Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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EUA/Brasil, biotecnologia concentrada, por Rui Daher

na CartaCapital

por Rui Daher

“Ah, esse custo Brasil. Está matando a agricultura”. Ouve-se muito, não? É uma das músicas mais tocadas nos shows da banda “Ronaldo Caiado e seus Berrantes”. Ainda mais quando o poder político está sendo disputado a golpes de votos dentro do Congresso e não da população brasileira.

“Mas você não concorda que existem grandes entraves de legislação e infraestrutura para a agropecuária deslanchar?”, certamente me perguntarão nas redes sociais. Isto, os mais educados. Os demais virão com pés em meu peito. Sei evitá-los. Estão inundados de micoses.

Aos primeiros, costumo responder. Não, contudo, jogando todas as distorções nas costas do investimento público em décadas de governos. Meto aí nesse saco de maldades também a iniciativa privada, geralmente distraída para colocar recursos de retorno em longo prazo.

Não é essa, no entanto, a discussão na coluna de hoje. Na semana passada, citei vários movimentos de aquisições e fusõesentre fabricantes de insumos agrícolas que certamente afetarão de forma negativa o agricultor brasileiro.

Rumores indicam a breve venda dos ativos da Vale em fertilizantes para a norte-americana Mosaic. Perto do que acontece lá fora, é coisa pouca, entre R$ 2 e 3 bilhões, mas relevante para o consumidor de potássio, sobretudo do Nordeste.

Mas ainda não está aí o foco principal desta coluna, penalizado que estou com os plantadores de soja e milho dos Estados Unidos. Os estados de Ohio, Wisconsin, Indiana, e outros do Corn Belt, estão revoltados. Não sei se a baba irá cair no colo de Hillary Clinton ou Donald Trump. Mas é grossa.

Caso é o seguinte: nos EUA, dólar é dólar, juros e inflação baixos são reais; no Brasil, reais são apenas o nome da moeda e a coroa de Momo. Sim, evitei a letra erre, mas cabia.

Há 20 anos, a Monsanto introduziu na agricultura norte-americana as sementes transgênicas. A invenção começou para evitar a broca do milho, seguiu para resistir aos mais fortes herbicidas, até chegar à diminuição do stress hídrico. Convenceu. Atualmente mais de 90% do plantio de soja e milho são feitos com elas. Lá e no Brasil.

O busílis: nesse período, o custo das sementes transgênicas de soja subiu 305% e o custo por hectare plantado com a cultura atingiu US$ 150,40. As informações vêm do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA).

Fato é que o mesmo não aconteceu com as cotações dos grãos, há três anos em queda. Mesmo com a produção maior dos últimos dois anos, a perda de receita dos agricultores americanos, em relação ao pico entre 2011/12, é estimada em 40%.

Como então aguentar os preços das sementes? Simples, aguentando. São poucas as alternativas. Não fosse assim, a Bayer alemã não estaria comprando a norte-americana Monsanto.

O diretor-presidente da empresa alemã, Werner Baumann, declara apostar na biotecnologia e a justifica com a estimativa da ONU de que, em 2050, o planeta estará com 9,7 bilhões de pessoas que não terão perdido o hábito da alimentação. Um sábio. Gente que enxerga longe.

E no Brasil? Até aonde se enxerga?

Depende de quem olha pela mira. Se a Bayer acertará o centro do alvo, pois se tornará a líder em insumos no país, com participação de 22% no mercado.

Se os agricultores brasileiros, lerão no alvo dísticos da concentração na produção de insumos, preços cartelizados, desnacionalização da economia, e o câmbio incerto a influir nos custos de produção e preços de comercialização. Espingardas tico-tico não costumam ser eficientes para acertarem esses alvos.

Ah, desculpem-me, e o custo Brasil. Se não o lembrasse os confederados caiados não me perdoariam. Alguns podem estar pensando, “bem, então, agora é cinzas, tudo acabado e nada mais”.

Téquinão.

Apesar de algumas adversidades climáticas, com influência negativa na colheita de certos produtos, a queda no valor bruto da produção brasileira, em 2016, não ultrapassará 2,5% (grato, donas Dilma e Kátia Abreu).

A próxima safra, ora em fase de plantio, é promissora em termos de área e uso de tecnologia. Os carros-chefes soja e milho se beneficiam do câmbio para vender bem e mantiveram os custos controlados, principalmente com a compra antecipada de insumos na levada da queda do dólar em relação ao início do ano.

Dessa forma, o vento que bate aqui nas palmeiras, não é o mesmo que bate lá em plátanos e bordos.

Se aqui está melhor hoje, amanhã não estará, a menos que o Brasil se defenda em forma nacionalista de aquisição de tecnologia, já sugeridas em várias colunas, embora pouco acreditadas.

Não volto ao assunto tão logo.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

10 Comentários

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  1. O empresariado brasileiro

    O empresariado brasileiro verdadeiramente rico e dominante não pode reclamar de absolutamente nada. Concessões, sonegação, malandragem de todo tipo, compras governamentais, isso e aquilo, ou seja, todas as benesses possíveis os governos dão aos “empresários” nacionais não vã esperança de obter retorno e desenvolvimento.  Daí, eles realizam os lucros e depois voltam a reclamar.

    Os verdadeiramente grandes não investem em nada a longo prazo.

    O interessante que o custo Brasil tem origem neles próprios. Quem governa o Brasil desde sempre? Quem são, na sua maioria, os patronos no Brasil ? Quem põe e tira Presidentes ? Quem financia todos os candidatos a tudo ?

    Numa rádio daqui da região um comentarista político falou algo certeiro:  – O empresário, na sua própria empresa, só contrata profissionais.  Quando se elege a algum cargo público enche a máquina pública de parentes.

    E depois a culpa é do povo que não é cristão e tem ascendência familiar nos marginais portugueses.

    1. o empresariado…

      Vitor, olhe para além do muro. Que empresariado brasileiro? Somos um país de mercado absolutamente dominado por empresas estrangeiras. Você leu a matéria? Bayer (alemã) compra Monsanto (americana) mas engolirá mercado brasileiro. Mosaic (americana) levará uma faria da Vale. O pouquissimo de indústria brasileira sendo engolida, muito devido a este senso comum nacional que empresario não presta, capital não presta, lucro não presta. Aqueles que acreditam que presta vão levando seu dinheiro de ótimos salários dos seus ótimos empregos agradecendo esta tremenda estupidez brasileira. Se eu não fui claro: Bayer (alemã), Monsanto (americana), Mosaic (americana), Massey Fergunson (americana), Basf, Rhodia, Ford, Caterpillar, Symgenta, Cargill, etc, etc, etc…..Este povo que crê que empresário é aquele que tem empresa. E empresa é aquele lugar que tem emprego. E emprego é aquela forma honesta de se ter renda. E renda é aquela forma honesta de se sustentar e à sua familia.  Deu pra entender?! 

  2. E quem há anos critica o

    E quem há anos critica o domínio da Monsanto é radical , atrasado, etc, etc.

    Mas por favor volte em breve e sempre ao assunto, não o da safra deste ano mas o mais grave , o do domínio da tecnologia dos transgênicos.

  3. A aquisição da Monsanto pela Bayer. . .

    A aquisição da Monsanto pela Bayer foi uma péssima notícia para a agricultura, não só do Brasil, mas de todos os países que tem a agricultura com forte participação no seus PIBs. Os agricultores ficam muito dependentes dos insumos agrícolas: sementes transgênicas e agrotóxicos que são produzidos por poucas empresas  que  tem muita força para venderem  seus produtos aos preços que desejarem, pois se reduz muito o número de empresas a competirem nesse setor. Esse fato é mais uma das contradições do capitalismo neo liberal, motivo de muita discussão entre esquerda e direita: “.No capitalismo cada vez mais o capital se concentra num número menor de mãos”.

  4. Enquanto isso…

    O povo se envenena mais e mais a cada dia com os pesticidas, herbicidas, fungicidas, mata-mato…  No mundo todo está havendo uma reação contra os grãos por causa disso e porque as sementes GM são tão manipuladas que o alimento deixou de ser alimento e passou a ser veneno….  Estamos com uma epidemia mundial de ‘doenças modernas e degenerativas’ por causa dos grãos, introduzidos em nossa dieta pelo capitalismo.  O microbioma dos seres vivos está mudando por causa dos venenos, das manipulações genéticas, da irradiação…  O futuro deverá ser muito difícil para os nossos filhos e netos.

  5. Rui,
    E preciso tomar um certo

    Rui,

    E preciso tomar um certo cuidado com generalizacoes. Eh preciso tambem compreender que > 95% dos seus leitores nao tem a menor ideia de como funciona a agricultura e romantizam o setor, acham que se vive ainda no tempo de Montero Lobato.

    Enquanto vivermos em um sistema de capitalismo de mercado sempre vai haver tubaroes. O que se ve no mercado agropecuario (sementes, pesticidas, herbicidas e fertilizantes e etc) nao eh diferente do que acontece no mercado de celulares: 5-6 empresas dominam o mercado. Duas delas tem juntas 50% do mercado (Apple e Sansung), o preco elas decidem e o consumidor aceita. Quantos que aqui criticam a Monsanto & Cia pagam o preco certamente exagerado do iPhone (lembrando que preco nao tem a ver com custo e sim demanda e oferta).

    Mas ai eles diriam, eh uma questao de seguranca alimentar. Eh mesmo, e a sua seguranca cibernetica? Neste mundo de Snowden, Wilileaks, Bahma Leaks, voce nao se preocupa com suas senhas frageis, hackers e etc.

    Eh ridiculo demonizar a tecnologia. A moderna eh muito mais do que transgenicos. Transgenicos sao parte importante da tecnologia, mas tem muito de tecnologia da informacao, sistemas de manejo, equipamentos e etc. Eh ridiculo tambem demonizar as grandes plantacoes. Eh verdade que a grande maioria das propriedades sao pequenas propriedades (>90% no Brasil), mas tambem eh verdade que grande parte da producao de alimentos – diretos e indiretos – vem de grandes propriedades. Nao tenho numero para o Brasil, mas nos EUA, 3% das propriedades produzem 80% do que se come.  A fronteira agricola no Brasil ainda esta em expansao, mas com a tecnologia disponivel no momento e a area necessaria para produzir a mesma quantidade de alimentos que se produzia no comeco da decada de 60 eh 70% menor. E isto eh exclente, significa que menos florestas precisam ser derrubadas e que areas menos produtivas podem voltar a serem florestas.

    O que acontece no Brasil eh que a partir do fim da decada de 80, a principal empresa de pesquisa de genetica de plantas – a Embrapa – “desistiu” de fazer pesquisa competitiva, de lancar novos cultivares. A Embrapa era dona de 95% do mercado de sementes de soja e milho. Hoje deve ter em torno 1% do mercado. As multinacionais, com estrategias agressivas de mercado, mas tambem com um esforco gigantesco de pesquisa – apenas a Monsanto gasta em pesquisa R$ 5,2 bilhoes por ano em pesquisa – dominaram o mercado. O produto eh caro, existem poucos cultivares? Eh totalmente verdade, mas pergunte ao agricultor se ele esta infeliz por pagar. Certamente que nao. 

    Se a Embrapa e as universidades investissem em genetica e viessem com bons produtos certamente haveria espaco no mercado para seus cultivares, em especial para pequenos agricultores. Mas tem que trabalhar.

     

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