Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Acampamento Marisa Letícia (um quase relatório). Lula e o delegado Macabéa, por Armando Coelho Neto

Foto Estadão modificada

Acampamento Marisa Letícia (um quase relatório). Lula e o delegado Macabéa

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Era quase noite quando chegamos ao Acampamento Marisa Letícia. Um carro da polícia estava parado ao lado. De pronto, uma estranha cena, que parecia filme de guerra. Era como se o inimigo estivesse prestes a atacar, sendo necessário se proteger. Homens simples a empilhar sacos de areia, ganharam ares de trincheira. Estranhei, mas me dei conta de que dias atrás, um fascista passou atirando contra pessoas no acampamento. Meu sobrosso aumentou e entrei no que dei de chamar “Espectro de Curitiba”.

Vigilantes quanto à movimentação, os policiais não deram importância para o local onde paramos o carro. Entramos no acampamento, uma “coordenadora” nos recebeu. Pedimos ajuda para tirar os  mantimentos que trouxemos, que apesar de parcos eram porém pesados. Sem burocracia, deixamos os alimentos, atentos aos sorrisos dos homens que transformaram em cozinha coletiva uma grande barraca. Um cheiro bom de comida no ar. Feita a entrega, sem me identificar, aproveitei para percorrer o ambiente: barracas e mais barras, crianças com mamadeira e outras a brincar como se estivessem num parque. Olhares de esperança e garra sobre mim – estranho no ninho, teve efeito energizante.

Tudo muito rápido. Seguimos para as imediações do prédio da Polícia Federal, ironicamente construída pelo ex-presidente Lula, sem saber que lá seria sua morada provisória, por conta de um processo político fajuto. O prédio, que enche de orgulho os policiais federais, hoje abriga o homem que mais fortaleceu a instituição em toda história da instituição, com meios, leis e salários.

Já próximos, começa a busca por um lugar para estacionar. Não saia de minha cabeça o tal Espectro de Curitiba, que no primeiro dia foi aguçado, quando na mesa ao lado da qual almoçamos, três almofadinhas falavam de política, Visivelmente havia dois bolsopatas e mais um que didaticamente disse que a prisão de Lula precisava durar até a eleição de Marina Silva.

Durante a tentativa de estacionar encontramos uma vaga de frente a casa cheia de grades e um pequeno jardim. Tentando administrar o espectro, suspeitei em vão da vaga. Quem sabe um tiranoide não quer que pare aqui? Encarei, perguntei e gentilmente o senhor da frente da casa e ele concordou.  Carro estacionado, nos deslocamos a pé à praça Olga Benário, endereço que o aplicativo Wase não reconhece. Afinal, o novo nome foi criação da militância pró Lula. Cheguei energizado pela alegre militância, enquanto sumia fantasma do mal. Gritos, palavras de ordem, vendedores de camisetas, botons, bandanas, gente fazendo faixas, cantos dissonantes, típicos da espontaneidade inorganizada. Conversei com um dos seguranças. Falou bem dos vizinhos, “é gente até simpática”. Falou também do acordo firmado entre a vigília sobre o pacto de silêncio a partir das 19 horas, que naquele dia, finalmente chegou.

– Atenção pessoal! Está chegando a hora de fazer a saudação ao Presidente Lula, anunciou o locutor. Já havia uma viatura estacionada com faróis dirigidos ao movimento. Ao ser anunciada a saudação iminente, mais duas viaturas saíram do prédio da PF e se posicionaram, como que a formar uma barreira de proteção contra os manifestantes. Nesse momento, a dúvida que eu tinha se o que se gritava ali era possível escutar de dentro do prédio da Polícia Federal se desfez. As viaturas postadas no início da saudação foi sintomático. E lá estavam, como que para evitar eventual avanço da resistência em direção ao prédio, mas não passou disso, de mera precaução. E veio o tradicional “Boa Noite Presidente Lula”, sob gritos e cânticos. Sons desligados, militância dispersada…

Saimos para jantar e não retornamos ao acampamento. No dia 1º de maio, fomos avaliar a movimentação nas primeiras horas do dia. Aqui ali um militante, sempre saudando um ao outro com a expressão Lula Livre. Paramos numa farmácia, e para nossa surpresa duas atendentes vieram conversar com as amigas petistas que me acompanhavam. Com discrição, falaram da simpatia pela causa petista, mas que “não poderia dar muita bandeira”. Falaram também do respeito e admiração pelo Presidente Lula. Deixamos a farmácia revigorados e voltamos ao hotel. Mas, antes de entrar no elevador, um dos funcionários da recepção veio apressado falar comigo. “E aí? Como está o 1º de maio do Lula?”…

Deixamos o hotel e fomos almoçar, ainda que com receio pelo uso de roupas vermelhas. Saindo do restaurante, fomos em direção à Praça Santos Andrade (Praça da Democracia), no centro histórico de Curitiba. Foi lá que a festa cívica tomou corpo. Mas, antes era necessário procurar estacionamento e já àquela altura, a marcha do acampamento já formava uma grande massa em direção ao local, atrapalhando o trânsito. Na busca de vaga, avistamos um vendedor de alfajones. Soltamos nosso grito de guerra: “Lula Livre!”. Com um olhar de alegria, o vendedor respondeu: “Soltaram? Não tenho visto jornal nem TV”. Ele não tinha entendido que era apenas uma saudação…

E foi assim que, aos poucos, o Espectro de Curitiba foi se diluindo. A imagem torpe da cidade, formada por procuradores ranzinzas, juizecos e juizecas arrogantes e preconceituosos estavam impregnadas. Era como se o fantasma Sejumoro estivesse nas ruas e pudesse surgir das trevas. Era como se a postura esquizofrênica de meus colegas da PF estivesse impregnada nas paredes, latões de lixo e bueiros. Seria o Espectro de Curitiba uma caricatura? O monstro imaginado não aparecia, quando me dispus rever minha ideia. A amostra mínima não convencia. Cogitei que a elite rançosa de Curitiba tivesse deixado a cidade no feriado prolongado e que só os mais pobres ficaram…

Continuo confuso sobre isso. A escritora Clarice Lispector em algum lugar já teria dito que os relatos de curtos viajantes nunca lhe deram a ideia exata de onde eles estiveram. Eu não passava de um curto viajante… Mas, seguiu-se durante a noite, gente nas paradas de ônibus trajando vermelho, transitando em bares, tudo a esmorecer o tal espectro.

Na volta para o aeroporto, um taxista simpático ignorou minha camisa Lula Livre. Não criei diagnóstico, retornei à São Paulo tranquilo, mas vigilante quanto aos lobos solitários que não titubeiam quando querem agredir. Os fascista estão aí para apavorar: primeiro, os tiros na Caravana do Lula, depois os disparos no acampamento, entre outros atos hostis. Na mais recente versão surgiu um delegado federal Macabéa. Duas vezes reprovado no psicotécnico, algum parafuso a menos devem ter encontrado. Ele destruiu ensandecido os aparelhos de som dos simpatizantes de Lula. Ao ver a foto do moço, lembrei de sua inconveniente intervenção num Congresso de delegados da PF, na cidade de Vila Velha. Ao lado do senador Magno Malta (PR/ES), como se estivesse se sentindo a pessoa mais importante do mundo, interrompeu uma palestra do ministro Ricardo Lewandowski (STF), constrangendo palestrante, plateia e organizadores. Depois, fiquei sabendo que ele levou a esposa grávida para os Estados Unidos, por que queria seu filho nascesse estadunidense… Síndrome de vira-lata?

Em princípio fiquei enfurecido e com raiva daquele policial. De repente não senti mais raiva, mas somente pena. Ele é um coitado. É uma espécie de Macabéa – personagem criada por Clarice Lispector, na obra “A hora da estrela”. Ela dizia que, de tão precária, Macabéa não sabia que era Macabéa, assim como um cachorro não sabe que é um cachorro. Deduzo que um coitado não sabe que é um coitado, coxinha não sabe que é um coxinha, um fascistoide idem, juizecos e juizecas não sabem que são juizecos e juizecas. O ódio irascível e inconfessável são para eles forças motrizes. Ódio, preconceito violência. Para eles, é difícil assimilar que a luta de Lula é também por eles e pelo coitado que foi nascer nos Estados Unidos. Os prédios onde trabalham e os seus salários são prova disso. Por essa razão, quando durante o show de Bete Carvalho ela cantou “você pagou com traição, quem sempre te deu a mão”, na minha mente vinha o escudo da federal e o delegado Macabéa.

E lá se foi meu quase relatório…

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo

 

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

13 Comentários

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  1. Na minha opinião, o refrão

    Na minha opinião, o refrão “você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão” se encaixa como uma luva para a PF.

    No futuro será lembrada como um covil de traidores e ingratos.

  2. Não há apenas Macabéas, mas outras tantas Macabéas.

    Infelizmente, o sentimento que mais nos aproxima de Clarice (Linspector) não é seu olhar incorrigivelmente esperançoso, apesar de maquiado com toneladas de angústia pela cruel observação da miséria humana.

    Não há uma Macabéa somente, mas várias.

    Sim, uns coitados, outros nem tanto!

    Mas todos unidos por um sentimento comum: A maldade. O ódio!

    E aí, caro Delegado, ensina a vida que todos devem ser abatidos com o mesmo remédio, porque o resultado do que fazem, sejam mais ou menos conscientes disso, são sempre Eras de Trevas.

    Como cachorros que não sabem que são cachorros, mas que devem ser colocados na casinha, na coleira e/ou na focinheira, sempre que nos ameacem.

    Se não houver reação, sacos de areia não bastarão.

  3. Se eu tivesse grana, minha Caxorra daria à luz nos EUA

    Se eu tivesse dinheiro, eu levaria a Cafona, minha Cadela de estimação, para dar seus cachorrinhos à luz nos EUA. Eles já nasceriam latindo em inglês.

     

    Boom Boom

    (John Lee Hooker)

    Boom boom boom boom
    I’m gonna shoot you right down
    Right off of your feet
    Take you home with me
    Put you in my house
    Boom boom boom boom
    Hmmm
    Hmmm hmmm hmmm hmmm

    I love to see you wall
    Up and down the floor
    When you talking to me
    That baby talk
    I like it like that
    You talk like that?
    You nothing me do
    Right off of my feet
    How how how how
    Uoahhh…

  4. O Acampamento

    Eu tive lá no acampamento logo nos primeiros dias. Fiquei impressionado com a solidariedade de todos e a visão do Brasil real. Por outro lado, não parei de olhar o prédio cinza e sinsitro da PF há apenas 200m de onde estávamos. Não consegui entender como um homem do bem, preocupado com o povo brasileiro sem nenhuma distinção, estava ali encarcerado numa solitária como um monstro da pior espécie. Os policiais na rua todos felizes armados até os dentes dando risadas. Isso é o que mais me chocou e me choca até hoje. Não dá para acreditar.

  5. Senti a mesma emoção e

    Senti a mesma emoção e cumplicidade quando visitei o acampamento e a cidade, claro.

    Entre os trabalhadores da farmácia, pizzaria e da pousada e até com o dono de restaurante perto do bairro Santa Cândida há a certeza da injustiça contra Lula. E quanto mais tempo ele fica preso, mais esse sentimento se agiganta. 

    Por Lula na cadeia foi um tiro no pé dado pela elite traidora e seus empregados no Judiciário, MPF, PF e das Forças Armadas.

     

  6. Daquilo que eu sei

    Mas esse relatorio ja trouxe um sorriso aos labios de quem o leu e espera que Justiça se faça para Lula. Deu vontade também de estar la e viver esse tempo tão feio com as pessoas que têm algo de bom e bonito para oferercer e assim oferecer em troca. Quase como estar andando na rua e alguém nos olhar com um sorriso no rosto amigavel e a gente devolver com outro sorriso. 

    Quanto a Curitiba, como qualquer lugar, ha um pouco de tudo. Certamente ha muita gente procurando entender o que esta acontecendo de fato no Brasil. Ontem, um brasileiro recém-chegado de Angola, onda trabalha como empreenteiro, dizia que talvez votasse em Joaquim Barbosa. Pouco a pouco, ouvindo nossa conversa, eu comecei a explicar o que aprendemos sobre Barbosa, eu vi que ele pareceu confuso e surpreso. Ha muita gente que não sabe que é coxinha, fascista, reacionario porque todos a sua volta também estão nessa onda.

  7. Ódio é Impotência.

    O que os coxinhas e os contrabandistas de bebês (como o tal policial) não sabem é que o ódio é gerado pela impotência. Você foi de fato prejudicado, ou apenas acredita que foi de fato prejudicado, por alguém, e não se sente capaz de evitar a ação do “outro”, ou pelo menos de revidar, de “dar o troco”. Assim, impotente, só lhe resta odiar.

    Quando algo me prejudica, ou penso que me prejudica, eu procuro analisar o caso, cuidando para não ser enganado pelos meus próprios preconceitos. Isto implica em analisar os atos do “outro” e, por fim, analisar também esse “outro” em si. E é impossível fazer isto sem considerar que o outro, embora detestável do nosso ponto de vista,  é um ser humano como eu.  

    A partir daí, tudo é possível: desde eu encontrar um antídoto contra esse “outro”, até descobrir que esse “outro” não é “tão outro assim”, havendo entre ele e eu, muito mais pontos de entendimento do que de discórdia.

    Dialogar é melhor do que odiar. Odiar causa câncer. Dialogar torna o mundo melhor.

  8. Ódio é Impotência.

    O que os coxinhas e os contrabandistas de bebês (como o tal policial) não sabem é que o ódio é gerado pela impotência. Você foi de fato prejudicado, ou apenas acredita que foi de fato prejudicado, por alguém, e não se sente capaz de evitar a ação do “outro”, ou pelo menos de revidar, de “dar o troco”. Assim, impotente, só lhe resta odiar.

    Quando algo me prejudica, ou penso que me prejudica, eu procuro analisar o caso, cuidando para não ser enganado pelos meus próprios preconceitos. Isto implica em analisar os atos do “outro” e, por fim, analisar também esse “outro” em si. E é impossível fazer isto sem considerar que o outro, embora detestável do nosso ponto de vista,  é um ser humano como eu.  

    A partir daí, tudo é possível: desde eu encontrar um antídoto contra esse “outro”, até descobrir que esse “outro” não é “tão outro assim”, havendo entre ele e eu, muito mais pontos de entendimento do que de discórdia.

    Dialogar é melhor do que odiar. Odiar causa câncer. Dialogar torna o mundo melhor.

  9. matéria

    Condenação de Lula na 2ª instância: veja as provas que basearam a decisão do TRF-4

    Em decisão unânime, desembargadores mantiveram a condenação e aumentaram para 12 anos e 1 mês a pena do ex-presidente no caso do triplex em Guarujá.

     

     

    Por G1, São Paulo

    24/01/2018 20h05  Atualizado 24/01/2018 21p7

     

    8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve nesta quarta-feira (24) a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex em Guarujá (SP) e aumentou a pena para 12 anos e 1 mês de prisão.

    Em julho de 2017, Lula havia sido condenado pelo juiz da Lava Jato na primeira instância, Sérgio Moro, a 9 anos de 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro e recorreu da sentença.

    Para os três desembargadores do TRF-4, há provas de que Lula recebeu propina da construtora OAS por meio da entrega do triplex e reformas no imóvel.

    A defesa do ex-presidente afirma que o julgamento foi “político” e que houve cerceamento de defesa. “Não foi feita prova pericial, e isso acarreta na nulidade do processo”, disse o advogado Cristiano Zanin.

    Veja, abaixo, as provas e os argumentos citados nos votos de cada um dos três desembargadores que julgaram o recurso de Lula:

     

     João Pedro Gebran Neto (relator)

     

    Resumo das provas e argumentos citados no voto do desembargador:

    Depoimento de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS e réu no processo;Depoimento de Agenor Franklin Magalhães Medeiros, diretor da área de Óleo e Gás da Construtora OAS e réu no processo;Mensagens de celular de Leo Pinheiro se referindo ao projeto do “chefe” e da “madame”, que seriam Lula e sua esposa Marisa Letícia;Testemunhos de funcionários da OAS, de empresas contratadas para a reforma do triplex e de funcionário do edifício Solaris sobre as obras e visitas de Lula e Marisa ao imóvel;Documentos rasurados sobre imóvel no condomínio em Guarujá encontrados na casa de Lula e na Bancoop;Para Gebran, há provas “acima de dúvida razoável” de que o apartamento triplex “estava destinado a Lula como vantagem”;O desembargador citou ainda depoimentos de delatores da Lava Jato – como Alberto Yousseff, Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa – que confirmavam informações de Leo Pinheiro sobre o esquema de corrupção na Petrobras;Gebran afirmou que Lula tinha conhecimento do que ocorria, era “garantidor de um esquema maior”, “agia nos bastidores” e que influenciava nomeações da Petrobras;Gebran citou votos do julgamento do mensalão ao recusar alegação da defesa de que não houve ato de ofício de Lula;Gebran recusou apelação da defesa de que a 13ª Vara da Justiça Federal, do juiz Sérgio Moro, não teria competência para analisar o caso.

    Detalhes das provas e argumentos citados no voto de Gebran Neto:

    1. Depoimento de Leo Pinheiro

    O relator disse que o depoimento de Leo Pinheiro concorda com depoimentos escritos que formam uma linha do tempo ligando o ex-presidente Lula ao triplex.

    Pinheiro afirmou que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto o procurou para propor que a OAS assumisse o empreendimento da Bancoop em Guarujá e disse que haveria uma unidade da “família do presidente Lula” no condomínio. Após a aprovação pelo setor técnico da OAS, Pinheiro concordou em assumir as obras. Ele afirmou que o imóvel era para o pagamento de vantagens indevidas.

    Disse ainda que os projetos de reforma do sítio e do apartamento no Guarujá foram discutidos em conjunto com o ex-presidente, que encontrou com Lula para tratar do triplex em 2014 e que no mesmo ano Lula e Marisa visitaram o imóvel.

    Segundo Leo Pinheiro, foi debitado da conta corrente de propinas para o PT as despesas que a OAS teria tido com a transferência dos empreendimentos imobiliários da Bancoop para a empreiteira. O ex-presidente da OAS confirmou esquema de corrupção na Petrobras.

    2. Depoimento de Agenor Franklin

    O diretor da Área de Óleo e Gás da OAS confirmou, segundo depoimento citado pelo desembargador, o pagamento de propinas na Petrobras para fraudar as concorrências, e que ouviu que o triplex em Guarujá seria debitado da conta de propina do PT. Disse também que Leo Pinheiro agiu junto ao governo federal para que a OAS passasse a participar das grandes obras da estatal, o que começou a ocorrer em 2006.

    3. Provas de triplex para Lula

    O relator afirmou que as provas apresentadas estão “acima de dúvida razoável” de que o apartamento triplex “estava destinado a Lula como vantagem”.

    “As provas diretas indiciárias são insofismáveis quanto ao recebimento de valores e bens por parte do ex-presidente e do pagamento por parte da OAS por determinação de Leo Pinheiro. (…) Assim verifica-se das provas dos autos que o apelante Luiz Inácio Lula da Silva tinha ciência que, apesar da aquisição inicial da unidade, tinha reservado para si a unidade triplex sem que tivesse vertido recurso para tal aquisição.”

    Citando testemunhas, Gebran disse que há provas de que as reformas foram feitas para o ex-presidente e que ele tinha conhecimento e as aprovou.

    4. Depoimentos de testemunhas

    O desembargador citou os seguintes depoimentos, que constam na sentença de Moro:

    Igor Ramos Pontes, gerente da OAS, disse que acompanhou a visita de Lula e Marisa ao triplex no início de 2014. Segundo o desembargador, ele disse que achou se tratar de um potencial comprador. Segundo ele, no mês seguinte foi iniciada uma reforma do imóvel para a qual foi contratada a Tallento Construtora.

    Armando Dagre Magri, sócio da Tallento, uma das empresas contratadas na reforma, disse que acompanhou visita de Marisa e Fábio, filho do casal, ao triplex.

    Mariuza Aparecida da Silva Marques, engenheira da OAS, disse que acompanhou visita de Marisa e Fábio ao apartamento em agosto de 2014 e que tinha conhecimento, de ouvir dizer, que a reforma era feita em favor de Lula.

    Zelador do edifício Solaris que afirma que o triplex nunca foi colocado à venda nem visitado por terceiros, e que havia conhecimento de que o apartamento era de Lula. Ele afirmou ainda que foi pressionado por Igor Pontes, engenheiro da OAS, para não mecionar que a unidade era de Lula.

    Paulo Gordilho, arquiteto da OAS, declarou que tinha conhecimento de que o triplex estava reservado para o ex-presidente desde 2011. Disse também que esteve com Leo Pinheiro na casa de Lula em São Bernardo para o ex-presidente aprovar projeto do triplex.

    5. Mensagens de celular

    Gebran citou troca de mensagens que fazem referência a Lula e Marisa Letícia, segundo ele, como “chefe” e “madame”, respectivamente. Uma delas que consta na sentença de Moro é de 12 e 13/02/2014 entre Leo Pinheiro e Paulo Gordilho:

    Paulo Gordilho: “O projeto da cozinha do chefe tá pronto, se marcar com a Madame pode ser a hora que quiser.”

    Leo Pinheiro: “O Fábio ligou desmarcando.”

    “Fábio” seria Fábio Luis Lula da Silva, filho do casal.

    6. Mensalão

    Ao recusar uma das preliminares da defesa, Gebran afirmou que o tipo penal de corrupção dispensa o ato de ofício (contrapartida, favor em troca, pelo agente público), bastando seu poder de fato, de indicar [diretores para a Petrobras].

    Ele citou o caso do mensalão e disse que o STF não exige o ato de ofício para configuração do crime de corrupção, bastando a solicitação para se consumar. O desembargador leu trechos de votos dos ministros Luiz Fux, Rosa Weber e Joaquim Barbosa no julgamento da ação penal 470.

    Gebran afirmou ainda que Lula era “garantidor de um esquema maior”, “agia nos bastidores” e que a capacidade de Lula era “cristalina” na nomeação de agentes na Petrobras.

    7. Preliminares e mérito

    Gebran abriu seu voto rejeitando todas as preliminares (questões prévias ao julgamento em si). A defesa havia apontado 13 nulidades, entre elas: competência e parcialidade do juiz Sergio Moro, condução coercitiva de Lula, quebra de sigilo do escritório Teixeira Advogados, cerceamento de defesa, gravação da audiência e nulidades na sentença.

    No caso da competência, que a defesa afirmou ter sido usurpada do STF pela 13ª Vara Federal de Curitiba, Gebran afirmou que a tese não se sustenta “seja porque essa matéria já foi apreciada por essa turma em diversas passagens, mas também talvez principalmente porque o próprio Supremo Tribunal, em mais de uma passagem, […] promoveu os desmembramentos e ele próprio encaminhou ao juízo da 13ª Vara Federal em Curitiba”.

    Ao tratar do mérito, o relator disse entender que provas indiretas e indícios são válidas se houver convergência entre os elementos de prova e que Leo Pinheiro e Agenor Franklin não fecharam acordo de delação, prestando depoimento espontâneo.

    Leandro Paulsen (revisor)

    Resumo das provas e argumentos citados no voto do desembargador

    Paulsen acompanhou o voto do relator e destacou:

    Testemunhos de executivos e funcionários da OAS e de empresas envolvidas na reforma do triplex declarando que tinham conhecimento de que o imóvel estava reservado para Lula;Depoimentos e troca de mensagens que indicam que Lula, Marisa e Fábio já tinham visitado o triplex;Testemunho de diretores da OAS, que afirmam que a realização de benfeitorias e a instalação de “móveis sob medida” no imóvel correspondem a uma reforma personalizada;Paulsen afirmou, ainda, que Lula “concorreu por ação e omissão para a prática criminosa” e influenciava nomeações na Petrobras.

    Detalhes das provas e argumentos citados no voto de Paulsen:

    1. Funcionários da OAS indicam a propriedade do triplex

    Em seu voto, o desembargador Leandro Paulsen afirmou que era “de conhecimento geral no âmbito da OAS que o triplex era do presidente”.

    “Essa obra era tratada com enorme distinção e fica claro, nos autos, que não se determinava que cuidassem dessas obras [reformas] como cuidassem de quaisquer outras. Os principais executivos da empresa cuidavam pessoalmente do sucesso dessas operações.”

    2. Visita da família ao imóvel

    Citando depoimentos e trocas de mensagens de celular, o desembargador afirma que Lula e Marisa visitaram o triplex, sendo que a ex-primeira-dama foi até o apartamento “em pelo menos duas vezes”, para conferir o andamento da reforma.

    “Aqui temos diversos elementos, nós temos referência a números, a troca de mensagens, identificação das pessoas que conversaram e Fábio, filho do presidente, estava em uma dessas conversas, além de todos os depoimentos”, disse Paulsen.

    3. Reformas no triplex

    Paulsen afirma que, por meio do triplex, Lula “acabou por ser beneficiário pessoal e direto da propina que estava à disposição do Partido dos Trabalhadores”.

    Neste ponto, o desembargador cita uma série de benfeitorias que teriam sido realizadas no imóvel a pedido de Lula e Marisa, como instalação de elevador, modificação de ambientes, construção de escada, alteração do local da piscina e instalação de móveis “sob medida”.

    4. Influência de Lula na Petrobras

    Paulsen atribuiu a Lula o papel de “garantidor do funcionamento dessa organização criminosa mediante a indicação e a manutenção dessas pessoas [outros condenados na Lava Jato] nos cargos [na Petrobras]”.

    No que diz respeito à “autoria e culpabilidade de Lula”, o desembargador afirma que “o vínculo de causalidade entre sua conduta e os crimes praticados é inequívoco” e que o então presidente “agiu pessoalmente para tanto, bancando quedas de braço com o Conselho da Petrobras”.

    “Ao indicar esses diretores e os manter nos cargos, sabedor de que drenavam recursos para os partidos, o réu concorreu por ação e por omissão para essa prática criminosa”, concluiu Paulsen.

    Victor Luiz dos Santos Laus

    Resumo das provas e argumentos citados no voto do desembargador

    Laus acompanhou o voto do relator e destacou:

    Provas documentais da adesão do casal Lula a financiamento de imóvel no empreendimento;Depoimentos de Leo Pinheiro e Agenor Fraklin;Testemunhos de funcionários da OAS e da Petrobras;Laus disse que Lula tinha ciência dos fatos que aconteciam na Petrobras e que ex-presidente “perdeu o rumo” no cargo;Laus falou que as provas apresentadas pelo MPF eram consistentes porque resistiram ao contraditório da defesa.

    Detalhes das provas e argumentos citados no voto de Laus:

    1. Provas documentais

    Laus afirmou que as provas documentais apresentadas pelo MPF mostram que é “fato incontroverso que Lula e sua falecida esposa tinham um imóvel nesse condomínio”. Ele afirmou ainda que, para o casal, não foi necessário seguir as regras dos demais cooperados.

    “Abre-se, diante desse fato, uma janela que sugere a questão da vinculação ou propriedade de fato, como se queira, desse apartamento triplex ao casal Lula”, disse Laus.

    Outro grupo de provas, afirmou o desembargador, diz respeito ainda “à acusação que foi ocultada pelo casal Lula a propriedade, seja formal ou informal, desse mesmo apartamento”. “Existe todo um elenco de documentos que vão nesta linha. Isso são provas que chamamos materiais”, afirmou.

    2. Depoimentos de testemunhas

    O desembargador disse ter lido todos os depoimentos do processo de funcionários da OAS e da Petrobras e que “na ampla maioria foram depoimentos convergentes e harmônicos entre si”.

    “Ou seja, uma a uma cada testemunha foi acrescentando um ponto. Como se fosse um tijolo no muro, cada um foi acrescentando um tijolo a esse muro”, disse.

    3. Depoimento de Leo Pinheiro e Agenor Franklin

    O desembargador disse que os depoimentos dos dois réus do processo, que “assumiram uma postura cooperativa”, encontram correspondência com as provas documentais.

    4. Ciência dos fatos

    Em seu voto, Laus afirmou que Lula tinha “ciência dos fatos” do que acontecia em seu entorno e que deveria ter “tomado providências”. “Em algum momento alguém perdeu o rumo das coisas e passou a não compreender suas atribuições. Me refiro ao ex-presidente”, disse ao proferir o voto.

    5. Provas consistentes

    Para Laus, as provas apresentadas pelo MPF no caso do triplex eram proeminentes e se mostraram consistentes ao resistirem ao contraditório da defesa. “O que temos ao longo do processo é que essas provas se tornaram absolutamente verossímeis. Resistiram diantes das críticas da defesa”, afirmou.

    “Fossem elas frágeis, não teriam resistido a esse embate. Se resistiram, mostrou comprovada a acusação que veio a juízo”, completou.

     

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