A Caixa continuará sendo a Caixa com a abertura de seu capital?

 

Artigo do Brasil Debate

Por Jorge Mattoso*

Colocar ações da Caixa Econômica Federal no mercado poderia ajudar o processo de ajuste fiscal de curto prazo proposto pelo novo Ministério da Fazenda. Cerca de R$ 20 bilhões seriam destinados ao Tesouro Nacional – como inicialmente aventado. Mas poderia ser mais, dependendo dos resultados de novos estudos e da efetiva proporção do banco a ser destinada às ações.

Em contrapartida, a abertura de capital da Caixa levaria ao seu fim como banco público, até agora capaz de gerar políticas inovadoras, criar novos mercados, favorecer ações sociais e alavancar políticas anticíclicas quando do agravamento da crise econômica no mundo.

E tudo isso mantendo ao longo dos últimos doze anos bons níveis de lucratividade e assegurando significativos repasses de dividendos ao Tesouro Nacional.

Não seria irônico que isto ocorresse justo agora, quando vários países no pós-crise lamentaram não dispor de agentes capazes de alavancar políticas anticíclicas?

Caixa ontem e hoje

Para quem não se lembra, vale a pena recordar que, depois da incorporação do BNH em 1986 e durante os anos 1990, a Caixa foi mantida aos trancos e barrancos.

O resultado foi uma reestruturação financeira e patrimonial realizada em 2001 com o intuito de privatizá-la.

Formou-se uma “cultura de privatização” por meio de várias decisões tomadas, tais como: a venda da Datamec – empresa da Caixa que tratava da informática, a entrega dos serviços lotéricos a uma empresa privada (Gtech), a separação das atividades bancárias daquelas próprias às áreas de desenvolvimento urbano e de pagamento de benefícios sociais, a ampliação do número de empregados terceirizados, o desmantelamento da estrutura interna e da capacitação e treinamento dos empregados.

Neste período de hegemonia neoliberal, a Caixa deixou de ser utilizada como instituição financeira capaz de executar políticas públicas e perdeu espaço em um mercado bancário crescentemente competitivo, dado o descaso com a parte física – agências superlotadas, lotéricos desmotivados e escassos correspondentes bancários – e com a geração de produtos e serviços com tecnologia e qualidade.

Com isso, teve sua imagem comprometida junto à população, que passou a vê-la apenas como uma instituição destinada a depósitos de poupança e que sempre ocupava os primeiros lugares na lista de reclamações do Banco Central.

E mais, depois do ajuste patrimonial em 2001, a Caixa concentrou seus recursos em operações de Tesouraria direcionadas ao carregamento de títulos públicos, gerando daí quase todo o seu resultado líquido.

Assim, não apenas as políticas públicas foram abandonadas, mas o negócio de crédito comercial era visto como secundário – ou até mesmo desnecessário – nas operações da instituição.

A partir de 2003 este quadro foi amplamente revertido. A Caixa passou novamente a agir como banco público e participou de forma exemplar de um conjunto de políticas como a criação do crédito consignado, a ampliação do crédito para PF e PJ além do financiamento habitacional (mesmo antes do Minha Casa Minha Vida), a bancarização e ampliação do acesso aos bancos, os pagamentos mensais aos beneficiários do Bolsa Família, a realização de Feirões e as políticas de redução do spread bancário e de sustentação do crédito no País, quando do agravamento da crise internacional.

Mas buscou sempre assegurar, ao mesmo tempo, a sua rentabilidade e o desempenho econômico financeiro. Ampliou o crédito mantendo baixas taxas de inadimplência, e seu lucro líquido e os dividendos pagos ao Tesouro dispararam.

Apoiando as políticas públicas, mas de forma eficiente e como indutora do desenvolvimento do País, a Caixa cresceu nos últimos doze anos e se tornou a terceira maior instituição em ativos no Brasil – atrás apenas do Banco do Brasil e do Itaú.

Para termos uma ideia, em 2002 o ativo da Caixa era de R$ 128,4 bilhões e em setembro de 2014 seu ativo alcançou mais de R$ 1 trilhão. O lucro líquido obtido pela Caixa foi três vezes maior, se comparado a 2002.

Já os repasses ao Tesouro como dividendos eram inexistentes em 2002, mas foram de mais de R$ 4 bilhões em 2013, tendo alcançado o maior repasse da história em 2012 (cerca de R$ 7,7 bilhões).

A Caixa hoje e amanhã

Num primeiro momento, políticas destinadas a alterar lógicas de curto prazo do mercado bancário, efetivar políticas sociais visando a reduzir a desigualdade, ampliar o acesso a bens públicos e privados ou adotar medidas anticíclicas temporárias, podem exigir algum ajuste da lucratividade no curto prazo de um banco público como a Caixa.

Com o tempo, porém, a consolidação dessas políticas e a dinâmica da concorrência interbancária fortalecida – sobretudo quando outros bancos passavam a reconhecer e também participar dessas ações -, o ajuste era até mesmo transformado em maior lucro, como atestam os números apresentados pela Caixa ao longo dos doze últimos anos.

Para que o Brasil continue capaz de assegurar crescimento econômico com distribuição de renda e enfrentar crises internacionais e de crédito, precisamos continuar com um banco público forte e competitivo como a Caixa, capaz de enfrentar – ao mesmo tempo e  em pé de igualdade – a concorrência bancária e suas responsabilidades sociais.

No entanto, na hipótese de efetivação de um IPO, como recentemente foi aventado, tornar-se-ia inevitável o domínio da lógica dos acionistas privados, mesmo que minoritários, no futuro da Caixa – que não poderia mais agir como o importante banco público que foi na maior parte de sua longa história de quase 154 anos.

De fato, considerando que a lógica do curto prazo se tornaria dominante, dificilmente a Caixa poderia continuar como instrumento de implementação de políticas públicas (sejam sociais, de incentivo ao mercado ou anticíclicas).

Se confirmada a abertura de capital, a Caixa deixaria de ser um banco público para se transformar apenas em mais um banco, funcionando plenamente na lógica das outras instituições bancárias.

Assim, a Caixa viveria um novo tempo, crescentemente desnecessária enquanto banco de propriedade majoritária do Estado, dado que deixaria de atuar como agente de políticas públicas.

Como consequência, muito possivelmente deixaria de existir enquanto Caixa, pois seria incorporada pelo Banco do Brasil ou vendida a algum banco privado.

* Jorge Mattoso é professor do Instituto de Economia da Unicamp (aposentado), foi secretário municipal em São Paulo (2001-2002) e S.B.C. (2009) e presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2006)

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Redação

17 Comentários

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  1. ” … a Caixa concentrou seus

    ” … a Caixa concentrou seus recursos em operações de Tesouraria direcionadas ao carregamento de títulos públicos, gerando daí quase todo o seu resultado líquido.”

    A caixa faz a conversibilidade como o FED para o poder político dos EUA; com o custo do desenvolvimento retornando para o Brasil ser uma parte da república indivisível.

    É evidente que a única coisa que precisa ser estatal em um país e a conversibilidade do desenvolvimento em valor nacional.

    Os ministros da economia querem centralizar os interesses do país no mercado financeiro.

    Cadê a militância do PT???

  2. Há alguma coisa errada no

    Há alguma coisa errada no raciocinio, o BANCO DO BRASIL não tem capital aberto e também não atuou junto com a CAIXA como banco que alavancou os indices nos governos LULA/DILMA? Que eu saiba quando DILMA mandou abaixar os juros do CHEQUE ESPECIAL foi através do BB E CAIXA. Na hipotese de IPO eu acho que muita agua vai rolar inclusive com interesse de que empregados da CAIXA e trabalhadores via FGTS pudessem comprar ações preferenciamente e com vantagens de custo e assegurando a rentabilidade minima do FGTS. Os fundos de pensão estatais também poderiam ter vantagens, afinal mesmo na privataria tucana estes ultimos foram chamados a participar. Mas como empregado da CAIXA vejo que um IPO CAIXA mexe com muitos interesses e não avança rápido como se possa imaginar. Há pressões sindicais, de trabalhadores, política e talvez da sociedade como um todo, além da oposição que é contra tudo desse governo. 

  3. já perguntaram qual é a

    já perguntaram qual é a posição do governo?

    pelo que senti pode ser uma notícia falaciosa da grande mídia

    querendo implantar seus interresses no atua governo.

    aliás, como querem fazer os comentaristas economicos

    dessa grnde mídia, que querem colocar levy como

    um representante do psdb no governo…

  4. Mais uma das idéias

    Mais uma das idéias brilhantes da JK de saia,essa mulher tem que ficar quieta e querer parar de inventar,segurar seu governo e não demolir a base de apoio do setor público com medidas tucanas,essa mulher vai fazer algo que nem os tucanos fariam num primeiro mandato.

      Só votei nessa mulher pelo fato de não querer a volta de um governo tucano,mas cada vez mais vejo ela adotar medidas que os Tucanos adotariam e outras que nem eles adotariam num possível primeiro mandato,essa de abrir o capital da CEF é uma delas.

  5. OS BANCOS PÚBLICOS SÃO ESSENCIAIS PARA O EQUILÍBRIO

    Da mesma forma que o Estado forte, cujo cerne busca o equilíbrio social, também os bancos públicos são importantes e essenciais para buscar o equilíbrio social. Sem eles, os bancos privados tomarão conta de nossas vidas. Seremos, tenho a certeza, escravos do trabalho, subjugados pelo poder do capital, com juros extorsivos.

    O Estado terá, sem os bancos oficiais, muito menor poder para equilibrar socialmente nosso Pais.

    Temos que lutar contra essa ideia. Por sinal, votei em Dilma, acreditando que os bancos públicos continuariam a ser publicos.

    Vejam, hoje a Petrobrás, com problemas difíceis de serem resolvidos – porque o FHC lançou ações nas bolsas americanas. Agora, está ai a corrupção. E todos achando que é do governo. Ela, a corrupção, é coisa de capitalista. Não tem espaço onde o social é mais importante.

    Deus ajude o Brasil! 

  6. Absurdo

    Além de absurda, a abertura do capital da Caixa é uma traição aos que elegeram Dilma. Ela teria todos os votos que teve se prometesse isso antes da eleição? Pelo menos o meu, não.

  7. A menos que os acionistas sejam filantropos apaixonados pelo BR

    É óbvio que haverá a migração do resultado para o social-brasileiro para o societário-privado (internacional?).

    Puro non-sense.

  8. PRIVATIZAR A CAIXA É UM CRIME

    PRIVATIZAR A CAIXA É UM CRIME CONTRA A ECONOMIA DO BRASIL.

     

    “O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÂO & GOLPES – O que passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÃO & GOLPES é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”

  9. Se a DILMA/PT permitir essa

    Se a DILMA/PT permitir essa BARBARIDADE juro que rasgo meu título e não voto nunca mais.

     

    “O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÂO & GOLPES – O que pasa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÃO & GOLPES é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”

  10. Se Seu Mestre mandar, faz!

    É dose ir descobrindo a cada dia que o Brasil é cada vez mais escravo e vassalo dos capitalistas que mandam neste raio de mundo. 

    Alguém poderá ter soprado na orelha dos poderosos de cá “passem a Caixa à iniciativa privada ou…” 

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