.

        Eu não lembrava direito a segunda parte, mas é quase uma piada contra os hipócritas: Os que o ouviram foram saindo, um de cada vez, começando com os mais velhos.

        Imagine a cena, um por um, disfarçando e saindo de mansinho!

  2.  
    O que o Brasil (com o apoio

     

    O que o Brasil (com o apoio da Argentina e do Uruguai) fez contra o Paraguai pode ser classificado como genocídio? E o que os estadunidenses fizeram contra apaches, sioux, moicanos etc.? 

     

    No Brasil era comum a união entre portugueses e índias, essa miscigenação desconfiguraria o genocídio?

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