Ruy Lopes conta como enfrentava censura na redação da Folha

Em entrevista no Sala de Visitas, consagrado jornalista fala de sua relação com Frias e com a ditadura militar. Não perca programa completo hoje, às 18h, aqui no GGN
 
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Jornal GGN – Curiosamente, a atuação dos censores dentro dos grandes jornais brasileiros na ditadura militar não seguia um padrão e, em diversas ocasiões, uma notícia que era proibida de ser dada no Estadão, acabava “vazando” pelo concorrente Folha. 
 
A falta de critérios dos censores durante o período em que vigorou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que impunha a censura prévia para jornais, revistas, livros, peças de teatro e música, foi um dos temas levantados pelo consagrado jornalista Ruy Lopes em entrevista ao programa Na Sala de Visitas com Luis Nassif, que você poderá acompanhar hoje, a partir das 18h na estreia da segunda edição.
 
Ruy, que trabalhou desde os anos 50 na Folha de S. Paulo, atuando como diretor de redação em São Paulo e colunista da Página 2 do jornal, perdeu a conta de quantas vezes foi preso por dar notícias que contrariavam o regime. 
 
Anos mais tarde, após a queda do AI-5, conta que durante um encontro inusitado com o coronel Lepiane, então chefe da Polícia Federal e responsável direto pelos pedidos de prisão de Ruy, o militar lhe agradeceu por não guardar mágoas “daquele tempo” e arrematou: “Sabe por que eu mandava te buscar? Porque vocês publicavam coisas que os sensores tiravam do Estadão, daí eles ligavam pro ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, e ele vivia em cima de mim e a única saída que eu tinha era mandar te prender”. 
 
Ruy conta uma ocasião que por telex recebeu uma ordem de não dar qualquer tipo de notícias sobre o então ministro da Fazenda Delfin Netto. “Ele era meu amigo conhecido, então liguei e expliquei o que estava acontecendo (…) Meia hora depois ele disse ‘esquece, era um cara de porre’ [que censurou]”, e a matéria foi dada. 
 
Em outro fato, para driblar a proibição de dar qualquer notícia sobre o surto de meningite que matou centenas de crianças, o jornal decidiu fazer um anúncio grande. “Nós começamos assim: ‘A Folha de S. Paulo agradece ao Exército dos Estados Unidos da América a doação de vacinas, e coisa e tal, e convida o governo a ir buscar’. Eu dei a notícia e não fui preso”, ironizou Ruy.
 
Uma das vezes que foi preso foi logo após soltar uma matéria da cobertura do encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 74. “Fui proibido de dar qualquer notícia, o Perseu Abramo chegou em mim e disse ‘não vamos dar nada’. Nós demos manchete de página dizendo que eles pediam para dobrar o salário mínimo. No dia seguinte eu estava em cana, naturalmente deveria ter sido o Estadão [risos]. Chego lá e escuto: ‘Porra! Mas você não recebeu ordem?’, daí eu disse ‘recebi, mas eu publiquei esse negócio pro povo ver como eles são loucos”.
 
Ruy também revela bastidores da direção do jornal. Em uma ocasião em que estava com Octávio Frias antes de um encontro em Brasília com o general Macedo Soares escutou do empresário “eu gosto desse regime, porque depois de um coronel vem sempre outro coronel e esses eu sei quanto custa”. 
 
Por outro lado Ruy destaca que Frias era contra os excessos do regime e que, inclusive, não sabia que um agente do DOPS trabalhou como motorista da empresa. “Muitos anos depois de ele largar a direção da Folha (…) me ligou perguntando se eu sabia se fulano de tal era funcionário do DOPS, eu disse que sabia. Ele respondeu ‘por que você não me contou?’. Eu disse ‘você nunca me perguntou’. Então ele bateu o telefone na minha cara”.  
 
A criação da Página 2, espaço de opinião que fez a Folha se destacar frente os concorrentes, ocorreu logo após o fim do AI-5 e foi idealizado em um encontro marcado por Frias em sua casa, na Praia Dura, em Ubatuba. Participaram Ruy, Otavinho (filho de Frias), Claudio Abramo e Bóris Casoy.
 
“[Na reunião Frias não disse nada porque não queria que a opinião dele fosse tomada como ordem de direção do jornal. Claudio Abramo dizia que não ia falar nada porque não acreditava naquela reunião. Daí começamos a discutir os problemas de orientação que ia ser dada no jornal (…), Bóris de direita e eu, sei lá, meio de esquerda, meio de centro. A briga ficou entre Otavinho (então estudante de direito) e Bóris Casoy e eu mediando, e depois de dois dias saiu a direção do jornal”, relembra.   
 
Redação

2 Comentários

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  1. Nassif

    Na conversa, não tocamos em dois pontos que considero importantes para a história da Folha – e do Frias.  No fim dos anos 70, o governo militar tentou comprar o grupo Folha por 380 milhões de dólares.  Quem levou a proposta foi JCA, já falecido, e o Frias nem ligou para o negócio. Quando a Rede Tupi quebrou, liguei para o Frias avisando que ele iria ser procurado por um emissário do governo que lhe ofereceria a televisão de graça e sem nenhum passivo. Ele disse que eu estava enganado e insistí afirmando que minha fonte era ótima. Dai ele concluiu: vc está enganado,  o emissário acabou de sair . Perguntei quem era:  Paulo Maluf. Procurei então saber qual a resposta, e ele esclareceu que recusara. Por que? “Vc acha que eu vou ficar de rabo preso com essa gente?” No texto acima há uma incorreção: o funcionário do DOPS não era um motorista, mas editor de um dos jornais do grupo, e que possivelmente era o responsável pela cessão de carros da empresa para tarefas de polícia.

  2. Meningite 1974

       Comentario para a “molecada” que crê em Bolsonaro e demais “gorilas”.

       Em 1974 , por detestar educação fisica, miope que nem uma porta, 6,5 graus,  com 14 para 15 anos ( 8a série – Colégio Estadual ), participava da equipe de xadrez , e “treinavamos ” , os mais de 10 alunos, todos os dias para participar de uma competição no Clube Espéria, um de meus colegas faltou alguns dias, algo raro em um participe de uma equipe de xadrez ( hj. seriamos considerados “nerds”, não nego, sempre fui ).

        Estudavamos na parte da manhã, e um belo dia, sem aviso, sem comunicado a familia, sequer a professores – só a Diretora soube, e na hora que as Kombis chegaram – , todos nós fomos retirados de nossas salas e “coercitivamente” encaminhados para o Hospital Emilio Ribas e submetidos ao exame de “liquor” ( dói para caramba ), após umas 6 horas fomos “depositados” em frente ao colégio, nossas mães desesperadas com o “desaparecimento”, sem qualquer comunicação, pois a diretora da escola não pode comunica-las de nossa “condução”, sob alegado possivel panico, em assunto de “segurança nacional” ( não é piada ).

         A razão da “condução coercitiva” : Nosso amigo, Nelsinho, tinha falecido de meningite, e todos os próximos a ele talvez estivessem contaminados, portanto como o Estado escondia a situação, medidas profiláticas, até extremas, tipo coerção adolescentes estavam “liberadas”, até mesmo o atestado de óbito de Nelsinho – eu era muito amigo dele, tinhamos feito primario juntos, conhecia a familia inteira da lapa de baixo – não constava “meningite”, mas um acidente cerebarl hemorragico de origem viral.

           Ditadura, bolsonaros e correlatos, funcionam assim.

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