Escola Sem Partido ameaça ensino de ciência nas escolas

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Enviado por Marcos A. Pimenta
Departamento de Física da UFMG

O movimento Escola Sem Partido pode se tornar um perigoso instrumento para ameaçar o ensino de ciência nas escolas e deve ser repelido. O alerta é da Sociedade Brasileira de Física, que lançou um manifesto, aprovado por seu Conselho e sua Diretoria, em favor de um ensino pleno, sem restrições ao conhecimento ou à liberdade de expressão.

Para a organização de físicos, a suposta tentativa de eliminar posicionamentos ideológicos nas escolas constitui uma ideologia, e uma que lança “um forte olhar de desconfiança sobre a figura do professor, propondo censura por parte dos estudantes e pais com o objetivo de restringir conteúdo e metodologia em sala de aula”.

De acordo com a manifestação da SBF, o movimento pode levar a situações inaceitáveis em termos educacionais, como restrição ao ensino da teoria da evolução das espécies, à perspectiva de gênero e a temas afins ao multiculturalismo. “O que nos garante que uma teoria tal como a do Big Bang não possa ser vetada futuramente em escolas, por contradizer valores religiosos, que obviamente devem ser respeitados, mas que não podem se impor sobre outras formas de ver o mundo?”, subscrevem os físicos.

“Nos posicionamos totalmente contra iniciativas que possam vir a reprimir a discussão e liberdade de expressão, valores fundamentais numa democracia e imperativos para o desenvolvimento de qualquer nação.”

A seguir, leia a íntegra do manifesto aprovado pela SBF.

Manifesto em Favor de um Ensino Pleno sem Restrições de Conhecimento ou Liberdade de Expressão

Uma sociedade justa e plenamente desenvolvida é aquela que preza e defende a liberdade de pensamento e de investigação crítica. Para tal, o conhecimento acumulado pela humanidade ao longo dos séculos, em todas as áreas – ciência, cultura, filosofia, sociedade – e sob as suas mais variadas vertentes, deve ser apresentado e discutido em todos os distintos níveis de formação de nossos estudantes. Da mesma forma, a sociedade para evoluir precisa também permitir que as fronteiras do conhecimento avancem, com novas indagações podendo ser livremente formuladas e investigadas, e os resultados de tais avanços sendo finalmente disponibilizados a todo cidadão, seja nas instituições de ensino, seja nas instituições de pesquisa, seja no âmbito da sociedade civil.

Na defesa da pluralidade e da liberdade de expressão, a Sociedade Brasileira de Física vê na proposta para a educação básica do movimento Escola Sem Partido um retrocesso a esses ideais de pleno progresso do pensamento humano. Uma ideologia, qualquer que seja sua origem, que lance um forte olhar de desconfiança sobre a figura do professor, propondo censura por parte dos estudantes e pais com o objetivo de restringir conteúdo e metodologia em sala de aula, colide frontalmente com a possibilidade de franco desenvolvimento intelectual de nossos jovens.

Entre diferentes propostas, o programa Escola sem Partido deseja aprovar um projeto de lei que torna obrigatório a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio um cartaz com seis “Deveres do Professor”. Talvez oportuno lembrar que durante o século XX certos regimes totalitários adotaram esta mesma prática de propaganda coercitiva, principalmente em ambientes frequentados por jovens.

Embora alguns destes itens apresentem ideias corretas, de que o professor não pode, em sala de aula, tentar impor sua visão pessoal dos fatos, outros claramente têm carater censor, tentando vetar o livre debate de ideias. É fundamental que o professor possa apresentar todos os lados e incentivar diferentes pensamentos, refletindo a diversidade da complexa sociedade à nossa volta. O Escola sem Partido, pelo contrário, propõe que a pedagogia da confiança e do diálogo crítico sejam substituídas pelo estabelecimento de restrições de quais ideias devam ser discutidas. Esta visão de ensino pode levar a uma parcialidade extremamente negativa para a sociedade como um todo.

Infelizmente, projetos de lei restritivos e pouco democráticos vem sendo propostos, alguns já aprovados, nas câmaras municipais, estaduais e federal. Por exemplo, o projeto de lei federal (acesse aqui) propõe a criação um canal de denúncia direto entre os alunos e as Secretarias de Educação, que receberia denúncias anônimas e as passaria para o Ministério Público. Inúmeros casos de denúncia e processo contra professores da rede básica vem acontecendo pelo país. É fundamental que alunos e pais tenham o direito e canais apropriados para denunciar eventuais práticas equivocadas de educadores em sala de aula. Por outro lado, é fundamental que o professor tenha total condição de se defender e de explicar perante a comunidade sobre sua postura enquanto educador. A denúncia anônima cria um veículo de mão única, inclusive impossibilitando que eventuais denúncias falsas ou descabidas sejam igualmente punidas, única forma de evitar abusos por parte de delatores.

É nesse contexto que também vem surgindo denúncias no âmbito de universidades. A recente denúncia do MP de Minas Gerais contra o grupo de estudos da Faculdade de Educação da UFMG é um destes exemplos. A negativa de abertura de processo (leia aqui) por procurador da República, com base na autonomia universitária prevista na Constituição de 1988, não é garantia que outros processos indevidos possam ser abertos e eventualmente levados à frente.

Dada a preocupante situação da sociedade brasileira atual, de intolerância e falta de diálogo, uma proposta defendendo que a formação de seus jovens seja ditada por um pensamento único e restritivo, além disso criando um ambiente de “denúncias”, pode tanto agravar nossas profundas diferenças sociais bem como gerar falhas enormes na formação básica de nossas futuras gerações.

Numa situação extrema, sofremos o risco de ver a teoria da evolução, a perspectiva de gênero, ou temas afins com o multiculturalismo serem vetados nas escolas. O que nos garante que uma teoria tal como a do Big Bang não possa ser vetada futuramente em escolas, por contradizer valores religiosos, que obviamente devem ser respeitados, mas que não podem se impor sobre outras formas de ver o mundo? Experiências anteriores na história da humanidade apontam que um debate dessa natureza deve ser acompanhado por todos os que se interessam pelo desenvolvimento de uma sociedade livre para exercer o pensamento, a expressão e a troca de ideias.

Assim, nos posicionamos totalmente contra iniciativas que possam vir a reprimir a discussão e liberdade de expressão, valores fundamentais numa democracia e imperativos para o desenvolvimento de qualquer nação.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

9 Comentários

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  1. Para que uma colônia

    Para que uma colônia necessita de cientistas? Um senacão formando apertadores de botão é tudo o que é necessário.

  2. Não leram o que está sendo
    Não leram o que está sendo proposto. Escola sem partido não tem nada haver com ciência e sim com ideologia. É que está sendo proposto nada mais é da lei que já existe e não está sendo cumprido. Portanto as dez observação que deve se colocado em sala é para lembrar que professor é para enviar não forma opinião.

    1. Meu caro, o projeto Escola
      Meu caro, o projeto Escola sem Partido é defendido no congresso por partidos politicos de direita. É pura ideologia. Fascista.

    2. O diabo está nos detalhes

      Se vc pedir para 100 pessoas que defendem a ESP o que é “ideologia”, vai ter 100 respostas diferentes.

      Qualquer coisa que eles não gostem ou não aprovem pode ser jogado nesse saco de gatos.

      Isso inclui a teoria do big bang, teoria da evolução e discussões sobre gênero.

      Como eles não conseguem emplacar o ensino de religião obrigatório nas escolas públicas, eles usam leis para tentar impor a IDEOLOGIA deles aos alunos, perseguindo professores.

    3. Esse projeto significa um
      Esse projeto significa um ensino de censura aos professores, ensinarão sob o medo da denúncia. Marcartismo puro. Escola sem cérebro e sem crítica. Juntamente tentam aprovar aula de religião nas escolas públicas. Já pensou? Turbas de pastorecos, micro-empresários da fé, mão de obra barata das pirâmides células criadas por esses oportunistas da bancada da bíblia …

  3. Ela é antiga

    Desde o golpe dos milicos temos essa escola sem partido.

    O resultado é a imbecilização que permitiu mais um golpe contra o País e o povo brasileiro.

    A novidade dessa escola de agora é uma maior imbecilização, somente o básico para exercer uma profissão, um trabalho, a semi-alfabetização, suficiente para ler as placas de trânsito e o bairro do ônibus que leva o gado para a favela-senzala!

    Cerveja de milho bem barata, cachaça e muito futebol fará o resto do estrago.

     

  4. Só mentecaptos defendem uma aberração dessas.

    A tal ESP é uma aberração criada por imbecis mal-intencionados e defendida por mentecaptos ingênuos. São os mesmos idiotas que promovem a “meritocracia” sem ter absolutamente a menor noção do que defendem.

  5. Com ou sem esses projetos de

    Com ou sem esses projetos de lei irracionalistas, o macartismo já chegou na escola.

    É duro, mas tem aluno que entra em sala bradando “fulano-de-tal 2018”

    Sem falar no apuro, no caso específico de ciências, que alguns professores relatam quando apresentam em suas aulas temas como a evolução ou qualquer outro que o aluno considere “ofensivo” às suas “convicções”, mesmo antes de saber do que se trata.

    E o mesmo, em qualquer disciplina, quando questões sobre racismo e gênero aparecem.

    Nínguem (comentário anterior) pode ter razão quando diz que são “mentecaptos ingênuos”. O problema, como no caso dos parlamentares que parecem anencéfalos, mas conseguem se eleger nessa colônia, não é (apenas) o próprio sujeito, mas aqueles que financiam essas marionetes. Esses sabem muito bem os interesses que os motivam.

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