Gilberto Gil: 70 anos em Turnê Comemorativa

70 anos »Gilberto Gil traz ao Recife turnê comemorativaAcompanhado por orquestra sinfônica, baiano apresenta turnê Concerto de cordas e máquinas do ritmo

Fellipe Torres – Diario de Pernambuco

Publicação: 07/08/2012 10:00 Atualização: 07/08/2012 12:22

 

Beti Niemeyer/Divulgação (Beti Niemeyer/Divulgação)  
Beti Niemeyer/Divulgação

Ao lado da Orquestra Sinfônica da Bahia, Gilberto Gil volta ao Recife para se apresentar nesta quinta-feira (9), às 19h, no Teatro Guararapes. A turnê Concerto de cordas e máquinas do ritmo comemora o aniversário de 70 anos do cantor e os 50 anos de carreira.
O músico também é acompanhado pelo filho Bem Gil e pelos músicos Jaques Morelenbaum (violoncelo), Nicolas Krassik (violino) e Gustavo di Dalva (percussão). O show de abertura fica por conta de Geraldo Maia.
Em entrevista por telefone ao Diario , Gilberto Gil falou sobre a paixão pela cultura popular pernambucana e por Luiz Gonzaga, opinou a respeito de novos fenômenos da música, como Michel Teló, e sobre temas mais espinhosos, como seus desentendimentos com Paulinho da Viola e o julgamento do Caso Mensalão.

ENTREVISTA >> GILBERTO GIL

Em grande parte da turnê Concerto de cordas e máquina de ritmos, você esteve acompanhado da Orquestra Petrobras Sinfônica. No caso do Recife, o show será ao lado da Orquestra Sinfônica da Bahia. A troca dos músicos provocou mudanças na apresentação? 

Não, a gente está bem entrosado. Antes de me apresentar e até gravar um DVD com a Orquestra Petrobras, aqui no Rio de Janeiro, já havia feito dois shows com essa formação que vou levar para a apresentação do Recife, composta de um lado pela orquestra, e do outro pelo Bem Gil, meu filho, e o Jaquinho [Jaques Morelenbaum]. A essência é a mesma. 

Como é dividir o palco com o filho?

Ah, bom demais! Ele é ótimo, muito talentoso. Bem Gil tem uma maneira de perceber meu modo de tocar como pouca gente consegue. Muitas pessoas festejam minha originalidade, mas quase ninguém vai lá ver como faço. Ele me observa e depois vem relembrar o jeito que eu tocava determinadas músicas. Conhece minhas levadas, meus arpejos. Eu me vejo nele.

 

 

 

Bem Gil e o pai, Gilberto Gil (Marcos Hermes/gilbertogil.com.br)  
Bem Gil e o pai, Gilberto Gil

 

Em 2011, o Recife recebeu uma versão acústica deste mesmo show, sem orquestra. A diferença é grande?

É uma evolução, porque esse projeto foi sendo criado aos poucos, a partir das canções importantes de minha carreira, que marcaram meu estilo de tocar e minha composição. No primeiro estágio éramos apenas eu e o Bem, fazendo show a dois. No segundo estágio, para enriquecer ainda mais, entrou o Jaques e seu violoncelo. Ele me sugeriu incluir no repertório canções como Oriente e Vira-Mundo, todas com novos arranjos. Foi quando tocamos no Recife. 
Agora, no terceiro estágio, subimos ao palco com o violonista Nicolas Krassik e percussionista Gustavo di Dalva. Por isso mudamos o nome da turnê, que antes se chamava apenas Concerto de cordas, em referência a minhas cordas vocais, às cordas de meu violão e do violão de Bem Gil. “Máquinas do ritmo” são os instrumentos utilizados para compor o som, como tambores artesanais, berimbau, máquinas industriais eletrônicas. 

Esta turnê tem sido apontada como bastante autobiográfica. O tom de releitura da carreira partiu de um desejo seu ou foi algo surgido naturalmente com a chegada dos seus 70 anos? 

As duas coisas. Já estava caminhando nessa direção, de revisitar minha carreira, então foi mais fácil atender ao desejo de festejar o aniversário, de presentear a família de casa e a família de rua, que é o público. É muito bom comemorar desse jeito.

Uma das homenagens que recebeu pelo aniversário foi a exibição de um holograma seu, em tamanho real, tocando acordeom durante um show; algo bastante adequado para um entusiasta da tecnologia. No entanto, sua mulher, Flora, já afirmou que na prática você não se dá muito bem com computadores.

Sempre fui ligado no mundo eletrônico, mas uma coisa é a minha aproximação intelectual com a tecnologia. Outra, bem diferente, é a aproximação carnal. Nesse ponto, sou um péssimo usuário. Uso celular somente para fazer ligações e o computador para acessar uma coisa ou outra. 

Caetano Veloso, Milton Nascimento e Paulinho da Viola também estão comemorando 70 anos. Todos conhecem sua amizade de longa data com Caetano, e as parcerias com Milton. Mas você não é tão próximo de Paulinho da Viola. Isso ainda tem a ver com desentendimentos que ocorreram entre vocês há mais de 15 anos? 

Pois é, não somos tão próximos. Realmente houve essa confusão que nos afastou um pouco. Mas do ponto de vista do apreço que tenho por ele, nada se modificou. Continua sendo um grande artista, na minha visão. 

Você sempre foi muito admirado tanto pelo público quanto pelos colegas. Chico Buarque certa vez descreveu o momento em que lhe conheceu, em uma boate. Disse que ficou besta, e pensou na hora: “poxa vida, esse cara é melhor que eu”. Como você lida com essa veneração? 

Lido muito bem, porque é recíproco. Foi a mesma coisa quando ouvi pela primeira vez: (cantarola) A Rita levou meu sorriso/ No sorriso dela, meu assunto/ Levou junto com ela o que me é de direito / E arrancou-me do peito e tem mais… (pausa) Pensei: como pode? É tanta facilidade, beleza, profundidade. Desde o início existe isso, de um admirar profundamente o outro. Teve uma época, por exemplo, que o meu maior sonho era ser Jorge Ben Jor (risos). É o símbolo da excelência dessa geração.

 

A Warner Music está lançando a coletânea Gilberto Gil canta Luiz Gonzaga, que se soma a muitas outras homenagens ao centenário de Gonzaga. Como você enxerga essas revisitas à obra dele?

Poderia surpreender pela extensão e pelo alarde que quer provocar, mas é normal, porque Gonzaga é dessa estatura, mesmo, é um dos maiores artistas brasileiros. Se tivermos que citar cinco artistas populares de todos os tempos, em qualquer área, Luiz Gonzaga estará entre eles. As homenagens não surpreendem, mas me alegra muito saber que o brasileiro tenha amadurecido para fazer esse reconhecimento.

Você já declarou que “música ruim e filme ruim também são cultura, e não deveriam ser ignorados”. Mas o que dizer quando uma música “ruim” produzida no Brasil vira hit mundial, como acontece às vezes? Isso é positivo para a imagem de um país cuja cultura tem como referência mundial a bossa nova? 

Não é positivo nem negativo; é irremediável. Já me perguntaram o que acho desse rapaz que surgiu recentemente, o Michel Teló, e respondi que não gosto da música dele. Gosto de saber o que ela tem desencadeado, com essa coisa de Neymar e Cristiano Ronaldo dançando. Isso está ligado ao estilo de expressão da juventude, é mais um elemento de inserção da cultura popular. É algo que vai do futebol ao rock, de Jennifer Lopez a Beyoncé, passando por Ivete Sangalo. É um mundo industrial de produção, criação, organização, de método, que traz a indústria musical para o campo de competências. Mas se não gosto de Michel Teló, adoro, por exemplo, a música que abre a novela Avenida Brasil [Vem dançar com tudo, de Robson Moura e Lino Krizz]. É ótima, aquela!

A música popular de Pernambuco influenciou o início de sua carreira e o surgimento da Tropicália. O que lhe impressionou tanto naquele momento? 

Venho de uma cultura com duas faces: uma sertaneja, do interior da Bahia, e outra praiana, carnavalesca, de Salvador. Se você observar há muitas semelhanças com Pernambuco, principalmente no modo popular de expressar a cultura. Ambos os estados aderiram à capoeira e à rítmica de origem africana, que no caso pernambucano se desdobrou no frevo. São musicalidades próximas, então a paixão é natural.

Depois de dez anos de carreira artística, Preta Gil finalmente ganhou uma composição do pai. Qual a história por trás de Praga? Como enxerga a carreira dela? 

Desde o primeiro disco que Preta me pedia para compor algo. Recusei de início para tentar desvencilhar a carreira dela do que eu significo. Na época disse: “filha, vá procurar sua turma, encontrar seu jeito”. Agora, no terceiro disco, já estava na hora, então fiz essa canção sobre pessoas que ficam escondidas na internet somente criticando. É uma praga que rogo, mesmo. Fiz um funkzinho ligeiro, cosmopolita, mas bem leve, para me adequar ao modo musical de Preta. Na gravação do CD ela fez uma leitura bastante atenuada. Ficou bonito.

Ao lado de Preta, você participou da campanha Ser diferente é normal, com intuito de conscientizar as pessoas sobre a síndrome de Down. Também fez show em combate à fome, a pedido da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), da qual é embaixador pela boa vontade. Essa é apenas uma das faces do seu engajamento social. O que isso representa para você? 

O engajamento social vem naturalmente desse sentimento de pertencer a coletivos que precisam que suas questões comunitárias sejam consideradas. Desde a época de estudante defendo causas populares. Mais adiante, no tropicalismo, tive embate contra o Estado e partes da sociedade civil. Também já militei em favor da ecologia e de outras causas.

Um dos assuntos que tem ocupado grande parte do noticiário nacional é o julgamento do Caso Mensalão. Do ponto de vista de quem integrou o Governo Lula por quase seis anos, como enxerga esse acontecimento? Tem acompanhado o caso?

Estou situado na média de interesse geral. Só me incomoda a maneira apropriativa como parte da mídia aborda o assunto, principalmente os anti-Lula. Mas de modo geral, acompanho, até porque estava lá [no Governo] na época em que isso tudo aconteceu. Fica essa cultura da apropriação do Estado para interesses particulares… Eu queria mesmo era que o [caso do mensalão do] PSDB também fosse julgado, já que aconteceu antes. Por que não foi julgado? A imprensa não se interessou? O Supremo [Tribunal Federal] deveria julgar todo mundo junto, para aumentar esse número de réus de 38 para 50 e poucos.

Redação

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