A crise da República tem um nome: Jair Bolsonaro, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Bolsonaro confunde o público com o privado e faz qualquer coisa para beneficiar os membros de sua família. Ele está destruindo instituições essenciais à perpetuação do Estado.

A crise da República tem um nome: Jair Bolsonaro

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ao se referir ao século XVII, Hannah Arendt afirma que existiam três tipos diferentes de contrato social.

“Havia primeiro, o exemplo do convênio bíblico, celebrado entre um povo como um todo e seu Deus, pelo qual o povo consentia em obedecer a quaisquer leis que a divindade todo-poderosa escolhesse revelar para ele. Se esta versão puritana de consentimento prevalecesse teria, como bem observou John Cotton, ‘instituído a Teocracia… como melhor forma de governo’. Havia, em segundo lugar, a variante de Hobbes segundo a qual todo indivíduo celebra um acordo com a autoridade estritamente secular para garantir sua segurança, por suja proteção ele renuncia a todos os direitos e poderes. Chamo isto de versão vertical do contrato social. Sem dúvida é incoerente com a idéia norte-americana de governo porque reivindica para este um monopólio de poder em benefício de todos os que estão submetidos a ele, os quais não têm direitos nem poderes enquanto sua segurança estiver garantida; a república norte-americana, ao contrário repousa no poder do povo – o antigo potestas in populo de Roma – e o poder confiado às autoridades é um poder delegado que pode ser revogado. Havia, em terceiro lugar, o contrato social aborígene de Locke que guiava não o governo mas a sociedade – entendendo-se a palavra no sentido latino de societas, uma ‘aliança’ entre todos os indivíduos membros que depois de estarem mutuamente comprometidos fazem um contrato de governo. Eu chamo isto de versão horizontal do contrato social. Tal contrato limita o poder de cada indivíduo membro mas deixa intacto o poder da sociedade; a sociedade então estabelece um governo ‘sobre o firme terreno de um contrato original entre indivíduos independentes.’” (Crises da República, Hannah Arendt, Perspectiva, São Paulo, 2013, p. 77)

Cada um desses contratos implica um tipo diferente de legitimidade e podem acarretar crises diferentes.

A devoção ao mesmo deus legitima uma teocracia. Entretanto, isso se torna um problema num país em que existam diversas religiões. Em algum momento, a conversão forçada ou a eliminação dos infiéis será cogitada ou implementada pelo poder constituído. Isso certamente destruirá o equilíbrio instável entre cidadãos que já eram considerados intrinsecamente diferentes pelo regime teocrático. Num regime político baseado na devoção o pertencimento e o não pertencimento à mesma religião se tornam categorias fixas. A purificação da sociedade se torna inevitável sempre que o poder político seja questionado inclusive por razões distributivas.

Quem pode dizer qual é a vontade de deus? Os conflitos políticos dentro da religião dominante numa teocracia sempre estão sujeitos a se tornar disputas teológicas com acusações mútuas de heresia que podem rasgar o tecido social.

O contrato social vertical (Hobbes) somente pode ser firmado mediante o reconhecimento da hegemonia do governante. A superioridade dele em relação aos demais será quase sempre baseada na força. Isso coloca em evidência a questão do abuso de poder e da sua percepção pelos governados. A legitimidade do governante cujo comportamento foi justa ou injustamente interpretado como abusivo dissolve automaticamente o contrato social. Entretanto, qualquer violência empregada para conter, limitar ou destruir o poder do governante será inevitavelmente interpretada como sedição e combatida por aqueles que desejarem mantê-lo no poder.

A horizontalidade contrato social de Locke pressupõe uma legitimidade incapaz de se fixar numa religião, num religioso ou num governante específico. Assim como é voluntariamente atribuído a prerrogativa de governar pode ser pacificamente revogada. O equilíbrio instável pacifica a sociedade justamente porque cada cidadão conserva sua parcela de poder político. Ciente de que não é detentor de um poder absoluto, o governante é gentilmente coagido a respeitar os direitos de todos para não ser substituído. Se cometer abusos considerados inaceitáveis pela maioria o governante será obrigado a ceder o cargo a qualquer outro que for eleito pela sociedade

Hannah Arendt também afirma que:

“Toda organização de homens, seja social ou política, se baseia fundamentalmente na capacidade do homem de fazer promessas e mantê-las. O único dever estritamente moral do cidadão é esta dupla disposição de dar e mantar asseveração digna de confiança como sua conduta para o futuro, que compõe a condição pré-política para todas as outras virtudes especificamente políticas.” (Crises da República, Hannah Arendt, Perspectiva, São Paulo, 2013, p. 82)

A confiança numa teocracia advém da demonstração pública de fidelidade cega àquele que corporifica a palavra divina. Numa sociedade autoritária ela decorre da submissão pacífica àquele que controla os meios de violência. Numa democracia a confiança deve ser conquistada pelo convencimento, se for perdida ela não pode ser reconquistada à força.

Jair Bolsonaro oscila entre esses três tipos de contrato social. Quando acena para os evangélicos ele sugere que comanda uma Teocracia (não foi por acaso que ele disse que indicará um Ministro do STF ferozmente evangélico). Quando ameaça a oposição Bolsonaro demonstra que está disposto a usar os instrumentos de violência estatal para conservar o poder. Algumas vezes ele faz concessões orçamentárias para conquistar ou reconquistar a confiança dos parlamentares a fim de impor sua agenda política e econômica.

É evidente, portanto, que o presidente brasileiro já se colocou fora do sistema constitucional em vigor. A CF/88 não adotou três formas do contrato social e sim apenas uma: a de Locke. O poder de Bolsonaro não emana de deus ou de uma religião e sim do voto popular. A violência só pode ser usada de maneira legítima dentro da Lei. A CF/88 garante à oposição o direito de defender uma agenda política e econômica diferente daquela que o presidente quer impor à população. Assim como Dilma Rousseff teve seu mandato revogado, o mandato de Jair Bolsonaro não é vitalício e poderá ser abreviado.

A necessidade do Impeachment de Jair Bolsonaro já ficou evidente. O governo dele é uma ameaça às vidas dos cidadãos brasileiros fragilizados econômica, política, sexual e racialmente. Bolsonaro confunde o público com o privado e faz qualquer coisa para beneficiar os membros de sua família. Ele está destruindo instituições essenciais à perpetuação do Estado, como o Itamaraty, as Universidades Públicas e as empesas estatais. Além disso, o presidente evangélico coloca em risco as exportações brasileiras ao tolerar agressões sistemáticas à natureza e se aliar com regimes tirânicos (como Israel e Arábia Saudita).

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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