Quando Temer sonhou com Thatcher, por Marcos Nobre

Jornal GGN – Em sua coluna publicada ontem (30) no Valor, Marcos Nobre analisa as ações do governo interino de Michel Temer, afirmando que o peemedebista “não tem a menor ideia do que seja conduzir um governo” e que simplesmente entregou as chaves para Henrique Meirelles, ministro da Fazenda. Nobre diz que a “desorientação da política oficial é tamanha” que não é possível saber se o governo interino foi para o tudo ou nada, ou se a ideia é negociar apertos mais suaves na condução da política econômica. 

“Em um quadro como esse, um governo só sobrevive se produzir resultados inesperados”, afirma o colunista, que também aborda os impactos da Operação Lava Jato e dos grampos de Sérgio Machado, a ameaça do impeachment e a instabilidade de um “sistema político em pane total”. Leia mais abaixo:

Do Valor

O dia em que Temer sonhou com Thatcher

Marcos Nobre

Como explicar que um governo interino possa agir como se fosse um governo recém­-eleito, como se tivesse conseguido a aprovação da maioria do eleitorado em uma disputa presidencial acirrada? É o grande mistério do momento, de difícil solução. Porque é certo que alcançar o impeachment exigiu a produção da mitologia de altas expectativas correspondente. Mas, se pretende sobreviver, o governo interino tem antes de tudo de concentrar esforços em um rebaixamento geral de expectativas. E nisso o Plano Meirelles não ajudou em nada.

A pesquisa mais recente diz que pouco mais de 22% acreditam que o governo interino será ótimo ou bom. Pelo menos 55% acreditam que será um governo igual, pior, ou muito pior do que o de Dilma Rousseff. Uma peça central do arranjo, o ministro do Planejamento, Romero Jucá, foi obrigado a pedir para sair com menos de duas semanas de governo. O temor de que a Justiça desmantele o Congresso e o próprio governo interino se espalhou como epidemia. As gravações feitas por Sérgio Machado fizeram o seriado “House of Cards” parecer uma animação para crianças de pouca idade. E Eduardo Cunha não governa, mas também não deixa governar.

E, no entanto, para surpresa geral, ainda tentando amortecer a queda de Jucá, o governo Temer­-Meirelles se apresentou como se fosse Margaret Thatcher no dia seguinte a sua primeira eleição, em 1979. A desorientação da política oficial é tamanha que não se sabe se o governo interino partiu para o tudo ou nada, ou se o plano todo é jogo de cena para negociar apertos mais suaves e, no final das contas, apenas empurrar com a barriga. Se for para valer, o raciocínio pode ser o seguinte. A ameaça de impeachment paira sobre qualquer figura que ocupe a presidência. Para completar, a Lava ­Jato não permite que o sistema político encontre uma posição de equilíbrio e a situação econômica é calamitosa. Em um quadro como esse, um governo só sobrevive se produzir resultados inesperados. Se produzir algo que tenha efeitos tão palpáveis como a estabilização do Plano Real.

O que pode ter um efeito pelo menos remotamente semelhante na situação atual? Segundo a inspiração thatcherista do programa, uma inundação de investimento estrangeiro e alguma participação de poupança interna em concessões. A recessão no governo Temer­Meirelles estaria para a inflação no governo Itamar­-FHC assim como a inundação de investimento estaria para a estabilização econômica. Em lugar de política feijão com arroz, uma política da feijoada com porco alemão e caipirinha de vodka americana.

Mas o delírio político de um projeto como esse é tão patente que não pode ser para valer. Não sendo para valer, sendo jogo de cena para negociar, o teto do possível passa a ser o de uma política feijão sem arroz, que é o que a recessão e seu rastro de desgraças permite. O problema nesse caso é que Temer vai ficar sem Meirelles. Vai ter de chamar para o posto alguém como aquele que cunhou a expressão “política feijão com arroz”, o especialista formado no final do governo José Sarney, o ex­-ministro Maílson da Nóbrega.

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Redação

1 Comentário

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  1. O que mais me choca

    O que mais me choca é o desapego de boa parte da classe media pela democracia.

    Democracia é um valor que realmente eles não têm e os últimos acontecimentos mostram isso.

    Se ganharem uns reais a mais está tudo bem! Dane-se os escrupulos!

    A unica coisa “boa” dessa situação é que perdemos a inocencia, e da classe média e a elite brasileira é que não podemos esperar nada.

    Só resta o povo consciente para lutar! 

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