A degeneração da Bolsa de Valores em pura especulação, por J. Carlos de Assis

Por J. Carlos de Assis

As bolsas de valores foram invenções magníficas na origem do capitalismo. Juntavam aplicadores em ativos financeiros, de um lado, e investidores físicos, de outro. O sujeito tinha dinheiro sobrando mas não queria fazer, ele próprio, investimentos produtivos. Ia para a bolsa. O outro queria fazer investimentos produtivos, correndo os riscos inerentes da atividade, e tomava os recursos disponibilizados pelo primeiro. Se o investimento produtivo desse  certo, ambos ganhavam. Se desse errado, o aplicador em papel perdia, embora  nem tudo, pois a empresa podia reeguer-se.

Entretanto, no caso de grandes corridas bancárias, sendo os bancos intermediários da compra e venda de ações, a perda em papel pode ser aguda e, eventualmente, total. É o que aconteceu nas grandes crises do capital, desde a tulipomania na Holanda, no  fim de século XVII, até a recente quebra das bolsas, puxadas pela de Nova Iorque, em 2008. Entre as duas entrou um elemento novo: a extrema especulação financeira. Como diz o Papa Francisco, a adoração de Mamon, o deus dinheiro, que gera dinheiro em bolsas a partir de pura especulação, sem produto físico envolvido.

Estamos nas bordas de um processo especulativo sem paralelo na História. Os ativos financeiros somam 700 trilhões de dólares, ,enquanto os ativos físicos, medidos pelo PIB mundial, se limitam a 70 trilhões. Essa imensa bolha começou a estourar a partir do mais especulativo dos ativos especulativos, as chamadas moedas virtuais copiadas da bitcoin, e dela própria. A bitcoin é uma não moeda que gera dinheiro. Debaixo dela não tem nada, exceto a voracidade especulativa de alguns vigaristas que acharam que iriam ganhar imensas somas de dinheiro sem responsabilidade e sem pagar imposto.

Como disse em artigo anterior, a febre da bitcoin se baseia no princípio das correntes e das pirâmides, vigarice bastante conhecida no mundo desde, pelo menos, o início do século XX nos Estados Unidos, com um sujeito chamado Ponzi. Os esquemas Ponzi foram combatidos pelas autoridades, mas a avidez de ganhar dinheiro a partir de dinheiro (D gerando D´, segundo Marx) contaminou muita gente. Seu princípio é pagar o penúltimo aplicador com o dinheiro recolhido do último. Enquanto houver um otário para fazer novas aplicações, o esquema funciona a serviço do inventor da trapaça, que gasta o dinheiro para imensas despesas pessoais e não para investimentos.

O maior estouro de esquemas Ponzi de todos os tempos aconteceu sob a batuta do norte-americano Bernie Madoff. Sua pirâmide rendeu bilhões de dólares. No bojo da crise financeira mundial iniciada em 2008 ele foi preso e condenado à prisão nos Estados Unidos. Entretanto, Madoff era um primitivo em termos de tecnologia de informação.  Foi depois que que surgiram, paralelamente ao bitcoin, avalanches de esquemas Ponzi no mundo, prometendo ganho fácil a partir de aplicações baixinhas, digamos, 1 real. A rentabilidade pode ser 1300%, 1500% ou 5000% ao ano, à escolha do freguês.

O sistema, não fosse uma picaretagem Ponzi, parece magnífico.  Você pode aplicar qualquer coisa, digamos, um real. Os supercomputadores cuidam do resto. A valorização da aplicação em tempo real, sinalizada pela entrada no esquema de outros idiotas, ou ingênuos, dá a impressão de uma fortíssima alta em tempo recorde. Nesse caso, quem aplicou um real se anima a aplicar 10, 20, 100, mil reais. É um ganho potencialmente sem fim. Pessoas atraídas por ganhos fáceis acabam aderindo ao esquema, no rastro de propaganda boca a boca, que é a melhor forma de publicidade.

Contudo, animados pelo próprio sucesso, alguns dos milhares de iniciadores de esquemas bitcoins não se limitam à propaganda boca a boca. Desafiando governos e a polícia, anunciam moedas virtuais sem qualquer escrúpulo. Uma delas, chamada Ethereum, chega a atrair crianças para o jogo: são ensinadas a aplicar um dólar, aprendendo didaticamente como fazê-lo.  Claro, se o mundo tem cerca de 7 bilhões de habitantes, e pelo menos um desses 7 bilhões, em média, tem um dólar para aplicar, o operador do esquema pode embolsar, em tese,  7 bilhões de dólares – sem falar nos que aplicaram mais.

É a aparente parafernália tecnológica que envolve a bitcoin que a torna supostamente invulnerável. Ela é apoiada também em ideologia, na medida em que os bilionários do Forum Econômico de Davos não gostam de pagar impostos, e a bitcoin é uma forma de ganhar dinheiro sem pagar imposto. Não há nenhuma dificuldade em liquidar com criptomoedas. Basta o governo querer. No Brasil, não será  fácil, porque, sem um governo moralmente acima de suspeita, é bem possível que instituições  como a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República, em lugar de combatê-las, acabem aderindo a elas.

Pelo que se viu ontem nos mercados de criptomoedas, a corrente de todos os mercados começou a ruir – lembrando Lenin, pelo elo mais fraco. Vejo isso com entusiasmo. Se estivéssemos diante de quebra de empresas produtivas como as grandes construtoras nacionais que foram quase liquidadas pela Lava Jato, eu teria escrúpulos em contribuir para a desmontagem desse esquema. Como estou diante de pura especulação, ou de homens e mulheres que se tornaram adoradores de Mamon, agradeço aos céus a oportunidade de ajudar a estourar esse pseudo-mercado apoiado em pura especulação.

Em 1983 e 1984, escrevi três livros denunciando escândalos financeiros da ditadura, esta já em seu final. Na maior parte eram fatos históricos, mas houve pelo menos um relativa a empresa em atividade, a Delfin. Eram inequívocas minhas provas de conluio entre a empresa e o governo. Mesmo assim, lamentei pelos 3 mil empregos ameaçados e aderi à campanha pela absorção dos desempregados pela CEF. Agora, como se trata sobretudo de especuladores, terão de se virar já que o Governo não terá como bancar todos, aqui e lá fora.  Em verdade vos digo: este é o fim da financeirização extrema da economia capitalista.

 

Redação

2 Comentários

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  1. concordo

    As moedas virtuais tem toda a pinta de esquemas Ponzi. Acrescento que também servem como sistema bancário paralelo, já que emulam contas e depósitos, e são necessárias após o maior escrutínio nos paraísos fiscais.

    Tenho apenas um reparo no artigo: não acho correto comparar o volume de derivativos em estoque, US$ 700 trilhões, com o soma do PIB. Esta última representa a variação do “patrimonio” global, conceito que os economistas ainda não de dispuseram a mensurar. Seria o mesmo que compara o lucro de um banco com o total de ativos que ele controla. As comparações mais prudentes comparam ativos com patrimônio. 

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