Palmeiras ameaça processar autor da biografia de São Marcos

 

Poucos times no Planeta sabem tratar tão mal seus ídolos como o Palmeiras. Não por acaso, o principal clube brasileiro do início do século encerra 2011 com uma coletânea de fiascos que hoje lhe garantem o título único de melhor equipe da zona oeste de São Paulo. Por enquanto.

A história recente de fracassos tem origem fora dos campos, onde ídolos dos gramados são tratados como gado. Foi assim com Diego Souza, descartado do Palestra Itália quando era ainda o melhor meia em atividade do País, e Vagner Love, jogado às feras após o declínio do time em 2009. Mais recentemente, o atacante Kleber, já chamado de Gladiador, teve que sair pelas portas do fundo por ter falado demais e jogado de menos.

Capa do livro ‘São Marcos do Palestra’, do jornalista Celso de Campos Jr.

A lista é grande: Edmundo, dispensado às vésperas de marcar seu 100º gol pelo clube, e Evair, esquecido num banco de reservas no Mundial de Clubes pouco depois de carregar o piano numa temporada consagradora.

Por essas e outras o goleiro Marcos é, antes de tudo, um sobrevivente. Completa, no ano que vem, duas décadas de clube com um status peculiar: ídolo, acima do bem e do mal, e blindado de qualquer vaia ou crítica.

Protagonista de alguns dos grandes jogos da história alviverde, especialmente nas Libertadores de 1999 e 2000, quando o time eliminou o Corinthians, o arqueiro teve neste ano uma homenagem que poucos atletas receberam em atividade: uma biografia de caudalosas 304 páginas.

Mesmo assim, a diretoria do clube deu mais uma mostra de que é apta para gerenciar cantinas, e não ídolos. Num tempo em que a ordem é compartilhar informações em rede, o livro, “São Marcos de Palestra Itália”, escrito pelo jornalista Celso de Campos Jr., corre o risco de ser censurada antes mesmo de chegar às prateleiras.

Numa atitude digna de quem prefere andar de carroça na era do automóvel, a diretoria palmeirense ameaça processar o autor caso a biografia seja distribuída.

É o que conta Celso de Campos Jr., ainda embasbacado com a situação kafkiana.

O livro, publicado pela Realejo Edições, começou a ser idealizado em 2003, tempo de vacas magras no Palestra Itália, quando o time disputava a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. Na época, Marcos recebeu uma proposta para jogar no todo-poderoso Arsenal, da Inglaterra. E recusou.

O episódio, espécie de chave de ignição para o autor, é recontada na biografia do goleiro nascido em Oriente (SP), levado ao Palmeiras em troca de doze pares de chuteiras e que alcançou o topo do mundo como titular da seleção brasileira pentacampeã na Copa de 2002.

Em 2011, ano em que Marcos planejava se aposentar (a decisão foi adiada para 2012), o jornalista, que já havia escrito um livro sobre o sambista Adoniran Barbosa, procurou o clube para encaminhar o projeto idealizado oito anos antes. A ideia era se aproximar do atleta, que foi praticamente blindado pelo clube. O pedido, segundo ele, foi simplesmente encaminhado ao departamento de marketing alviverde, de onde jamais houve um sinal sequer.

O argumento para o descaso é que outros autores também tinham o interesse em publicar um livro sobre o pentacampeão, mas o clube era o único detentor da marca Palmeiras.

“Durante todo esse tempo, não consegui falar com o Marcos. O assessor dele me orientou a falar com o Palmeiras, e o Palmeiras blindou”, conta.

Mesmo assim, o autor conta que continuou trabalhando no projeto, com base em reportagens publicadas ao longo da carreira do goleiro e entrevistas com personagens que o lançaram ao futebol, como o olheiro e o seu primeiro treinador.

 

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Até então, o Palmeiras muito ajudou quando não atrapalhou. Até que resolveu atrapalhar. Na terça-feira 20, Celso de Campos Jr. recebeu uma notificação extrajudicial originada pelo diretor jurídico do Palmeiras, Piraci de Oliveira. “Ele dizia que a gente não tinha autorização para a biografia, e deveria cessar a distribuição, sob penas de ações cíveis e criminais. A única base era que não tinha autorização”, diz o autor.

A biografia se tornou, então, briga de cachorro grande. E, sem querer, deu um novo capítulo à novela sobre censura e liberdade de expressão no País, que já vitimou os fãs de nomes como Roberto Carlos, Garrincha e até mesmo Lampião.

Contra a torpeza alviverde, autor e editora ganharam o apoio de nomes como o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-presidente do Palmeiras e colunista de CartaCapital. Revoltado com a atitude do clube, Belluzzo ouviu juristas de renome e intermediou o contato do autor com advogados. Tudo para proteger o livro da censura prévia.

A batalha jurídica está só começando, e não se sabe que fim levará. Uma coisa ao menos é certa: ao censurar uma homenagem ao próprio ídolo, o Palmeiras sai menor do episódio, vença ou não o imbróglio.

Até lá, a editora promete não cessar a divulgação. A previsão é que a biografia chegue às livrarias na semana que vem.

Marcos merece esta e outras muitas homenagens. Ele é hoje o que existe de melhor quando o assunto é Palestra Itália, um clube cada vez menor em relação aos seus ídolos, seus torcedores, e sua história.

Luis Nassif

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