Um ano ocupando e resistindo: aniversário das ocupações de escolas em SP e Brasília

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Do Psicanalistas pela Democracia

A deliciosa, festiva, contundente e jovem comemoração de um ano do início das ocupações às escolas públicas de São Paulo e do nascimento do Comitê dos Mães e Pais em Luta ocorreu no último sábado(03/12) no centro de São Paulo.

A programação foi longa. Desde as 10 da manhã até meia noite. Mais de doze horas no ar. Na Casa do Povo, no centro da cidade de São Paulo, aconteceu a celebração importantíssima de um ano de lutas, ocupações, vitórias, derrotas, esperanças e utopias.

Um ano desde o dia(09/11) em que na Escola Estadual de Diadema(09/11), no ABCD e, no dia seguinte, no Colégio Fernão Dias Pais(10/11), na zona oeste da capital, os alunos secundaristas deram início às ocupações das escolas estaduais diante do projeto de sucateamento do ensino público, que teria início pelas mãos do Governador Geraldo Alckmin. Esse político brasileiro que vai se revelando como um dos piores inimigos das causas sociais e públicas no Brasil.

Depois as ocupações se esparramariam por São Paulo e pelo Brasil e se criaria, tendo por palavra de ordem ‘ocupar é resistir’, uma estratégia de luta política de grande eficácia diante de projetos de governantes que se apresentam para levar ao chão conquistas sociais inadiáveis.

Herdeiros de ocupações de terras na zona rural e de edificações abandonadas em áreas urbanas, os secundaristas imprimiram um ritmo impressionante às ocupações urbanas que, em 2015/2016, vimos crescer como um enxame em todo o país

Os secundas levantaram-se para resistir, mas também para denunciar, para chamar a atenção para o descaso para com as instituições e o ensino público em São Paulo e no Brasil e, com isso, puderam dramatizar coisa bem mais grave e profunda.

Ao dizerem: “vou ficar aqui mesmo que morra”, eles estão colocando o colete da ação política diante da prática corriqueira das forças de segurança no país, que tem suas armas apontadas para o jovem pobre, esse mesmo que ocupa as escolas públicas. Eles se põem de peito aberto para enfrentar policiais determinados a machucar, torturar e matar e escancaram um outro problema nacional crônico: o das execuções extrajudiciais de jovens pobres no país.

A diferença é que nas ocupações eles não estão sozinhos, numa quebrada qualquer, onde os policiais os encurralam; num local ermo e escuro onde são cotidianamente achacados; na rua, distraídos, enquanto são chacinados. Eles estão juntos, num prédio público, exigindo respeito ao direito fundamental à educação pública de qualidade e à uma cidade e um país no qual os jovens possam viver como cidadãos livres.

Os jovens saem de sua condição de vitima potencial do Estado para,como protagonistas, acusar o Estado por uma história de descaso e violência e desafiá-lo a agir diferente.

Além disso escancaram que a luta pela escola não se trava apenas no confronto entre os estudantes, os pais, alguns professores que os apoiam de um lado e, de outro, o governo e sua guarda pretoriana. Os problemas da educação são maiores e mais graves e as lutas cotidianas se dão na ausência de diálogo dentro das escolas; na perseguição implícita a professores aliados da luta dos estudantes; na ausência de negociações com a Secretaria de Ensino.

É a democracia do dia a dia que eles pautam e exigem.

Durante esse ano de lutas muitos jovens foram presos, machucados, ameaçados e injuriados não apenas pelas polícias, mas pelas mídias rendidas e golpistas do país, determinadas a desmoralizar o movimento. Foram presos, libertados, venceram, perderam, aprenderam lições e ensinaram. Pretendem agora se reorganizar, buscar uma articulação nacional, criar comitês que permitam maior visibilidade e fluxo entre os diferentes grupos e ocupações, como explicou o secundarista Cauê Borges.

Os celulares ajudam, mas não são tudo. Ações podem ainda ser integradas em âmbito maior a fim de atravessar o cerco que aperta. O ativismo digital precisa ser considerado num contexto em que se bloqueiam celulares e estudantes são torturados para denunciarem outros colegas ocupantes, a partir de informações que as forças de segurança têm obtido advindas de fontes escusas.

Nasce com as ocupações o Comitê de Mães e Pais em Luta, um dos principais organizadores da festa no sábado. Ele surge como uma necessidade de apoio imediato aos filhos em risco iminente, mas amplia-se e amadurece como um grupo que apoia a luta política de seus filhos e a reconhece. Transformam-se assim em pais e mães que trabalham para que a luta de seus filhos seja reconhecida como luta comum e pública e realçam como, nesse encontro, as fronteiras entre o público e o privado se indistinguem.

Estão apoiando seus filhos, a luta deles mas, com eles, a educação, a democracia e as utopias pelas quais tantos arriscaram a vida no Brasil.

Bela reunião familiar em que defender o mais íntimo(os filhos), revela também, na defesa dos filhos, tantos outros jovens brasileiros. Momento em que se justapõem a mais íntima das relações e a mais pública das tarefas.

Filhos e pais irmanados, tornados irmãos através de um princípio que os une e os separa: o pensar e o fazer político e o engajamento com as coisas públicas.

Com a formação do CMPL também se irradia um processo formativo envolvendo outros pais de alunos. Hoje cerca de 100 pais acompanham, direta ou indiretamente, as atividades de CMPL, informa Luis Braga, pai de estudante secundarista.

A criação e o apoio do CMPL foi fundamental para que uma audiência sobre a violência policial, cometida pelas forças de segurança do Estado de São Paulo, fosse realizada junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 07/04/2016 e também outra audiência pública na Câmara Municipal de São Paulo em 23/10/2016. Momentos em que se denunciaram, nacional e internacionalmente, os abusos contra os estudantes durante as ocupações e manifestações.

Durante a celebração do último sábado jovens, pais, ativistas, simpatizantes acompanhavam a programação e, nos intervalos, conversavam, bebiam, riam, festejavam, relembravam.

Na festa, mais ou menos às 16 horas, tem início a performance dos estudantes intitulada Só me convidem para uma revolução se eu puder dançar. Ela é intensa, comovente, à flor da pele. Tudo o que aconteceu no passado recente está no corpo e na alma dos estudantes, dos ocupantes. Entre fotos e frases os estudantes refazem a história das ocupações, a rotina, as ameaças, as derrotas, os corpos ativos e machucados e as vitórias. Tudo muito intenso e sincero. Tudo vivo e agindo em cada um dos que viram, viveram e ainda vivem as ocupações. Tudo entremeado por corpos que dançam sobre o palco das transformações vindouras, tendo como pano de fundo as belas fotos das ocupações e sua memória.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. Estes jovens resistem a uma ocupação maior, a do nosso pais

    Estes jovens que lutam por seu futuro fizeram aniversário nas ocupações…,..resistindo a uma ocupação maior que é esta ocuapação de nosso pais por  golpistas rapineiros, um quadro que lembra qundo do momento inicial da chegada  das forças de ocupação no Iraque.,..o que ocorreu no Iraque ocupado:  corporações americanas pegaram pelo menos 37 bilhões de dólares para “reconstruir”  o pais ocupado e não o reconstruiram coisíssima nenhuma, pois ao invés disso a grana e deiram o povo à mingua….,..tal como no Iraque após ser dominado pelas forças de ocupação,  em 2016  o Brasil foi ocupado, e neste momento todos os setores da vida nacional que possam ser fonte de lucro, estão sendo loteados entre os que apoiaram o golpe de Estado, nada escapa da rapinagem, inclusive a moeda após o golpe a moeda pode ser impressa no estrangeiro, tal como no Iraque….o Iraque é aqui…os estudantes apenas reagem, à sua forma, e com arte, a uma ocupação maior….foi o que nos salvou em 2016: parabéns jovens….

     

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