Radiografia, por André Singer

Enviado por Gabi Lisboa

Da Folha de S. Paulo

Radiografia

Por André Singer

Uma das poucas vantagens das crises é a verdade aparecer. Ao aprovar, em primeiro turno, a constitucionalização do financiamento de empresas aos partidos, a Câmara Federal respondeu de maneira clara a pergunta decisiva emitida três semanas antes por Paulo Roberto Costa. Em depoimento à CPI da Petrobras, o ex-diretor de Abastecimento sintetizou: “Para que uma empresa vai doar R$ 20 milhões para uma campanha se ela não tiver algum motivo na frente para cobrar isso?” Resposta: 330 deputados preferem as cobranças e os aportes dos grandes patrocinadores a ter que sobreviver com o apoio de contribuintes individuais.

Convém registrar que essa maioria qualificada foi obtida por meios tortuosos, pois, na noite anterior haviam faltado 44 votos para atingir o quorum constitucional. Foi necessário que Eduardo Cunha entrasse em campo com ameaças a pequenas legendas (Folha, 28/5, pág. A5) para amealhar os sufrágios faltantes. Deve-se considerar, contudo, que 93% dos votantes do PMDB e 98% dos do PSDB manifestaram-se a favor da proposta.

Quando dois dos três grandes partidos se alinham, deixando o terceiro isolado, no caso o PT, no qual 100% ficaram contra a medida, torna-se difícil resistir. Foi também o que aconteceu no caso da terceirização. Diferentemente do que afirmei logo depois da eleição de outubro, parece ter ocorrido, sim, uma virada conservadora, ao menos na Câmara. Não tanto pela prevalência de siglas de direita, mas porque o centro, liderado por Eduardo Cunha, tem mostrado inequívoco viés antipopular.

Se de fato incluída na Constituição, a cláusula aprovada nesta semana poderá tornar sem efeito a maioria que existe no STF contra a doação de empresas. Este é, aliás, o seu objetivo. Configura-se como manobra conjugada com o longo pedido de vistas por parte de Gilmar Mendes, o qual impediu que o tribunal até aqui se pronunciasse a respeito.

Trata-se de duro golpe contra a democracia. Nunca está demais repetir que, ao perpetuar o sistema de financiamento empresarial, opera-se uma espécie de sequestro da política. Embora formalmente eleitos pelo voto de cada um de nós, na realidade os representantes respondem aos poucos que controlam os recursos com os quais são feitas as campanhas. Isso esvazia o debate democrático, uma vez que as decisões são tomadas em lugares inacessíveis, para os quais o cidadão comum nunca é convidado.

Outra vez, ficará com o Senado, e depois com a presidente Dilma Rousseff, a possibilidade de reverter o que foi decidido na Casa do Povo (?), caso esta reitere no segundo turno o que foi consagrado esta semana. Se o fará ou não, vai depender, agora, da mobilização dos setores sociais empenhados em revitalizar a democracia. 

Redação

11 Comentários

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  1. PIG – o partido da Globo

    Vingando o sistema de financiamento, por empresas, para os partidos, pergunta-se:

    Qual partido a Globo vai comprar ? o PSDB ???

    Ou ela criará um partido de centro-direita novinho em folha somente para ela ???

  2. Jean Wyllys encontrou uma
    Jean Wyllys encontrou uma brecha na manobra de Cunha e entrou com um mandato de segurança no STF.
    Se candidatos só podem receber doações de pessoas fisicas, não podem receber as transferências dessas doações de seus próprios partidos, que são pessoas jurídicas.
    A emenda aprovada do jeito que foi inviabilizaria o financiamento empresarial, portanto. Esse é o raciocínio dele.

    1. É, meus amigos, assim seria se diferente não fosse…

      Pra fechar a brecha do Wyllis basta que o Partido arque com os custos da campanha, ao invés de transferir valores aos candidatos. Assim, “a campanha básica é paga pelo partido, para todos os candidatos”. Além da “campanha básica”, e com as doações individuais de pessoas físicas, cada um que se vire.

      Ou se mata essa cobra que saiu do ovo, no ninho, ou vai virar uma piton!

    2. Muito inteligente o

      Muito inteligente o posicionamento do deputado Jean Wyllys, afinal, não importa se os partidos vão financiar o candidato diretamente ou a campanha de todos, de um modo ou de outro ele estará financiando o candidato o que, conforme foi votado na primeira votação seria inconstitucional.
      Acredito que o caminho seja justamente por aí. E se caso essa tese seja aceita no STF, abre-se o caminho para a criminalização do caixa 2, porque o partido só poderá utilizar essa verba para sua própria manutenção, se acaso for descoberta alguma transferência para qualquer campanha o candidato ou candidatos envolvidos seriam automaticamente cassados.

      Inteligentemente a campanha da Presidente Dilma separou suas doações das doações partidárias, não fizesse isso estaria numa sinuca de bico maior do que a que já está, os manifestantes de última hora no Brasil estão pedindo mudanças, e elas estão ocorrendo, só esqueceram de colocar nas faixas, queremos mudanças, pra pior.

  3. O DEDO DE CID GOMES.
    Certo mesmo estava o ex-governador do Ceará, CID GOMES, quando foi à câmara e disse o que disse do EDUARDO CUNHA, parabéns e obrigado Cid por ter dito aquilo que milhões de brasileiros gostaria de ter dito para o mundo ouvir. Essa segunda votação foi uma manobra imoral que em um país sério, desmoralizaria todos os poderes da república, inclusive o judiciário se fosse conivente com isso.

  4. STF: Emendas Constitucionais podem ser inconstitucionais

    O STF já decidiu várias vezes pela inconstitucionalidade das Emendas Constitucionais. No caso, o fundamento é o mesmo da ação no STF: viola-se o princípio democrático, que é cláusula pétrea. Acho que não muda nada. Apenas será necessária outra Ação Direta de Inconstitucionalidade. Dessa vez, o voto do Min. Gilmar Mendes terá a vantagem de já estar pronto.

    1. Pronto

      O Gilmar Mendes pede vistas de novo e … pronto.

      Singer vem mais uma vez com essa de “mobilização popular”. Ah, é? Vão botar uma bandeira vermelha na paulista “contra o financiamento empresarial”, é?

      Não adianta só defender propostas; tem que identificar claramente os adversários políticos. Com educação sempre, pra não cair em bate boca inútil com boçal; mas a firmeza é fundamental.

      O bloco recionário cresceu  fazendo ataques pessoais e dando todo tipo de chute nna canela. Nemna campanha eleitoral foi capaz de oferecer propostas; limitou-se a uma campanha fascista de “regeneração moral”. O “erro” muito maior do que o tal ajuste foi baixar a guarda e o tom da campanha eleitoral acreditando candidamente que essa oposição é composta de “cavalheiros”.

  5. E ……………………………

    Não vou entrar no mérito juridico da questão, mujito menos ficar comentando esta aberração aprovada no “Casa do Povo” (?), que dizia haver necessidade de uma reforma politica.

    Enganan-se os que pensam que antes não havia os llobys das corporações pressionando para aprovação de projetos de seus interesses, pois isto era nada mais que a cobrança a posteriori dos financiamentos feitos durante as campanhas eleitorais.

    Não somos ingênuos em pensar que antes não havia este jogo do toma lá dá cá, mas era como que meio escondido.

    Agora, com esta aprovação, escancarou de vez, e prova disto é como disse PRC – “Para que uma empresa vai doar R$ 20 milhões para uma campanha se ela não tiver algum motivo na frente para cobrar isso?” Resposta: 330 deputados preferem as cobranças e os aportes dos grandes patrocinadores a ter que sobreviver com o apoio de contribuintes individuais.

    Eu digo sinceramente, não que isto faça alguma diferença caso seja confirmado em outras votações e não seja vetado pela Presidente Dilma, mas digo:

    Para mim e vários de meus amigos, caso isto passe a vigorar, desisto do Brasil, de tudo em que até agora acreditava e pelo resto de meus dias, irei me manifestar de forma a que os abutres sempre desejaram. Ser omisso, ignorar, criticar e dividir, e finalmente dar a eles o que buscaram – o saque desta nação, com a conivência ainda que indireta de todos nós que deixamos que isto acontecesse!!!!!

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